Carta de Fortaleza dos Povos das Águas
Os quinze estados brasileiros representados por cento e sessenta e seis participantes do “Seminário Manguezal e Vida Comunitária: os impactos socioambientais da carcinicultura” reunidos em Fortaleza no período de 21 a 24 de agosto de 2006, representando organizações comunitárias de base, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, pescadores e pescadoras, do movimento nacional dos pescadores/as (MONAPE), pastorais sociais, escolas de pesca, pesquisadores e organizações não governamentais locais, estaduais, nacionais e internacionais, dirigimos-nos à sociedade para expressar :
1. Afirmamos que ocorre de forma acelerada a destruição dos manguezais no Brasil, e de maneira predominante pela atividade de carcinicultura ou cultivo de camarão, com privatização sem precedentes de água e de terras públicas e indígenas, expulsão das populações locais, desmatamento de manguezais, salinização de água doce, poluição de rios, gamboas e estuários, diminuição crescente do pescado (mariscos, crustáceos e peixes) e empobrecimento dos Povos das Águas. Essa destruição dos manguezais e de outros ecossistemas costeiros segue avançando e se soma a ela uma violação sistemática dos direitos humanos e ambientais dos Povos do Mar, dos Mangues e dos Rios;
2. A atividade da carcinicultura, a despeito de sua trajetória histórica de destruição social e ambiental, segue sua expansão de maneira impune em nosso país, sobretudo no Nordeste brasileiro;
3. Denunciamos que a atividade de carcinicultura tem manifestado uma ação violenta dirigida a comunidades locais, lideranças, entidades, utilizando para tanto de intimidação, constrangimento e violência física com registro de vários assassinatos (casos ocorridos no RN, BA, PI), o que se configura como agente violador de direitos humanos e ambientais;
4. Reclamamos das corregedorias estaduais uma atuação para evitar a recorrente ação das polícias nos estados (civil e militar) que têm assumido o papel de segurança privada nas fazendas de camarão, inclusive estatal usando a estrutura (fardamento, viatura, munição) e, sem deixar duvida, agindo com violência contra as populações locais:
5. Denunciamos que as legislações de nossos estados estão sendo revisadas para permitir a expansão de atividades destrutivas dos carcinicultores em áreas caracterizadas pelos ecossistemas costeiros. Rechaçamos qualquer modificação de sistemas legais com o objetivo de diminuir a proteção e permitir a apropriação dos espaços marinho-costeiros e suas áreas de influência;
6. As instituições publicas de financiamento (Banco do Nordeste, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) têm financiado a atividade de carcinicultura que se desenvolve de maneira insustentável, exercendo assim um papel determinante na expansão do cultivo de camarão e no quadro de degradação e de pobreza que cresce na Zona Costeira e áreas ribeirinhas;
7. Denunciamos que se acentua em nosso país um modelo de desenvolvimento primário-exportador, orientado pelo agronegócio e hidronegócio e direcionando à produção de bens para a exportação (como no caso da carcinicultura) às custas de nossos ricos ecossistemas e de populações cada vez mais pobres. O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco responde às demandas do empresariado brasileiro, dentre os quais o da carcinicultura, mostrando-se inaceitável sua concretização pelo estado brasileiro. Reclamamos políticas sustentáveis que satisfaçam as necessidades das populações locais e que garantam direito e acesso aos recursos naturais(pescado, água, terra…);
8. Reclamamos das Delegacias Regionais de Trabalho a ação efetiva para coibir a exploração dos trabalhadores nas fazendas de carcinicultura (ausência de carteira assinada e de equipamentos de proteção individual, jornadas abusivas de trabalho, trabalho infantil, trabalho escravo) e problemas relativos à saúde do trabalhador (doenças de pele, intoxicação por metabissulfito de sódio);
9. Denunciamos que os governos estaduais, de modo especial, sustentam e animam a expansão da carcinicultura em bases insustentáveis na medida em que desenvolvem legislações que abrem as portas para a degradação dos manguezais e dos ecossistemas costeiros. Incentivam ainda atividades de grande impacto (carcinicultura, turismo, pesca industrial) que não guardam relação alguma com as necessidades das populações costeiras e ribeirinhas em prol da garantia de qualidade de vida e de saúde e da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos;
10. Denunciamos que se está substituindo as atividades tradicionais por novas atividades econômicas eleitas por governos (estaduais e federal) como alternativa à crise econômica atual. Estas alternativas seguem concentrando a riqueza em mãos de uma minoria e diminuindo a qualidade de vida da grande maioria da população local. Reclamamos a elaboração de políticas públicas que fortaleçam as atividades produtivas tradicionais da nossa Zona Costeira. Estas políticas devem garantir a soberania e os direitos concernentes à cidadania e à vida;
11. Exigimos ação preventiva e corretiva dos governos estaduais e federal para determinar que a recuperação das fazendas de carcinicultura abandonadas ocorra por parte dos degradadores e que haja uma reversão da posse e ou titularidade dessas áreas para a integração ao patrimônio público ;
12. Observamos que parte das atividades de pesquisa e gestão de nossos ecossistemas seguem orientadas para satisfazer necessidades contrárias às das nossas comunidades, firmando assim a base para a degradação dos meios de vida e da cultura de nossos povos, através da expansão de atividades destrutivas e insustentáveis;
13. Reafirmamos nossa intenção firme e determinada em resistir aos processos de privatização e destruição dos recursos naturais das zonas marinho-costeiras em nossos estados;
14. Expressamos nossa solidariedade e apoio aos Povos do Mar do Extremo Sul da Bahia e solicitamos a criação imediata da RESEX de Cassurubá pelo governo Federal.
15. Exigimos do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos a proteção de moradores das localidades de Cumbe, Porto do Céu, Cabreiro, Tabuleiro e Volta em Aracati(CE), São José e Buriti em Itapipoca(CE), Camondongo, Passagem Rasa em Itarema(CE), Salinas da Margarida, Canavieiras, Praia do Guaibim em Valença(BA), Logradouro em Porto do Mangue e (RN),Porto do Carão em Pendências (RN)
Finalmente :
1. Nos posicionamos contrários a expansão da carcinicultura no Brasil ao mesmo tempo em que exigimos a não concessão de novas licenças e de financiamento a atividade de cultivo de camarão, bem como o embargo das fazendas instaladas e recuperação de áreas degradadas
2. Exigimos um posicionamento claro da SEAP, MMA, IBAMA, FUNAI, SEEDPH, SPU e GRPUs,Instituições financeiras e Governos estaduais, sobre o cenário apresentado nesta carta e uma plataforma de ação destas instituições frente à problemática;
3. Reclamamos a urgência na implantação de políticas públicas que garantam que os responsáveis por esta destruição (Instituições de crédito, governos federal, estaduais e municipais, industriais, especuladores e carcinicultores) recuperem os ecossistemas degradados na zona costeira brasileira.
Carta resposta da Associação Brasileira
de Criadores de Camarão – ABCC
Natal, 02 de setembro de 2006
Mais uma vez os pseudo-ambientalistas capitaneados pelo oportunista João Alfredo e pelo deliberado alienismo do Instituto Terramar, dão uma clara demonstração de que estão a serviço dos interesses contrariados “além mar”.
Consideramos extremamente sensacionalistas as acusações e afirmações contidas na “Carta de Fortaleza”, documento elaborado sob a liderança da ONG Terramar, entidade descomprometida com o social e ambiental e que, através da manipulação de populações carentes da zona rural do litoral Nordestino ligadas a pesca artesanal e extrativista, vem apresentando a mídia informações inverídicas, distorcidas e tendenciosas sobre impactos ambientais e sociais da atividade de cultivo de camarão.
Entendemos que o verdadeiro objetivo desta “Carta de Fortaleza” é garantir a continuidade dos recursos advindos de fontes internacionais como a Inter-American Foundation (IAF), Fundação Avina e Fundação BankBoston, que financiam as atividades da ONG Terramar, representante no Brasil da Red Manglar International, entidade que tem a função de coordenar campanhas contra a aqüicultura e articular o financiamento internacional para suas filiadas, a exemplo do Terramar em nosso país (Ambientalismo o Novo Colonialismo-Editora Capax Dei, 2005), cuja principal função parece ser a oposição à carcinicultura através da agitação e da manipulação de populações carentes.
Estas ONG’s pregam em nome do meio ambiente a manutenção, a qualquer custo, do atraso e da degradação da vida dessas populações, que em pleno século XXI, convivem com um enorme potencial natural e todos os dias, exatamente pela visão vesga dos governos e desses “arautos do apocalipse” não conseguem viver com um mínimo de dignidade, quando na realidade, a aqüicultura, que é a vocação natural do Brasil, poderá estar lhes proporcionando condição de vida muito diferente.
Estudos elaborados pelo Departamento de Economia da UFPE, comprovam que a carcinicultura vem gerando emprego e renda na zona rural do litoral nordestino (http://www.abccam.com.br/download/GERA%C7%C3O%20DE%20EMPREGOS.pdf), quando 88% do trabalho ofertado é ocupado por mão-de-obra sem qualificação profissional e 14% das oportunidades é ocupada por mão-de-obra feminina. Adicionalmente, o estudo “Impactos Sócio-Econômicos do Cultivo do Camarão Marinho em Municípios Selecionados do Nordeste” realizado pelo mesmo Departamento, concluiu que a carcinicultura nos 10 (dez) municípios analisados, contribui significativamente para a elevação e estabilidade do emprego e da renda, para a elevação da receita municipal e para a melhoria das condições de vida nestes municípios, destacando a participação da população economicamente ativa (PEA) no setor, a representação setorial no PIB municipal e a sua participação na receita tributária. (www.abccam.com.br/publicações)
Não nos surpreende mais acusações e afirmações genéricas e recicladas sobre o que estas entidades consideram como impactos da carcinicultura no Brasil, as quais não apresentam números reais baseados em estudos comprovadamente científicos, utilizando apenas um relatório tendencioso da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, documento que foi alvo de um manifesto elaborado por 28 Doutores/Pesquisadores da área de aqüicultura de 13 instituições de ensino e pesquisa, que consideraram socialmente injusto e cientificamente discutível os supostos impactos mencionados pelo relatório. Os pesquisadores que assinaram este manifesto, se colocaram a disposição para participarem de fóruns e debates sobre o tema, porém, os organizadores do evento que assinam a carta, não convidaram os mesmos para discutir os impactos da carcinicultura.
O trabalho: “Impactos Sócio-Econômicos e Ambientais da Carcinicultura Brasileira: Mitos e Verdades” (Rocha, 2005) disponível no site www,abccam.com.br, que utilizando informações e estatísticas do próprio IBAMA e dos centros de excelência das universidades brasileiras, desmistifica e coloca por terra os mitos e as inverdades sobre a carcinicultura, atividade que na realidade, tem profundos compromissos com a preservação ambiental e com o bem star social, uma vez que ao analisar o conjunto de sua cadeia produtiva, se ressalta claramente que o “somatório dos impactos positivos são de tal magnitude que justificam as ações de mitigação para a superação dos seus impactos negativos”.
A afirmação sem nenhuma comprovação de que ocorre de forma acelerada a destruição de manguezais no Brasil, não condiz com a verdade que foi apresentada pelo recente estudo técnico científico elaborado e publicado pelo LABOMAR/UFCE com o apoio do CNPq e da Sociedade Internacional para Ecossistemas de Manguezal – ISME-BR, que através das análises de imagens de satélites de 1978 a 2004, identificou um crescimento total de 36,56% na cobertura vegetal do manguezal entre os Estados de Pernambuco (67%), Paraíba (39,84%), RN (19,88%), Ceará (27%) e Piauí (34,94%), descaracterizando e desmistificando as acusações do crescimento da carcinicultura em detrimento da destruição dos manguezais (http://www.abccam.com.br/download/Atlas_mangues_NE_%FAltima_vers%E3o%5B1%5D.pdf).
A carcinicultura, diferente do que informa a “Carta”, é uma atividade lícita e considerada pela Lei Federal 10.165/00, como uma atividade de médio impacto ambiental, considerada ainda pelo Banco Mundial, NACA e FAO (2002), que a aqüicultura é uma importante atividade na área costeira de muitos países, oferecendo um número de oportunidades para amenizar a pobreza, gerar empregos, promover o desenvolvimento comunitário, redução da sobreexploração das fontes naturais costeiras e segurança alimentar nas regiões tropicais e subtropicais (www.eneca.org), informação completamente desconsiderada pelas ONG’s que assinam a Carta.
A carcinicultura brasileira através da sua entidade representativa ABCC, vem cumprindo o seu dever de casa no que se refere a questões ambientais e sociais, elaborando e distribuindo entre os produtores de camarão e demais associados, o Código de Conduta e de Boas Práticas de Manejo para uma Carcinicultura Ambientalmente Sustentável e Socialmente Justa e os Manuais de Gestão de Qualidade e Rastreabilidade na Fazenda e de Biossegurança na Fazenda, disponíveis para consulta publica no site da ABCC (www.abccam.com.br).
Por fim, gostaríamos de vêr as entidades que assinam esta carta demonstrar à sociedade a verdadeira fonte de financiamento das suas atividades e propor alternativas concretas de melhoria de vida para as milhares de famílias que da carcinicultura tiram o seu sustento e que estariam desempregadas pelo desejo insano de sustar uma atividade que hoje se apresenta como uma das poucas alternativas de crescimento sustentável e de geração de emprego e renda para populações da zona rural do litoral nordestino.