Por: Jomar Carvalho Filho, Biólogo e Editor da Panorama da AQÜICULTURA
Os meses de novembro e dezembro foram de apreensão e sofrimento para os carcinicultores do Rio Grande do Norte. Uma ação do Ibama, com o apoio truculento da Polícia Federal promoveu uma blitz nas fazendas potiguares, com direito a cenas cinematográficas com helicópteros em sobrevôo, dando apoio a homens fortemente armados. Cenas de fazer inveja a muitos seriados tipo C, outrora inimagináveis no setor aqüícola.
Em várias capitais, a grande imprensa acompanhou de perto o desenrolar das diligências que se seguiram por vários dias, bem como as explicações das autoridades envolvidas, como o presidente do Ibama, Hamilton Casara, para a mega-operação. Casara repetiu em inúmeras entrevistas, que no meio do ano recebeu da corregedora-geral da União, ministra Anadyr de Mendonça Rodrigues, uma denúncia do movimento SOS Mangue, informando que havia uma grande quantidade de pessoas desmatando o mangue, quando então suspendeu em todo o Nordeste, os licenciamentos para atividades de carcinicultura em manguezais e nas áreas de entorno. Mas, segundo ele, no Rio Grande do Norte essa medida não surtiu efeito, o que gerou a operação no estado.
Os valores astronômicos das multas e as denúncias de abusos de autoridades passaram a tomar conta dos noticiários e os brilhos intensos das notícias levaram o assunto ao palco maior, fazendo-as adentrar nas residências de todo o Brasil através do Jornal Nacional. Mas o deleite dos “ambientalistas” ainda estava por vir. E aconteceu logo no dia seguinte a veiculação da matéria, num sábado, quando o mesmo telejornal anunciou em cadeia nacional o surgimento do primeiro mártir deste enredo tragicômico, noticiando a morte de João Dantas de Brito, funcionário do Ibama em Nízea Floresta, assassinado em sua própria casa, supostamente por ter denunciado crimes ambientais cometidos por carcinicultores, agora também elevados ao status de criminosos comuns. Ficam as perguntas: essa grande causa ambientalista precisava do sangue deste mártir? O diálogo, as negociações com embasamento técnico e o bom senso não poderiam ter poupado esta vida? Os produtores, ou suas entidades representativas souberam lidar com a mídia?
OAB-RN
Coincidentemente, no auge da crise e nas vésperas do assassinato do funcionário do Ibama, Natal foi palco de importantes eventos ligados a carcinicultura. Nos dias 29 e 30 de novembro a sede potiguar da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, na capital do estado, abriu suas portas para um seminário sobre o “Meio ambiente e a carcinicultura no Rio Grande do Norte”. A idéia dos organizadores era que tanto especialistas da carcinicultura quanto representantes do ministério púbico fossem ouvidos e, principalmente, ouvissem uns aos outros. Isso, no entanto, não aconteceu. Os promotores demonstraram não estar tão interessados assim no que os técnicos tinham a dizer e, o exemplo disso, foi uma platéia vazia de promotores para assistir a importante palestra sobre a “Experiência do Equador em Carcinicultura”, proferida por Lênin Paredes, da Equabrás. O Equador, segundo Lênin Paredes, teve 14% dos seus manguezais utilizados pela carcinicultura e, por isso mesmo, é um bom exemplo para o bom entendimento dos prós e dos contras da utilização desse recurso natural.
Defendendo a preservação dos manguezais, Lênin Paredes, mostrou as medidas mitigadoras adotadas pelo país frente ao impacto causado pelo desmatamento. Mostrou também o choque econômico que a atividade representou para o Equador, levando a carcinicultura a ocupar o segundo lugar no PIB, atrás somente do petróleo. A importância social da atividade foi vista também através dos números de empregos gerados – 300 mil empregos diretos e 1,2 milhões de empregos indiretos, num país com 12 milhões de habitantes, do tamanho do Estado do Ceará. Falou sobre tudo isso, e forneceu um excelente material para um debate maduro sobre o que fazer e o que não fazer para manter viva uma atividade ambientalmente sustentável. Mas os promotores públicos não estavam lá para ouvir, o que foi uma pena. Está na hora de escutar também os técnicos envolvidos com a carcinicultura e não somente os comprometidos com a intocabilidade dos recursos naturais a qualquer custo.
Cluster
Ainda no auge da crise, nos dias 28 e 29 reuniram-se também em Natal os técnicos envolvidos no Cluster do Camarão, para o lançamento do “Plano de Desenvolvimento Sustentável para a Carcinicultura no Estado do Rio Grande do Norte”, lançado oficialmente na sexta feira dia 30 de novembro pelo Governador Garibaldi Alves Filho, no Município de Arês, em solenidade que também inaugurou a sede da Coopercam – Cooperativa dos Produtores de Camarões do Rio Grande do Norte. Na comitiva oficial do Governador, estava o Ministro da Integração Social Ney Suassuna, fazendo coro aos protestos contra a forma como os produtores estavam sendo tratados na operação do Ibama. Garibaldi Filho disse em seu discurso que na véspera havia levado representantes do Estado para um encontro pessoal com o Ministro Sarney, do MMA – Ministério do Meio Ambiente, para pedir providências para contornar a crise que a ação do Ibama estava gerando no estado. Uma fonte que pediu para não ser identificada, garante que esse encontro na verdade não existiu, tendo o governador e sua comitiva sido recebidos apenas pelo Chefe de Gabinete do Ministro. O MMA parecia estar irredutível. Nessa mesma noite o Jornal Nacional maculava, para crédulos telespectadores, a imagem da atividade em cadeia nacional e reacendia, ainda mais, os ânimos entre os produtores potiguares. Uma preparação do que iria noticiar no dia seguinte: a morte desnecessária, fruto das desavenças.
Segundo a Secretaria de Planejamento e Finanças do RN, o estado fechou o ano de 2000 com 1.752 hectares de viveiros e uma produção de 7.000 quilos de camarões, líder nacional em área cultivada e tonelagem produzida. Grande parte da área responsável por esses números está instalada em áreas de viveiros de peixes construídos no passado pelos holandeses e, somado a isso, os produtores potiguares têm aproveitado ainda a herança da falida indústria salineira, com suas áreas de cristalizadores desativadas. Este estado, que historicamente viveu do algodão e do sal, agora concretiza outra indústria altamente rentável, quase três décadas depois das primeiras tentativas para se cultivar camarões, estimuladas pelo ex-governador Cortez Pereira. Um grande esforço que não merece ser denegrido em público, em cadeia nacional.