Desenvolvendo um plano alimentar
Autor Alberto J. P. Nunes, Ph.D.
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Desenvolvendo um plano alimentar
O problema central que envolve o uso de rações formuladas em operações de cultivo de camarão, é definir quando e quanto deste alimento deve ser aplicado. Nas operações de cultivo, as rações podem ser ministradas exclusivamente em bandejas de alimentação, as quais são imersas na água e inspecionadas após um certo período, permitindo estimativas do consumo alimentar da população cultivada. As taxas de alimentação podem também ser determinadas empiricamente, em função de estimativas de crescimento e sobrevivência dos camarões estocados e das taxas de conversão alimentar.
Estas práticas, quando não bem implementadas, ocasionalmente causam excessos na alimentação. Isto leva a perdas econômicas e acarreta problemas nos níveis de qualidade da água e do solo dos viveiros de produção, gerando problemas que vão de uma maior incidência de enfermidades, a baixas taxas de crescimento, sobrevivência e conversão alimentar dos camarões cultivados.
Os problemas associados com o uso inadequado de rações na carcinicultura, iniciam-se com a deposição de ração não consumida no fundo do viveiro. Este material estimula a multiplicação de fitoplâncton na água e a atividade bacteriana, que por sua vez aumenta as taxas de consumo de oxigênio. Com o incremento de material acumulado, derivado de ração não consumida, há uma maior demanda por oxigênio, o qual pode tornar-se limitante no meio. Em última instância, os processos de degradação de matéria orgânica e a absorção de nutrientes são interrompidos. Isto acarreta a eutrofização ou enriquecimento do ambiente de cultivo, causando poluição no viveiro e em áreas adjacentes a fazenda.
Os viveiros de camarões são sistemas dinâmicos, onde ocorrem diariamente uma multiplicidade de reações e interações. Adicionado a isto, a variabilidade no comportamento e hábito alimentar dos camarões peneídeos em viveiros é ainda pouco compreendida. No desenvolvimento de um plano alimentar, estes aspectos devem ser considerados, além de fatores, como a disponibilidade de alimento natural, os níveis de qualidade da água, a freqüência alimentar e os horários, os locais e os métodos de distribuição de ração. A otimização do uso dos alimentos, tanto o natural quanto o artificial, passa necessariamente pelo monitoramento e acompanhamento de cada um dos fatores do ciclo de produção.
Os Fatores que Afetam o Consumo
A atividade alimentar dos camarões peneídeos obedece a biorritmos, estes variando de acordo com cada espécie. O apetite é por sua vez regulado por vários fatores, incluindo parâmetros fisiológicos, como idade (tamanho), sexo, muda, doenças; fatores físicos e ambientais, como tipo de substrato, disponibilidade de alimento natural, temperatura e concentração de oxigênio na água; e, fatores com um componente temporal, como sazonalidade e hora do dia e noite. Os efeitos dos fatores mais significativos para alimentação dos peneídeos na fase de engorda, são discutidos nas seções seguintes.
O ALIMENTO NATURAL
As rações são utilizadas em cultivos semi-intensivos para aumentar a produção além dos níveis suportados pela produtividade natural do viveiro. Nestes sistemas a contribuição do alimento natural na dieta dos camarões é bastante significativa, podendo alcançar até 85% (Nunes et al. 1997). Em viveiros de engorda que operam com produtividades abaixo de 1,0 ton/ha/ciclo, as rações satisfazem entre 23% e 47% dos requerimentos nutricionais do Penaeus vannamei, sendo o restante suprido pelo alimento natural (Anderson et al. 1987).
Em sistemas mais intensivos, a contribuição do alimento natural diminui, mas ainda é considerada significativa (> 25%). Na prática, quanto mais intensivo for o sistema, menor será a contribuição do alimento natural para o crescimento do animal, e assim maiores serão as quantidades de ração necessárias para produzir um kg de camarão.
Na carcinicultura, a calagem, a fertilização da água e a implementação de práticas para incrementar a produtividade natural são tão importantes quanto o uso de uma ração nutricionalmente completa e bem balanceada. Estratégias como a montagem de telas no viveiro para fixação de organismos é um método simples que traz bons resultados. A técnica consiste na montagem de telas, feitas de sacos velhos de ração, abertas em toda sua extremidade, instaladas no viveiro por meio de estacas de madeira. As telas devem ser estrategicamente posicionadas no viveiro em toda sua extensão, de forma que não comprometa a circulação d’água. Deve ser também observado a direção predominante do vento, para evitar a retenção de material orgânico, o qual é depositado nos taludes.
O tratamento do solo deve ser iniciado logo após a despesca, com a secagem natural do viveiro por um período mínimo de 7 a 10 dias. O ponto ideal de secagem ocorre quando for possível caminhar sobre o viveiro. O solo deve ser revolvido com pás ou tratores para permitir a aeração, secagem e posterior fixação de algas bentônicas, benéficas ao cultivo. A calagem, que serve para neutralizar a acidez da água e do solo, favorecendo a mineralização, é realizada com a aplicação de cal virgem ou calcário em solos ácidos (pH do solo 6,5), antes e depois do revolvimento do viveiro (razão de 1:1; Fig.1).
A fertilização deve ser iniciada simultaneamente ao abastecimento do viveiro, porém antes do povoamento. Devem ser aplicados fertilizantes inorgânicos, como uréia, SPT (superfosfato triplo), ou ainda MAP (fosfato monoamônia). A uréia pode ser utilizada a razão de 3‰ (partes por mil) e o MAP a razão de 0,3‰, aplicados em 2 dosagens, em intervalos de 3 dias (Rocha e Maia 1998). Um programade fertilização a base de uréia e SPT é apresentado na tabela 1. Em águas com baixas concentrações de sílica convém aplicar silicato de sódio (750 cm3/ha), a fim de estimular o crescimento de diatomáceas.
Pelo fato dos viveiros serem sistemas dinâmicos, apresentando variações ecológicas significativas, os cultivadores devem planejar métodos para monitorar a disponibilidade do alimento natural. Isto permite ajustar as taxas de alimentação individualmente para cada viveiro, de acordo com suas características físicas, químicas e ecológicas. Poliquetas e (ou) a contagem de algas (Tabela 2) são geralmente utilizados como indicadores da produtividade natural. Em geral, a disponibilidade de presas como poliquetas, anfípodos e copépodos é maior nas fases iniciais da engorda, decrescendo gradativamente na medida em que a biomassa cultivada e o comportamento predador da população de camarões aumentam. Por outro lado, nos estágios intermediário e final do cultivo as taxas de alimentação são suficientemente elevadas para suportar a densidade e promover o crescimento de microalgas, como diatomáceas e clorofícias.
A QUALIDADE DA ÁGUA
A distribuição de camarões em viveiros é influenciada por vários elementos de qualidade da água. Ao meio-dia, quando a temperatura da água é mais elevada, os camarões migram para regiões mais profundas do viveiro, onde se observam temperaturas mais baixas. Os camarões evitam áreas onde os níveis de oxigênio dissolvido (OD; Fig. 2) são baixos ou onde existe um acúmulo de amônia ou sulfato de hidrogênio (H2S). A distribuição de ração nestas áreas deve ser evitada. Deve-se tomar providências para melhorar a circulação da água no viveiro, a fim de prevenir o acúmulo localizado de sedimento com o decorrer do cultivo.
Normalmente o consumo alimentar dos camarões aumenta de forma proporcional aos incrementos de temperatura e OD, observados ao longo do dia. Portanto, uma atividade alimentar mais acentuada ocorre no final da tarde, quando os níveis destes parâmetros alcançam valores mais elevados (Nunes 1998; Fig. 3).
Em dias muito nublados o consumo de ração pode também cair, mesmo quando temperaturas elevadas (28ºC a 29ºC) são detectadas. Isto ocorre devido as baixas taxas fotossintéticas, gerando concentrações elevadas de dióxido de carbono (CO2) e amônia na água, como também níveis de OD abaixo do normal.
É importante que os principais parâmetros de qualidade da água sejam monitorados (Tabela 3), a fim de que as taxas de alimentação possam ser ajustadas com base nestas variáveis (Tabela 4).
A QUALIDADE DA RAÇÃO
Os processos iniciais da alimentação dos camarões peneídeos são a detecção, a seleção e a ingestão do alimento. Estes fatores afetam diretamente o consumo alimentar e estão associados a qualidade e ao balanço nutricional da ração. Os crustáceos de uma forma geral utilizam sinais químicos ou substâncias liberadas na água, para se orientar em direção ao alimento. Quimioatratores ou estimulantes químicos adicionados as rações tem a capacidade de reduzir o tempo de localização do alimento, resultando em uma menor lixiviação de nutrientes e em maiores taxas de ingestão alimentar. Estas substâncias são encontradas em extratos e farinhas produzidas de peixe, moluscos ou crustáceos (e.g., farinha e solúveis de peixe, farinha e óleo de lula, farinha da cabeça de camarões, etc). Por outro lado, os lipídeos de origem marinha presentes na farinha de peixe podem ser susceptíveis a oxidação, especialmente se nenhum anti-oxidante tenha sido adicionado a ração durante sua manufatura. Isto pode levar a rancidez do produto e funcionar como um supressor da ingestão.
As taxas de ingestão alimentar dos peneídeos são também reguladas pelo seus requerimentos de energia. Quando as reservas energéticas aumentam, a capacidade máxima de armazenamento da glândula digestiva é atingida e o consumo alimentar é interrompido. Os camarões podem utilizar tanto proteínas, como carboidratos ou lipídeos para obter a energia necessária para seus processos fisiológicos.
Entretanto, ao contrário dos carboidratos, as proteínas são um dos componentes mais caros de uma ração. Na formulação de uma dieta nutricionalmente completa e de menor custo, o objetivo principal é utilizar os carboidratos como a principal fonte de energia, direcionando as proteínas para a formação de novos tecidos do animal.
O problema ocorre quando o percentual de carboidrato na ração ultrapassa os níveis recomendados. Um alimento formulado com uma relação proteína:energia muito baixa, pode reduzir as taxas de alimentação do animal e os níveis de digestibilidade do alimento. Da mesma forma, rações com níveis elevados de proteína, mas com baixos teores energéticos, resultam em um crescimento e conversão alimentar reduzidos. Neste caso, grande parte da fonte protéica contida na ração é direcionada para suprir as necessidades de energia. Portanto, uma ração poderá conter concentrações elevadas de proteína, mas ser pouco aproveitada no crescimento do animal. Os aspectos citados acima devem ser considerados durante a avaliação do valor comercial de uma ração para camarões.
O TAMANHO DO CAMARÃO
Em praticamente todos os animais aquáticos o consumo relativo de alimento (% do peso vivo) decresce com aumentos no peso corporal. Nos camarões peneídeos as taxas de crescimento, a conversão alimentar, a eficiência digestiva e os requerimentos nutricionais (Tabela 5), diminuem com incrementos no peso corporal (Dall et al. 1990; Akiyama et al. 1992; Lawrence e Lee 1997).
Camarões da espécie Penaeus vannamei com 0,1g, 0,5g e 5,0g, por exemplo, requer aproximadamente 120ppm (partes por mil), 60ppm e 0ppm de vitamina C, respectivamente (Castille e Lawrence 1996). O P. brasiliensis com 0,9g requer 10% a mais de proteína do que um indivíduo com 7,9g (Liao et al. 1986; Tabela 5).
Em termos quantitativos, os camarões nos estágios iniciais da engorda conseguem consumir mais alimento relativo ao seu peso corporal (Fig. 4). A quantidade consumida varia conforme a espécie e o tipo de alimento fornecido. O camarão P. merguiensis entre 0,5g e 1,3g, alimentado com ração peletizada consegue consumir até 12% do seu peso corporal por dia (Sedgwick 1979). Adultos do P. esculentus, entre 15,5g a 25,2g, ingerem diariamente de 0,2% a 0,6% do seu peso (Hill e Wassenberg 1992).
A diminuição na quantidade consumida de alimento está associada a fatores fisiológicos. A redução no consumo é provavelmente compensada por alterações na qualidade nutricional da dieta. Alguns peneídeos por exemplo, abandonam nos estágios intermediário e final do cultivo, uma dieta composta por plantas e detritos, por uma fonte de alimentos rica em proteína, constituída essencialmente de presas (Nunes et al. 1997).
Na prática, aumentos no peso do camarão devem ser compensados com menores taxas diárias de alimentação. Em contrapartida, mesmo com a mortalidade, a biomassa estocada eleva-se com a evolução do ciclo, e assim as refeições ministradas devem ser maiores. Geralmente, nas primeiras 4 semanas de cultivo os camarões consomem apenas cerca de 5% a 10% do total de ração utilizada durante todo ciclo. Neste período, pelo fato dos camarões serem muito pequenos e dispersos por todo viveiro, as taxas de alimentação devem ser fixadas em níveis constantes. A compilação de 8 tabelas de alimentação utilizadas no cultivo semi-intensivo do Penaeus vannamei (Jory 1995) revela taxas diárias de arraçoamento variando de 9,7% (camarões de 1g a 4g), 5,1% (camarões de 5g a 6g), 3,8% (camarões de 7g a 9g) a 3,1% (camarões de 10g a 12g) do peso médio corporal da população estocada.
Se considerarmos um viveiro de 5 ha, povoado com camarões de 1,0g a uma densidade de 25 camarões/m2 (população de 1.250.000 camarões), teremos uma biomassa estocada de 1.250kg (5 ha x 25 camarões/m2 x 1,0g). Na fase final de cultivo, com camarões de 12,0g, e considerando uma sobrevivência estimada em 62% (população de 775.000 camarões), teremos uma biomassa de 9.300kg (775.000 camarões x 12g). Se seguirmos o programa de alimentação proposto acima, teremos que distribuir 121kg de ração na fase inicial (9,7% de 1.250kg) e 288kg no estágio final da engorda (3,1% de 9.300kg).
A muda é um processo no qual os camarões perdem a carapaça velha (exoesqueleto), formando um novo exoesqueleto para permitir a expansão corporal. O novo exoesqueleto possui uma formação delicada que endurece rapidamente.
Os camarões mudam de forma periódica durante toda sua fase de crescimento, em intervalos de dias ou semanas. A muda é um período de estresse para o animal, em que o apetite é nulo e os padrões normais de alimentação são interrompidos.
Em viveiros, o impacto da muda nas taxas de alimentação depende do nível de ocorrência deste processo na população cultivada. Geralmente, leva-se de 2 a 5 dias antes e durante o processo de muda para os camarões retornarem a sua atividade alimentar normal. Caso exista um percentual significativo da população mudando simultaneamente, os níveis de arraçoamento devem ser ajustados. Geralmente a alimentação é reduzida durante este período, retornando gradativamente aos níveis normais de alimentação. A muda em massa pode ser induzida por mudanças bruscas de temperatura ou por fluxos elevados de água. Em viveiros, a freqüência da atividade de muda está relacionada com as taxas de crescimento, mas geralmente podem ocorrer uma vez a cada 2 semanas (Tabela 6).
A Freqüência Alimentar
É amplamente reconhecido que diversos arraçoamentos ao longo do dia promovem um ganho de peso mais rápido e mais eficiente em camarões peneídeos (Sedgwick 1979; Robertson et al. 1993). Uma maior freqüência alimentar também reduz a dissolução de nutrientes da ração, e melhora os índices de conversão alimentar (Villalón 1991).
A freqüência de arraçoamento é particularmente importante para reduzir os efeitos da lixiviação de nutrientes no ambiente de cultivo. Embora restos de ração sirvam de alimento para a fauna bentônica e outros organismos do viveiro, os riscos com a eutrofização e a poluição do ambiente aumentam substancialmente.
As rações formuladas começam a perder suas características físicas e químicas logo após a imersão na água (Tabela 7). Intervalos de arraçoamento muito prolongados podem comprometer a atratibilidade, a palatibilidade e a estabilidade da ração, forçando o animal a procurar alimento natural. Este pode tornar-se escasso sob altas densidades de estocagem ou nos estágios finais do cultivo. Os arraçoamentos múltiplos ajudam a manter as características nutricionais e a integridade física da ração, além de uma melhor disponibilidade de alimento natural ao longo do ciclo .
Pelo fato dos camarões peneídeos possuírem um pequeno estômago [volume de 2% a 5% do peso corporal (PC)], a quantidade de alimento consumido durante uma refeição é também pequena (2,3% do PC/h com alimento no estômago ou 4,9% PC/h com o estômago vazio; Nunes e Parsons 2000a). Assim, para este animais obterem a quantidade de alimento necessária para seu crescimento e manutenção, eles são obrigados a consumir várias refeições ao longo do dia. Algumas espécies podem se alimentar até 6 vezes em uma única noite (Hill e Wassenberg 1987).
Em viveiros o consumo alimentar é maximizado ofertando a mesma quantidade de ração em refeições múltiplas. Na prática, em sistemas semi-intensivos, a ração deve ser ministrada pelo menos de 3 a 4 vezes ao dia. Sob condições mais intensivas, onde a biomassa estocada é mais elevada, recomenda-se uma maior freqüência de arraçoamento (4 a 6 vezes ao dia). Isto possibilita uma distribuição mais homogênea de alimento entre a população cultivada, reduzindo as distorções de ganho de peso corporal dos camarões durante o ciclo de engorda.
Os Horários de Alimentação
É comum associar a atividade alimentar dos camarões com o hábito de algumas espécies se enterrarem no substrato durante o dia e emergirem no período noturno. Na verdade, nem todas as espécies de peneídeos apresentam este padrão de enterramento (Tabela 8). Alguns peneídeos são noturnos, mas emergem ocasionalmente durante o dia, enquanto outros raramente se enterram. Independente do comportamento de enterramento, em viveiros, o alimento pode ser encontrado no estômago dos camarões praticamente a qualquer hora do dia e noite (Wassenberg e Hill 1987; McTigue e Feller 1989; Reymond e Lagardère 1990; Nunes et al. 1996).
O ritmo alimentar dos peneídeos é bastante irregular, pois responde às variações de fatores externos e endógenos. O fornecimento de ração, por exemplo, pode induzir camarões a emergir do substrato e iniciar o consumo alimentar. Em algumas espécies, picos de alimentação já foram observados em viveiros no final da tarde e durante a noite (Reymond e Lagardère 1990; Nunes et al. 1996). Este comportamento contudo, pode estar mais associado com os níveis mais favoráveis de qualidade da água e alimento natural neste período, do que propriamente com a ausência de luz ou hábito de enterramento da espécie. Alguns autores correlacionaram um maior consumo alimentar no final da tarde com o pico de atividade das enzimas digestivas do camarão (Cuzon et al. 1982).
Em fazendas de cultivo, aspectos como os turnos diurnos de trabalho dos funcionários e a pouca visibilidade durante a noite, agravam a viabilidade do uso de programas noturnos de arraçoamento. Durante o dia, o principal fator a ser considerado na definição do horário de alimentação são os níveis de qualidade da água, particularmente a temperatura e as concentrações de oxigênio dissolvido. Na prática, um maior percentual da refeição diária deve ser ministrada em horários da tarde em relação aos horários da manhã, quando é observado um consumo alimentar mais elevado (Fig. 5).
Os Locais de Distribuição
Os locais de distribuição de ração devem ser definidos conforme as características topográficas e químicas do viveiro, além dos padrões de distribuição espacial dos camarões durante seu estágio de desenvolvimento. Na maior parte das espécies, os juvenis nas fases iniciais de cultivo preferem se alimentar em águas mais rasas ao longo dos taludes do viveiro. Com a continuação do seu crescimento, dos estágios finais de juvenil até o estágio adulto, os camarões alimentam-se livremente no fundo de todo viveiro. Durante o dia os camarões podem evitar adentrar áreas muito rasas, visando precaver-se contra predadores. A presença de camarões nestas regiões pode ser verificada com uma rede de tarrafa.
Os camarões são mais vagarosos do que os peixes e também não se agregam da mesma forma que peixes cultivados, em resposta a presença de ração. Isto requer uma distribuição de ração cuidadosa e uniforme para evitar perdas, mesmo que ofertada em bandejas. Apesar de não se conhecer ao certo os padrões de distribuição espacial dos camarões em viveiros, observações indicam que eles apresentam um hábito de dispersão. Os peneídeos não são territorialistas (Dall et al. 1990), mas geralmente evitam um contato prolongado com outros indivíduos, enterrando-se ou nadando para trás de forma evasiva. Os camarões entretanto, podem freqüentemente agregar-se em áreas onde há turbulência promovida pela ação dos ventos ou com um alto fluxo de água, como em áreas próximas as comportas.
Para os estágios iniciais de juvenil, o arraçoamento torna-se mais eficaz se a ração for ministrada próxima aos taludes. Para os estágios mais avançados de crescimento a ração deve ser ofertada em toda a área do viveiro. Portanto, a forma mais eficiente de distribuição de ração, seja esta feita por bandejas ou voleio, é aquela que permite uma oferta uniforme do produto em toda área de cultivo, evitando assim perdas e competição alimentar entre a população de camarões. Deve-se entretanto, eliminar a oferta de ração em regiões do viveiro onde há muito acúmulo de lama, como nos canais internos do viveiro. Nestas áreas, pode ocorrer a formação de compostos ácidos sulfatados, como o sulfato de hidrogênio (H2S). Estes solos geralmente apresentam características anaeróbicas e os camarões costumam evita-los. Caso necessário, aeradores podem ser direcionados para estas regiões, remanejando de forma simultânea a alimentação para outras áreas. Áreas muito rasas com temperatura elevada podem também afastar os camarões do local de alimentação. Recomendações sobre o espaçamento de bandejas em viveiros e as trajetórias de alimentação por lanço são apresentadas nas seções seguintes.
OS MÉTODOS DO ARRAÇOAMENTO
Bandejas de Alimentação
Em países da América do Sul e Central, cada vez mais os cultivadores estão passando a utilizar bandejas de alimentação (ou comedouros) como método exclusivo para a oferta de ração em viveiros. Esta prática é mais laboriosa quando comparada com a distribuição por voleio, normalmente requerendo até um arraçoador para cobrir cada 6 ha de área cultivada por dia. O uso de bandejas entretanto, é justificável pois permite observações diretas do grau de apetite dos camarões. Isto pode levar a uma redução significativa nos desperdícios de ração, melhorando os índices de conversão alimentar e os níveis de qualidade da água e do solo de viveiros de engorda.
As bandejas podem ser fabricadas da virola de pneus, parte central do pneu constituída de aço e borracha, na base da qual é fixada uma tela de náilon com uma abertura de 1,3 mm. O número de bandejas introduzidas em cada viveiro deve ser proporcional a densidade de camarões utilizada e ao ganho de biomassa que ocorre durante a engorda. Em sistemas semi-intensivos, cada comedouro possui uma área de influência entre 300m2 e 400m2. Portanto nestas condições, as bandejas devem ser alocadas no fundo do viveiro a uma densidade de 25 a 30 unidades/ha, ancoradas em varas ao longo de toda extensão da área de cultivo. As bandejas devem ser posicionadas a uma distância de 20m uma da outra e afastadas de 5m a 10m dos taludes.
Nas primeiras duas semanas de engorda, a ração deve ser distribuída por voleio próximo aos taludes e uma pequena quantidade concentrada em bandejas localizadas no perímetro do viveiro. Durante este estágio, recomenda-se o uso de 20 bandejas/ha. A partir da 2° semana, deve ser iniciada a distribuição de ração em todos os comedouros.
A ração deve ser distribuída e monitorada nas bandejas por meio de caiaques, movidos a remo. Estes devem ser equipados com um container para possibilitar a coleta simultânea do alimento não consumido. Para medir rapidamente a quantidade de ração a ser administrada em cada bandeja são utilizados vasilhames plásticos de 50g, 100g, 150g, 200g e 250g.
O alimento deve ser distribuído 3 vezes/dia, sendo preferivelmente, 10% a 20% da refeição diária total no inicio da manhã, 30% ao meio-dia e 50% no final da tarde, ou conforme o consumo observado. Toda ração não consumida deve ser coletada e devidamente descartada, principalmente se os intervalos de alimentação excederem 4 h. Após este período a estabilidade, a palatabilidade e as propriedades nutricionais da ração já diminuíram de forma significativa. Restos de ração na água podem também deteriorar-se rapidamente, mantendo os camarões afastados dos locais de alimentação. É importante lavar e escovar as bandejas freqüentemente para evitar o acúmulo de material orgânico.
Após o término de cada ciclo de cultivo, as bandejas devem ser alocadas para outras áreas do viveiro, a fim de permitir a recuperação do solo nos locais onde estas eram previamente posicionadas (Fig. 6). Nestas regiões, deve ser aplicado calcário ou cal hidratada, logo após a despesca e a secagem do viveiro.
Lanço ou Voleio
Tradicionalmente, na carcinicultura marinha as rações são ministradas por meio de lanços manuais ou mecânicos, realizados de pequenos barcos, ou ainda de veículos que pecorrem os diques ou os taludes do viveiro. Entretanto, ao contrário do cultivo de peixes, em que a presença de ração sobre a superfície da água permite observar o apetite dos animais, na carcinicultura, o comportamento bentônico dos camarões e a pouca visibilidade da água impõe limitações a aplicação desta prática.
A grande vantagem do voleio sobre o arraçoamento exclusivo em bandejas é a distribuição mais homogênea de alimento sobre toda área de cultivo. Isto permite um maior acesso individual dos camarões ao alimento ofertado, reduzindo a competição alimentar e aumentando o consumo de ração (Nunes e Parsons 1999). Em comparação, a concentração de ração unicamente em bandejas limita o número de camarões que tem acesso simultâneo ao alimento, o que pode diminuir a eficiência alimentar.
A distribuição uniforme de ração é portanto, a principal recomendação a ser seguida durante o voleio. Em áreas de cultivo muito extensas podem ser utilizados sopradores de alta pressão fixados em barcos ou veículos terrestres, a fim de dispersar o alimento de forma mais rápida e mais eficiente. Neste caso, o equipamento mecânico utilizado deve ser adequado a resistência física dos peletes para evitar a desintegração da ração durante o procedimento de arraçoamento.
No voleio da ração, atenção especial deve ser dedicada a direção predominante dos ventos. A ração sempre deve ser ofertada a favor dos ventos, de forma a minimizar perdas. Nos três primeiros dias inicias da engorda, deve-se priorizar a distribuição do alimento na área do viveiro em que os camarões foram liberados (Fig.7).
Durante este período os animais podem ficar confinados em uma única área, até sua aclimatação e posterior dispersão no novo ambiente de cultivo. Do 4º ao 30º dia da engorda, o alimento deve ser distribuído a uma distância de 5m a 7m dos taludes, compreendendo todos os lados do viveiro (Fig. 3.7). Do 31º dia de cultivo em diante, devem ser seguidas trajetórias em zigue-zague, paralelas e perpendiculares aos maiores lados do viveiro. Neste caso, estas trajetórias podem ser alternadas entre dias e horários, conforme apresentado na Fig. 8.
Devido a sua extensão este artigo foi dividido em três edições consecutivas, são elas:
Edição 63: Desenvolvendo um Plano Alimentar – Os fatores que afetam o consumo: o alimento natural; a qualidade da água; a qualidade da ração; o tamanho do camarão; a atividade de muda. – A freqüência alimentar – Os horários de alimentação – Os locais de distribuição – Os métodos de arraçoamento: bandejas de alimentação; lanço ou voleio.