Um Recurso Ainda Pouco Explotado pelo Brasil
Poucos se dão conta, mas as algas marinhas macroscópicas cada vez mais fazem parte do nosso dia a dia. Não seria nenhum exagero afirmar até que já somos seres “ficodependentes”, bastando para isso observar o nosso cotidiano repleto de alimentos, bebidas, medicamentos e inúmeros outros objetos que só puderam ser manufaturados graças a ajuda de alguma substância extraída das macroalgas marinhas.
Em 1994, segundo a CACEX, a “ficodependência” brasileira fez o país importar 13,5 milhões de dólares de produtos derivados de algas, quase o dobro do que foi importado em 1990, demonstrando claramente a tendência ascendente do consumo dessas substâncias.
E, para falar sobre esse assunto, ninguém melhor que o Professor Eurico Cabral de Oliveira, seguramente a maior autoridade brasileira nesta área, com mais de 100 trabalhos publicados sobre algas marinhas ao longo de sua carreira no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP e no Laboratório de Ciências Ambientais do Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF.
Eurico Cabral de Oliveira é assessor da FAO para usos e maricultura de macroalgas e pode ser acessado através dos e-mails: [email protected] ou [email protected]
As algas constituem um grupo muito diversificado de organismos, pouco relacionados entre si, a não ser pelo fato de possuírem clorofila a e liberarem oxigênio no processo de fotossíntese. Exatamente por isto desempenham um papel fundamental nos ecossistemas aquáticos como produtores primários, constituindo a base das cadeias alimentares em rios, lagos e oceanos.
Embora pertencendo a vários grupos taxonômicos, as algas podem ser grosseiramente separadas pelo tamanho em dois grandes grupos: as microalgas, invisíveis a olho nu, e as macroalgas com dimensões que variam de alguns milímetros a algumas dezenas de metros. Em ambos os grupos existem espécies de grande potencial econômico. No ambiente marinho as microalgas integram o chamado fitoplâncton e são responsáveis por boa parte da captação do gás carbônico e do oxigênio produzido no planeta.
Entretanto, do ponto de vista econômico não são usadas comercialmente, embora algumas espécies sejam cultivadas para alimentação de alevinos de peixes e de larvas de moluscos e crustáceos em programas de aquicultura. Por outro lado, algumas espécies de microalgas podem originar sérios problemas quando ocorrem explosões populacionais de espécies que produzem toxinas e causam envenenamento de animais marinhos e do próprio homem. Neste artigo focaremos nossa atenção nas macroalgas de maior valor econômico e que são utilizadas in natura pelo homem, ou como matéria prima para vários produtos. Em um próximo artigo analisaremos as espécies de maior potencial econômico e suas técnicas de maricultura.
As macroalgas marinhas vêm sendo utilizadas há milênios pelos povos orientais como parte importante de sua dieta alimentar. No entanto, além de seu uso como alimento, as algas têm sido utilizadas como complemento de rações, adubos sólidos ou líquidos, e fontes de produtos químicos diversos, dentre os quais se destacam certas mucilagens conhecidas como ficocolóides, ou colóides de algas. Estas últimas substâncias são classificadas em três grupos básicos em função de sua estrutura química e propriedades reológicas: os ágares (ágar-ágar) ou agaranas, as carragenanas e os alginatos.
O uso de algas na dieta dos povos ocidentais ainda é marginal e tratado mais como uma curiosidade. Na América do Sul o único país onde as algas são consumidas regularmente como alimento é o Chile, onde algumas espécies são encontradas à venda em feiras e mercados, se bem que também no Peru e em algumas ilhas do Caribe se registre alguns usos. Na América Latina, embora alguns países como a Argentina, México e Brasil mantenham há várias décadas atividades comerciais relacionadas com algas marinhas, é o Chile quem mais se destaca na comercialização de algas secas para exportação e na produção de ficocolóides. Dados recentes mostram que em 1995, o Chile exportou 37 000 toneladas de algas a um valor de 25 milhões de dólares, 480 toneladas de alginatos a três milhões de dólares, 13 000 toneladas de carragenanas a 9,8 milhões de dólares e 2 400 toneladas de ágar-ágar por 40 milhões de dólares, totalizando cerca de 78 milhões de dólares. É ilustrativo destacar que todo o ágar-ágar foi produzido de uma única espécie, Gracilaria chilensis, e que cerca de 90 % da produção foi oriunda de fazendas marinhas.
O Aproveitamento do Recurso
Alga As atividades de explotação de um recurso renovável, como é o caso das macroalgas marinhas, usualmente passa por um processo tradicional de desenvolvimento. Ela se inicia com a busca de matéria prima autóctone que pode suprir uma real demanda de mercado, cujo estudo deve preceder os investimentos. Um vez identificado, o recurso potencial deve ter sua distribuição mapeada e seus estoques naturais estimados. De posse destas informações, caso os estoques existam em quantidade que justifique uma atividade econômica, deve-se partir para uma segunda fase, a qual procurará estabelecer as estratégias que permitam uma explotação sustentada dos bancos naturais encontrados. Isto raramente é feito pelos empresários e a história da explotação de recursos naturais renováveis está cheia de exemplos em que o recurso é rapidamente explotado da forma mais lucrativa possível. Apenas quando os estoques atingem níveis em que o esforço de coleta torna demasiadamente cara a matéria prima e o recurso beira à extinção, ameaçando a interrupção da atividade comercial, é que se procuram medidas mitigadoras e se procura introduzir técnicas de manejo ou o desenvolvimento de tecnologia para seu cultivo.
A Utilização das Algas Marinhas no Brasil
O interesse do Brasil, bem como de outros países ocidentais sobre a explotação de algas marinhas começou durante a segunda guerra mundial, quando o Japão, que detinha o monopólio internacional da produção de ágar-ágar, deixou de exportar esta substância. Instalou-se, então, no final da década de 40 uma pequena indústria produtora de ágar no litoral norte de São Paulo, em São Sebastião. Esta indústria explotava os bancos naturais de uma Gelidiacea, Pterocladia capillacea, abundante na região, mas encerrou suas atividades alguns anos depois, aparentemente por exaustão dos bancos naturais. Foi só no final da década de 60 que uma outra companhia (CIALGAS) se instalou no país, em Taboão da Serra, SP, para produzir, inicialmente ágar-ágar e depois também carragenana. Esta indústria processava algas coletadas na costa nordeste do país, especialmente Ceará e Rio Grande do Norte, transportada por caminhões para São Paulo. Logo em seguida uma outra empresa – Agar do Brasil Ltda., se estabeleceu em Cabedelo, na Paraíba, processando a mesma matéria prima e obtendo os mesmos produtos.
Recentemente a CIALGAS fechou sua fábrica em São Paulo, com planos de reabri-la no Rio Grande do Norte, o que ainda não se efetivou. A Agar do Brasil Ltda. produz atualmente cerca de 60 toneladas de colóides de algas (ágar-ágar e carragenana) para uso em indústrias alimentícias, que abastecem parte do mercado nacional. Fora isso, existem ainda uma ou duas firmas que exportam algas secas, e uma pequena atividade comercial ligada a produção de algas para alimento, usos farmacêuticos, adubos e aquariofilia, mas que não têm uma expressão econômica significativa.A balança comercial é muito desfavorável para o Brasil, que depende da importação de vários produtos derivados de algas, inclusive de ágar-ágar.
Potencial do Brasil
Muito se fala da grande extensão e riqueza de nosso litoral marinho. No entanto, no que diz respeito a grandes bancos monoespecíficos de macroalagas de valor comercial nossas costas são relativamente pobres em comparação com regiões de águas temperadas e frias. Os estudos que vimos realizando no Laboratório de Algas Marinhas da Universidade de São Paulo têm mostrado que em função do tamanho da alga, sua distribuição e biomassa por área, são poucas as espécies que apresentam um real potencial econômico. Dentre as espécies produtoras de ágar-ágar destaca-se Pterocladia (ou Gelidium) capillacea com maior abundância na costa sudeste do país, e algumas espécies de Gracilaria, da costa nordeste. No grupo produtor de carragenanas a única espécie que nos parece ter interesse comercial é Hypnea musciformis, espécie de larga distribuição em todo o litoral brasileiro, com as melhores cepas e bancos mais significativos na costa nordeste.
Dentre as algas produtoras de alginatos destacam-se os bancos de Sargassum, de ampla distribuição, e os bancos de Laminaria, estes restritos a profundidades de 40 a 120 metros no litoral norte fluminense e capixaba. No que concerne à abundância de matéria prima, o recurso mais relevante é sem dúvida nenhuma os grandes depósitos de algas calcárias que se estendem do norte fluminense até o Ceará, estimado na ordem de trilhões de toneladas. Embora haja um grande interesse na explotação destes bancos, que produzem um calcário biológico com excelentes propriedades para usos agrícola e para rações, depende de um estudo de impacto ecológico, iniciado várias vezes, mas nunca concluído.