A indústria de rações: situação atual e perspectivas

Por:
Vanice Waldige
Gerente de Negócios de Rações
Agribrands Purina do Brasil
Coordenadora do AnfalAqua
[email protected]

Alexsandra Caseiro
Gerente de Aqüicultura
Nutron Alimentos Ltda
Vice-coordenadora do
AnfalAqua [email protected]


Em 2003, a indústria brasileira de alimentação animal, obteve uma expressiva participação econômica, representando o terceiro maior produtor de rações do mundo, depois dos EUA e China. O faturamento global das empresas do ramo manteve-se em cerca de US$ 7 bilhões e a produção de rações alcançou 40,8 milhões de toneladas, 1,9% menos que em 2003. Esta queda de volume está relacionada com as oscilações do poder aquisitivo da população, no entanto o setor faz previsões otimistas para 2004, estimando um mercado aquecido por três fatores: aumento de consumo humano de proteína animal e seus derivados, fortalecimento da produção animal através do aumento dos rebanhos; e demanda crescente internacional pela carne brasileira (bovinos, suínos, aves, peixes e camarões). Para 2004 a previsão é de crescimento na produção nacional de rações em torno de 4,5%.

Figura 1. Vendas de rações por segmento para o ano de 2003.
Figura 1. Vendas de rações por segmento para o ano de 2003.

O segmento de rações para aqüicultura (peixes e camarões) encerrou 2003 com 263,000 toneladas e a previsão para 2004 é de 304,000 toneladas, um crescimento de 15,5%. Este índice está muito acima do que os esperados para a avicultura (5%), suinocultura (3%), bovinocultura (5,2%) e pet food (4,2%) (gráfico 1).

Dentro da produção nacional de rações, o segmento de aqüicultura representou 0,6% do volume em 2003 (Figura 1) e será responsável por 0,71% do volume em 2004 (Figura 2). Os números apontam que o segmento é relativamente pequeno dentro da produção nacional de rações, contudo as indústrias, principalmente as pertencentes a ANFAL (Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentação Animal), estão direcionando esforços porque acreditam no enorme potencial que o país dispõe para a aqüicultura.

A tabela 1 apresenta a participação dos volumes por segmento dentro do setor de Aqüicultura. O volume de rações para peixes tropicais reduziu em 2003, 1,9% e espera-se um crescimento de 4,8% para 2004. As rações para peixes carnívoros decresceram 23% em 2003 e estima-se 9,5% como crescimento para 2004. O segmento que representa o maior crescimento dentro da aqüicultura, são as rações para camarões marinhos, que em 2003 cresceu 81% e para 2004 espera-se um crescimento de 24%.

Estes grandes saltos nos volumes de rações para camarões marinhos foram ocasionados principalmente pelo incremento no número de fazendas, pelo aumento de área de cultivo, pelo aumento da produção e de produtividade, adicionalmente no aumento de laboratórios e produção de pós-larvas, dos centros de processamento e no espetacular desempenho das exportações brasileiras dos camarões, que de 1998 a 2002 cresceram 1.423,45% em volume e 555,86% em valor.

Tabela 1. Volume de Vendas de Rações “Aqua" * volumes previstos para 2004
Tabela 1. Volume de Vendas de Rações “Aqua” * volumes previstos para 2004

Através da figura 3 é possível visualizar que as vendas de rações para peixes estão concentradas nas região nordeste, sudeste e sul. Apesar das temperaturas mais baixas no sul do país, quase 50% da produção de peixes é realizada nesta região, sendo que as vendas de rações nesta área computam apenas 20% do total.

As regiões norte e centro-oeste são muito ricas em recursos naturais. Em função do potencial hídrico e climático, temos observado um rápido desenvolvimento da aqüicultura nestas áreas. As regiões nordeste e sudeste destacam-se pelos grandes projetos de piscicultura em tanques-rede nos reservatórios de usinas hidrelétricas ou grandes lagos, onde muitos empreendimentos estão se estruturando para a exportação de tilápias.

Figura 3: Distribuição das vendas de rações para peixes no Brasil (de janeiro a dezembro de 2003 – 118.000 toneladas). Fonte: ANFAL
Figura 3: Distribuição das vendas de rações para peixes no Brasil (de janeiro a dezembro de 2003 – 118.000 toneladas). Fonte: ANFAL

A figura 4 mostra onde estão sendo comercializadas as rações para camarões marinhos, a região nordeste responde por 96,3% das vendas e a região sul por 3%. A produção de camarão marinho está assim distribuída: 96% na região nordeste, 3,35% na região sul e 0,5% na região sudeste (2003).

Figura 4: Distribuição das vendas de rações de camarões em 2003. Fonte: ANFAL (2003).
Figura 4: Distribuição das vendas de rações de camarões em 2003. Fonte: ANFAL (2003).

 

Tendências do mercado de rações

O íncio de 2004 foi marcado por um elevado reajuste de preços nas rações “aqua”, função do aumento do CONFINS de 3 para 7,6%, a partir de fevereiro de 2004. Esta alteração na alíquota do imposto refletiu em reajustes entre 3,5 e 4% no produto final.

Como se já não bastasse, a expectativa do mercado de matérias-primas não é nada animadora. Em função das quebras de safra e da redução nos estoques mundiais de farelo de soja, trigo e milho, espera-se que até o final do ano, grande volatilidade de preços seja observada, sempre com tendência de alta. Conforme é discutido neste artigo, isto vai influenciar diretamente os preços das rações “aqua”. Esta situação ainda pode se agravar caso a cotação do dólar volte a apresentar picos, conforme observado no segundo semestre de 2002.

Infelizmente, não há como deter as variações nos preços das “commodities” e nem como impedir que o governo aumente as taxas de impostos. Assim sendo, cabe aos produtores buscarem novas alternativas para a comercialização dos peixes e camarões produzidos, buscando sempre mercados que remunerem de forma justa o produto vendido.

Ingredientes: situação atual e tendências

Em função da expressiva produção brasileira de grãos/cereais e de carne (suína, frango e bovina), muitos dos ingredientes utilizados na formulação das rações recomendadas para organismos aquáticos estão disponíveis o ano todo. As matérias-primas usualmente empregadas nas formulações das “rações aqua” são: farelo de soja, óleo de soja, milho, glúten de milho, trigo e subprodutos, sorgo – baixo tanino, farelo de algodão, subprodutos do processamento de carnes de frango/suínos/bovinos (farinhas e gorduras), farinha de peixes (55 e 65% de proteína bruta), levedura, subprodutos de destilaria e premix vitamínico – mineral.

Menor variação de preços das “rações aqua” foi observada em 2003, quando comparado ao cenário observado em 2002. As principais matérias-primas “commodites” apresentaram grande volatilidade de preços em função da redução dos estoques mundiais das mesmas. Substitutivos de farelo de soja também apresentaram grande variação de preços quando os preços de soja e sobprodutos sofreram reajustes.

Tabela 2. Impacto dos preços das matérias-primas nas formulações das rações de peixes. Mês de referência – Dezembro/2003.  Matérias-primas protéicas, exceto farinha de peixes nacional e importada.
Tabela 2. Impacto dos preços das matérias-primas nas formulações das rações de peixes. Mês de referência – Dezembro/2003. Matérias-primas protéicas, exceto farinha de peixes nacional e importada.

Em 2003, os percentuais de aumento nos preços de farelo de soja, milho, farelo de trigo e farinha de vísceras de frango foram de 16; 5,9; 19;5 e 18,9; respectivamente. Isto refletiu em um aumento de 6 a 15% nos custos das fórmulas das rações de peixes. O impacto dos custos das matérias-primas nas formulações das rações de peixes são apresentados na tabela 2, na página anterior.

Soja e subprodutos

Embora o Brasil seja auto-suficiente na produção de soja, até mesmo para o mercado local, todas as cotações desta matéria-prima e seus subprodutos variam de acordo com a Bolsa de Chicago (CBOT). De forma geral, durante o ano de 2003, as cotações do complexo soja aumentaram quando comparado com o ano de 2002. O gráfico 2 apresenta a variação nos preços de farelo de soja e óleo de soja para o período de 2000 a 2003.

Os fatos que contribuíram para este cenário foram as perdas observadas durante a safra 2002/2003 nos Estados Unidos (função de seca prolongada e da incidência de altas temperaturas) e a redução dos estoques mundiais de farelo de soja e óleo de soja. Em Agosto/03, o Departamento de Agricultura Americano (USDA) anunciou as perdas da safra americana e os preços de soja e seus subprodutos disparam em dólar, chegando ao pico em novembro/03, aumento em dólar de 40% para farelo de soja e 31% para óleo de soja (Gráfico 2). Esta situação vai de encontro ao que foi previsto pelo especialista em “Agribusiness” – Fernando Muraro Jr – “em 2003 a cotação da soja grão e subprodutos em dólares será a melhor dos últimos 4 anos”.

As tendências para o ano safra em curso são:
(1) aumento na produção de outras oleaginosas,
(2) redução na produção mundial de soja,
(3) redução na área plantada nos Estados Unidos,
(4) aumento no consumo de soja e seus subprodutos,
(5) maiores cotações de soja e seus subprodutos na bolsa de Chicago quando comparado ao ano de 2003,
(6) aumento na produção brasileira de soja.

Considerando a tendência de outra redução nos estoques mundiais, a expectativa de redução nas cotações de soja e seus subprodutos parece algo bem longe da realidade. Esta posição se fortalece quando olhamos para a situação da safra em curso no Brasil. As principais lavouras de soja têm apresentado condições irregulares, sendo que há forte expectativa de quebra da safra brasileira. Lavouras do Brasil Central estão sofrendo com excesso de chuvas há mais de 30 dias, enquanto que o Sul do Mato Grosso do Sul, São Paulo e os estados da região Sul sofrem com os problemas de seca pronunciada. Ainda assim, a expectativa para a colheita de 2004 está para um número 10% superior ao que foi conseguido na safra passada.

No dia 10 de fevereiro, a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) estabeleceu contratos de compra de soja a US$ 275/tonelada para Março/04 e a US$ 274/tonelada para Abril/04. Em Janeiro, a soja foi vendida a US$ 259/tonelada, o que representa um incremento entre de 6,1% e 5,8% comparado a Março e Abril, respectivamente.

Gráfico 2. Médias históricas das cotações de óleo de soja e farelo de soja em São Paulo. Fonte: Jox (2003).
Gráfico 2. Médias históricas das cotações de óleo de soja e farelo de soja em São Paulo. Fonte: Jox (2003).

Milho e subprodutos

Diferente do ano comercial 2001/2002, a produção brasileira de milho durante o ano safra 2002/2003, foi suficiente para atender a demanda interna, permitindo até mesmo a exportação de 4,2 milhões de toneladas.

Embora o mercado apresente uma estabilidade de abastecimento aparentemente tranqüila, os preços do milho no mercado interno continuam sendo determinadas pelos valores obtidos com a exportação desta matéria-prima. Durante o ano de 2003, a cotação desta matéria-prima em dólar variou muito pouco, conforme pode ser observado no gráfico 3.

Gráfico 2. Médias históricas das cotações de óleo de soja e farelo de soja em São Paulo. Fonte: Jox (2003).

A área de milho plantada durante a safra de verão superou as expectativas do mercado. Os números apontavam uma redução na área plantada de milho em 3,1% quando comparado a 2003. Em contrapartida, a expectativa produção projetada era maior, 27,08 milhões de toneladas, que representa um incremento de 5,1% na produtividade.

Frente a maior atratividade da soja comparado ao milho, quantidade insuficiente de milho foi plantada durante a safra de verão, aumentando a dependência e os riscos de perdas durante a “safrinha”. Assim como em 2003, a safra de inverno vai ser fundamental para atender a demanda interna desta matéria-prima, sendo que o mercado continua sujeito as incertezas do clima.

Problemas de estiagem prolongada observados nos últimos 30 dias no sul do país, já apontam atraso no plantio de milho “safrinha”, o que já é forte indicativo de redução na produção durante a safra de inverno. Caso esta posição se consolide, será necessário importar milho para atender a demanda acarretando aumentos nos preços das rações “aqua”. Se houver uma redução na produtividade da “safrinha”, os reflexos serão sentidos a partir de Setembro/04.

Gráfico 3. Preços históricos do milho em São Paulo. Fonte: Jox (2003).
Gráfico 3. Preços históricos do milho em São Paulo. Fonte: Jox (2003).

A BM&F estabeleceu contratos de compra de milho a US$ 108/tonelada para Março/04, US$ 112/tonelada para Maio/04, US$ 114/tonelada para Julho/04, US$ 122/tonelada para Setembro/04 e US$ 124/tonelada para Novembro/04.

Trigo e subprodutos

O Brasil importou quase 50% do volume total de trigo consumido em 2003 e a Argentina foi o principal fornecedor. Para o ano safra 2003/2004, a expectativa é de que os números da safra brasileira se mantenham. Diferente dos Estados Unidos e Inglaterra, importantes produtores de trigo, a Argentina pode aumentar a produção em 9%.

De acordo com relatórios americanos, os Estados Unidos têm uma previsão de redução de até 23% nos estoques de trigo durante o período de colheita, o que certamente vai contribuir para a continuidade do cenário de aumentos progressivos desta matéria-prima, conforme apresentado através do gráfico 4.

 Gráfico 4. Preços históricos de farelo de trigo em São Paulo. Fone: FNP (2003). 
Gráfico 4. Preços históricos de farelo de trigo em São Paulo. Fone: FNP (2003). 

O mercado internacional, basicamente a Argentina, vai ser a referência para as cotações de trigo no Brasil. Há uma tendência de aumento nas cotações de trigo grão em Março, quando os estoques dos moinhos de trigo geralmente são reduzidos. Isto também pode afetar os preços das rações “aqua”.

Farinha de peixes

O reajuste de preços da farinha de peixes nacional em 2003 foi da ordem de 38% (Gráfico 5), enquanto que para a farinha de peixes importada este foi inferior a 4%, mantendo a cotação média de US$ 738/tonelada para o ano de 2003.

Gráfico 5. Variação dos preços médios da farinha de peixes nacional para o período de 2002 e 2003.
Gráfico 5. Variação dos preços médios da farinha de peixes nacional para o período de 2002 e 2003.

Comparando com o início do ano passado e o momento – período oficial de pesca, uma forte redução nos volumes de pesca vem sendo observada na costa brasileira. O abastecimento de matéria-prima para a produção de farinha de peixe nacional (marrom) tem reduzido a cada ano, o que pode resultar em um aumento de 5% nesta matéria-prima.

Por outro lado, o abastecimento do mercado brasileiro com farinha de peixes importada está estável. Entretanto, para os próximos meses, espera-se um aumento nos preços da farinha de peixes importada, uma vez que o Peru vai estar em período de defeso nos meses de Março/Abril.