Podemos passar horas admirando peixes ornamentais, e como já foi dito em outros artigos publicados aqui na Panorama da AQÜICULTURA, cresce a cada dia o número de interessados neste segmento da aqüicultura, uma atividade já praticada comercialmente em muitos países e que conquista admiradores de várias espécies em cada região onde é desenvolvida. No Brasil, uma das espécies que mais se sobressai é o Acará Bandeira (Pterophyllum scalare), originário da bacia amazônica e do pantanal. Este peixe que em 1911 foi exportado pela primeira vez para a Alemanha e que em 1925 passou a ser exportado também para os Estados Unidos, desde então tem sido intensamente pescado, principalmente no Estado do Amazonas, de onde é exportado para diversos países, nem sempre legalmente.
Por:
Manuel Vazquez Vidal Junior ([email protected] )
Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF
A produção de peixes ornamentais por aqüicultura é praticada em diversos países, e em cada um dezenas de espécies são cultivadas. Em certos casos existe uma espécie que sobressai no país. Recentemente falamos sobre o kinguio, que pode ser considerado o alicerce do cultivo de peixes ornamentais na China e no Japão. No Brasil o acará bandeira exerce este papel. Inicialmente seu cultivo ocorreu em alguns países da Europa, onde passou a ser melhorado por aquaristas e piscicultores que desenvolveram algumas variedades desta espécie. Mais recentemente seu cultivo se expandiu para o sudoeste asiático e o sul dos EUA.
No primeiro ciclo (primórdio) da piscicultura de peixes ornamentais no Brasil, o acará bandeira e outros peixes nativos não eram cultivados, mas no segundo ciclo quando houve a expansão dos cultivos em Minas Gerais e São Paulo, esta espécie rapidamente foi difundida e atualmente é a principal espécie ornamental produzida por aqüicultura no Brasil.
O formato do corpo do acará bandeira é bastante peculiar por ser triangular e com as nadadeiras anal e dorsal simétricas. Os exemplares selvagens possuem coloração prateada com quatro listras verticais, sendo a primeira sobre o olho e a última no pedúnculo caudal. Tais listras ajudam o animal a se camuflar junto às macrófitas aquáticas de folhas estreitas, comuns nos locais onde esta espécie é nativa.
O acará bandeira é um peixe carnívoro, se alimenta de larvas e pós-larvas de peixes, larvas de insetos e de zooplâncton, mas aceita bem rações com elevada proporção de proteína de origem animal.
O acará bandeira não apresenta a mesma plasticidade de formatos do kinguio e nem a mesma variedade de cores do guppy ou mesmo do acará disco. Diversas variedades de acará bandeira foram desenvolvidas. Em relação as nadadeiras destaca-se a variedade véu, cuja nadadeira caudal pode chegar a ter mais de duas vezes o tamanho do corpo do peixe. Animais com a nadadeira caudal de tamanho intermediária (aproximadamente o mesmo comprimento que o corpo) são denominados semi-véu. Existe a variedade escama de pérola, nela as escamas possuem um brilho perolado. Como esta característica é mais perceptível em animais brancos, os produtores procuram selecionar o acará bandeira albino pérola, preferencialmente com a cauda em véu (Figura 01).
Os produtores em geral não usam a denominação acará bandeira para as variedades e usam este termo apenas para os animais que apresentam o padrão de cor e de distribuição de listras das populações selvagens, podendo ter cauda em véu. Para as demais variedades é mais comum usarem apenas o nome acará seguido do nome da variedade, assim quando falamos em acará marmorato (Figura 02), acará negro (Figura 03) e acará palhaço (Figura 04) estamos nos referindo às variedades do acará bandeira.
Animais monocromáticos são muito bonitos. Temos no acará bandeira, além do albino (Figura 05), pérola ou não, animais negros, onde até o olho é negro, não possuindo a mancha avermelhada típica da espécie. Também existe a variedade ouro, que tem um tom amarelo-dourado suave, mas não é comum obter esta variedade com a cauda em véu (Figura 06).
Os animais rajados de preto e de prateado são muito populares. Quando as cores são firmes a variedade é denominada marmorato e quando o tom é acinzentado a variedade é denominada fumaça. Quando as áreas escuras (negras) formam círculos, a variedade é denominada palhaço, o exemplar ideal desta variedade deve ser branco ou prateado e possuir três círculos negros bem definidos e isolados em cada lado do corpo do peixe, não devendo ocorrer pigmentação em outras áreas.
Na variedade leopardo (Figura 07) o peixe possui diversas manchas circulares pequenas em todo o corpo, inclusive na nadadeira caudal, dando um aspecto similar ao da pelagem de um leopardo. Geralmente nesses animais o corpo apresenta um tom acinzentado.
A variedade koi (Figura 08) é similar à ouro, mas possui na região superior da cabeça uma mancha amarela intensa ou avermelhada, devendo essa mancha ser bem definida e restrita à área citada.
Reprodução
A primeira maturação gonadal do acará bandeira ocorre por volta do oitavo mês de vida. A fêmea pode desovar o ano inteiro, desde que a temperatura da água seja adequada (25 a 30°C).
No ambiente natural, após a formação do casal, o macho do acará bandeira limpa uma folha larga (retira as algas) e delimita um território ao redor desta folha, não permitindo que outros peixes se aproximem. Na folha limpa a fêmea faz a postura de alguns ovócitos que imediatamente são fecundados pelo macho. Este ritual se repete por diversas vezes até que a postura da desova esteja completada.
Durante o período de desenvolvimento do embrião, o casal se reveza movimentando a água próximo à desova e retirando os ovos com fungos. A eclosão ocorre em 36 a 48 horas e as larvas permanecem aderidas à folha utilizando as reservas nutritivas do vitelo. Neste período o cuidado parental é similar ao que foi dispensado aos ovos. Quando os filhotes começam a nadar, já são pós-larvas e nessa fase são vigiados pelo casal.
Durante os próximos 30 a 40 dias os filhotes passarão por uma gradativa mudança na sua conformação e irão adquirir o formato típico da espécie. Nessa fase se alimentam de zooplâncton e posteriormente de larvas de insetos (dípteros).
Nos cultivos comerciais a reprodução é natural. O método mais simples consiste em preparar tanques escavados como é feito para larvicultura, porém utilizando menor quantidade de adubo para que a transparência da água fique entre 40 e 70 cm. Também é importante manter o pH ligeiramente ácido, sendo o ideal entre 6,2 e 6,6.
Neste tanque serão alojados reprodutores e matrizes na proporção de 1:1/ 2m2 (uma casal para cada 2 m2). O tamanho do tanque não é significativo, mas em geral são utilizados tanques com áreas que variam de 10 a 500 m2 e a profundidade de 60 a 120 cm.
O substrato para desova geralmente é o bambu. Colmos (varas) de bambu com aproximadamente 10 cm de diâmetro e um metro de comprimento, são fincados no fundo do tanque, perpendicularmente ao solo, e distribuídos uniformemente por toda a área do tanque. O número de substratos deve ser de 20 a 30% superior ao de casais.
Para que esse sistema funcione é preciso que a identificação do sexo do acará bandeira seja realizada. O dimorfismo sexual não é bem evidente, mas com a prática o produtor percebe que, vista de perfil, a cabeça da fêmea descreve um arco suave e a do macho possui uma reentrância próxima a altura dos olhos como se fosse uma falha no desenho do citado arco. Além disso fêmeas maiores e próximas à desova apresentam um pequeno e concentrado abaulamento próximo à nadadeira peitoral, que é causado pelo desenvolvimento do ovário. Quando se deseja alojar um grande número de casais em um tanque (mais de 50, por exemplo), a precisão da identificação do sexo não é tão importante pois um erro pode ser compensado por outro simétrico e, além disso, nem todos os peixes formarão casais mesmo que aja o mesmo número dos dois sexos.
Um aspecto que deve ser lembrado é que nesse sistema os casais não se formam simultaneamente e assim a primeira desova de cada fêmea irá ocorrer entre uma semana e 60 dias após terem sido alojados.
Com o passar do tempo o número de insetos predadores no tanque fica muito elevado, por isso após 60 a 90 dias é feita a despesca e os reprodutores e matrizes são alojados em um tanque recém preparado e os alevinos irão para tanques de engorda. Como a desova não é sincronizada um grande número de larvas e pós-larvas serão perdidas na despesca. Este fato associado ao longo período em que o casal toma conta da prole, explica a baixa produção neste sistema, que é denominado pelos próprios produtores de extensivo, apesar desta denominação não estar em consonância com a que é padronizada para piscicultura em geral.
Visando aumentar a produtividade de espécies com desova natural em viveiros e que protegem a prole, é comum pensar em retirada dos alevinos ou pós-larvas que normalmente nadam em cardumes, mas no caso do acará bandeira isso se torna complicado pois os filhotes tendem a ficar no fundo e longe das bordas do tanque. Por isso o sistema comercial mais utilizado para reprodução do acará bandeira é intensivo.
Em aquários de do mínimo 60 litros (40 x 40 x 40 cm) são alojados um macho e uma fêmea que já tenham atingido a maturidade sexual (adultos). Para a desova é colocado um substrato inerte, geralmente um pequeno pedaço de PVC retangular com dimensões próximas a 10 x 6 cm (pode ser recortado de um cano de 100 mm). O substrato deve ficar na vertical, submerso aproximadamente 10 cm e fixado por um arame à borda do aquário, como se fora uma folha pendurada.
Caso o produtor tenha grande disponibilidade de água com pH e temperatura adequada, não será necessário dotar os aquários de filtros, basta sifonar diariamente o fundo, retirando 20 a 25% do volume de água e repondo com água nova, ou manter um fluxo de água contínuo. É aconselhável o uso de aeradores com pedras porosas para manter o nível de oxigênio adequado. Caso os aquários não sejam mantidos em estufa com temperatura controlada, deverão ser dotados de sistemas individuais de aquecimento, podendo utilizar os termostatos que são encontrados em lojas de aquarismo.
Nos aquários de reprodução as matrizes devem receber, além da ração, alimentos vivos como daphinias e Artemia salina. Esse aspecto é importante pois como as rações não atendem a todas as exigências nutricionais desta espécie, mesmo por que não são totalmente conhecidas, o uso exclusivo deste tipo de alimento acarretaria o surgimento de deficiências nutricionais e interrupção da reprodução. Os alimentos vivos complementam a nutrição das matrizes.
Em poucos dias as matrizes estarão adaptadas ao novo ambiente, o aquário, e procedem a limpeza do substrato e a desova. Após a desova, que geralmente ocorre à noite, o produtor deve retirar a postura e transportá-la, juntamente com o substrato ao qual está aderida, para bandejas ou pequenos aquários com renovação constante de água e temperatura de 28 °C. Para evitar o surgimento de fungos recomenda-se o uso de azul de metileno ou outro fungicida próprio para aqüicultura ou aquarismo. Passados três a quatro dias ocorre a eclosão, porém as larvas ficam aderidas ao substrato.
Quando as pós-larvas começam a nadar, é o momento de transferi-las para aquários ou tanques, ainda no interior da estufa, e iniciar a alimentação das mesmas, com plâncton, daphinias ou artêmias e ração em pó bem fina. Nesta fase os peixes ainda não possuem a conformação característica do adulto, irão adiquiri-la em mais 15 a 30 dias, quando estarão prontos para serem engordados nos tanques externos.
A reposição de um novo substrato para a desova das matrizes deve ser feita de dois a quatro dias após a retirada da desova. Assim os pais não ficam muito agitados e poderemos obter desovas a intervalos de 10 a 15 dias. Normalmente após sete a dez desovas consecutivas ocorre um intervalo mais longo, de até 40 dias, e somente depois recomeçam as desovas.
Alguns detalhes deste sistema devem ser esclarecidos. O primeiro é que podemos simplesmente escolher um macho e uma fêmea e alojá-los no aquário de reprodução, mas por esse método quase 30% dos casais não se reproduzem, a fêmea não aceita o macho. Por isso muitos produtores preferem agrupar um lote de aproximadamente 20 machos e fêmeas, com características de cor e formato desejáveis, em um tanque e observar pares se isolando do grupo e delimitando território, o que caracteriza um casal formado. Imediatamente esse casal é transferido para um aquário de reprodução.
O segundo detalhe é que os casais em reprodução não devem ter contato visual com outros casais, pois os machos ficam muito agressivos e tendem a comer a prole.
O maior número de desovas de uma mesma fêmea e o controle sobre a prole aumenta muito a produtividade por matriz alojada e permite um melhor trabalho de aprimoramento das linhagens.
Mercado
Os acarás bandeiras e suas variedades são muito bem aceitos no mercado nacional, e apesar do Brasil não exportar esta espécie, seu mercado internacional é amplo e dominado pelos produtores asiáticos. O critério de preço é o tamanho e a presença do véu, não havendo diferenças significativas de preço entre as diversas variedades.
O tamanho mínimo de comercialização é de 2,5 cm de comprimento padrão, mas o tamanho mais comercializado é na faixa de 4 a 6 cm, pelo qual o produtor recebe de R$ 1,80 a 3,50. Para atingir este tamanho os acarás passam por um período de engorda de três a quatro meses.
O cultivo do acará bandeira é uma opção muito interessante para o produtor rural pois alia um mercado amplo, uma boa margem de lucro e uma tecnologia de produção simples, eficiente e bem dominada, além disso a espécie, após a fase de alevino, é bastante resistente e sua engorda em tanques escavados apresenta baixo custo.
As fotos que ilustram este artigo foram gentilmente cedidas por Paulo Corrêa da Silva Neto. www.piscicultiracorrea.com