Fernando Kubitza, Ph. D. Engenheiro Agrônomo
Diretor Geral – ACQUA & IMAGEM
Tel/fax: (79) 322-1266 e-mail: [email protected]
Um longo caminho até a China – Aracaju ficou para trás às 7 da manhã do dia 16 de abril. Depois da troca de avião em Salvador, e um pouso tranqüilo e bem aplaudido às 11 da manhã em São Paulo, ainda havia muito tempo para comprar lembranças típicas do Brasil para os futuros amigos que esperava fazer na China. No final do dia, já embarcava em um vôo de 12 horas para Paris. No aeroporto da capital francesa, 4 horas de espera e o encontro com o amigo Jomar (editor desta revista, que durante a viagem se revelaria um grande poliglota). Reunidos, partimos para mais 9 horas de vôo, com destino à Pequim, onde chegamos às 8 da manhã do dia 18. Ao todo 49 horas em trânsito. Do aeroporto, ainda sem qualquer domínio de palavra em chinês, amontoamos malas e corpos em um táxi sem direção (nem GPS), rumo a um hotel no centro de Pequim. Um passeio de táxi na China é como uma roleta russa: tudo pode acontecer. Fechadas, costuradas, freadas inacreditáveis, buzinaços (pois sem buzina não se dirige na China), atropelamentos de pedestres e bicicletas, colisões traseiras, laterais, frontais e até mesmo dorsais. Os 50 minutos previstos para o percurso, se tornaram 2 horas de fortes emoções para o desavisado companheiro Jomar que foi na frente, tentando até algumas palavras em esperanto para orientar o motorista. Atrasos à parte, e ainda no lucro e já instalados, estávamos prontos para a primeira visita. No telefone, o Dr. Zhu Hua, engenheiro do Instituto de Pesquisa Pesqueira de Pequim, já espantado com tamanha ansiedade e disposição de nossa parte em visitar o Instituto, após 49 horas de viagem e mais um fuso horário de 11. Afinal, em nossa primeira viagem à China, tempo era algo que não queríamos perder. E o truque para driblar o fuso-horário funcionou.
O Instituto de Pesquisa Pesqueira de Pequim (BFRI) e o High Tech Park for Modern Fisheries (HTP) – Almoço diferente no estômago, e mais duas horas de carro e engarrafamento, enfim chegamos ao BFRI (sigla em inglês do Instituto), onde conhecemos o High Tech Park for Modern Fisheries, um moderno centro tecnológico para aqüicultura. O HTP é mantido com recursos do município, do estado e de uma comissão de ciência e tecnologia de Pequim. Com uma área de 34 hectares, o HTP conta com uma ampla estrutura de estufas climatizadas, galpões, tanques e viveiros. Seis empresas privadas possuem concessão para o uso das instalações do HTP. Estas pagam um aluguel anual pelo uso das instalações, o que auxilia na manutenção da infraestrutura e possibilita a continuidade dos programas de desenvolvimento tecnológico. As empresas integradas ao HTP se dedicam a atividades diversas, como a produção de alevinos de esturjão; a produção de peixes comerciais marinhos (perca, a garoupa e o linguado) e a produção de plantas e peixes ornamentais (gold fish e carpa koi “nishikgoi). A tilápia e alguns peixes de alto valor comercial, como o mandarim e o largemouth bass também são produzidos. Algumas empresas ainda desenvolvem rações para aqüicultura, prestam serviços de diagnósticos ictiopatológico, desenvolvem vacinas e avaliam a qualidade dos produtos de pescado, dentre outras atividades. Imediatamente já visualizei algo semelhante entre empresas privadas e as diversas estações de piscicultura e centros de pesquisas federais e estaduais no Brasil. Seria uma grande solução para o freqüente problema de falta de recursos financeiros e humanos para a manutenção das instalações e para a realização de pesquisas em alguns dos nossos centros de desenvolvimento de tecnologia em aqüicultura. Além do que aproximaria a indústria e a comunidade científica. No HTP, a equipe do Dr. Su Jiang Tong (diretor do BFRI, que infelizmente não conhecemos pessoalmente, pois havia coincidentemente viajado para o Brasil) nos mostrou uma instalação moderna para a reprodução, larvicultura e produção de alevinos de esturjão
(foto acima), dirigido pelo Dr. Zhu Hua. O Instituto Reideer para o esturjão possui capacidade para a produção anual de 5 milhões de alevinos e de 50 toneladas/ano de esturjão de 1kg. Fotografias tiradas e dúvidas esclarecidas (apesar de uma certa dificuldade de comunicação) fomos presenteados com o primeiro jantar típico na China (foto abaixo),
com mesa que gira e direito a “chop sticks”, os famosos pauzinhos. Esse primeiro jantar nos ensinou a não ir com muita sede ao pote, sem antes experimentar uma pequena pitada de cada prato. A culinária baiana é refresco, comparada ao tempero apimentado da China. O chá de jasmim foi o ponto alto do jantar, pois salvou a pátria dos desavisados cheios de pimenta na boca.
O Instituto de Pesquisa Pesqueira de Xangai (SFRI) – Recuperados da pimenta e após uma boa noite de sono (finalmente), encaramos novamente o táxi para o aeroporto e mais duas horas de vôo de Pequim até Xangai. Enquanto o avião se preparava para aterrissar, vimos um grande número de viveiros espalhados pelos arredores de Xangai. E nós sequer estávamos nas grandes áreas aquícolas da China (nas províncias de Guangdong, Guanshi, Hunan, Hubei, Zhejiang e Jiangsu, localizadas mais ao sul). A chegada ao aeroporto de Xangai teve menos surpresa, pois lá nos aguardavam o Dr. Chao Zhen Ming, vice-diretor do SFRI (sigla em inglês do Instituto de Xangai), sua assistente de pesquisa, a Dra. Huang Wei, e o técnico Yin Jun. Partimos com destino à fazenda do SFRI, onde existe uma estação de produção de alevinos e de pós-larvas de camarão gigante da malásia. Na fazenda do SRFI também foi implantado, há dois anos, o Projeto Land Base Fish Farming, que consiste em uma unidade de última geração de cultivo de peixes com recirculação e tratamento de água e efluentes. O Land Base Fish Farming tem 24 tanques de 15 m3
(foto acima) cada qual com sua unidade de filtros, biofiltros e bombas para o tratamento e a recirculação da água (foto abaixo).
O tratamento de água individualizado para cada tanque diminui o risco de propagação de doenças entre diferentes tanques e permite o ajuste da temperatura e da salinidade para o cultivo de diversas espécies marinhas e de água doce na mesma unidade. Observamos tanques com o barramundi (Lates calcarifer), o bagre do canal, a tilápia vermelha, a truta e o camarão gigante da malásia. Segundo os técnicos que operam o sistema, o uso de água por quilo de peixe produzido é de apenas 5% do volume usado em cultivos tradicionais em viveiros. Apenas 1% da água do sistema é reposta diariamente. A biomassa final de peixes gira entre 25 e 50kg/m3. A unidade é monitorada continuamente por um sistema computadorizado (foto abaixo)
que registra informações instantâneas sobre os valores de oxigênio, temperatura, pH e amônia em cada um dos tanques, além de permitir visualizar o comportamento dos peixes com o auxílio de câmeras subaquáticas instaladas em cada um dos tanques. Muito high tech, porém com um custo de implantação muito alto (cerca de R$ 2,2 milhões reais para a unidade acima descrita). O sistema é viável para a produção de peixes com valor de venda ao redor de RMB 40/kg (o que equivale a cerca de R$13,00/kg). Durante o caminho de ida e volta à fazenda do SRFI, pudemos observar às margens da rodovia uma grande quantidade de pequenos viveiros, quase que em todas as propriedades e, esporadicamente, uma ou outra piscicultura de maior porte. Também foi possível visualizar cercados (“pens” ou “currais para peixes”) e armadilhas em áreas de represas. Tabuleiros de arroz também fazem parte integrante da paisagem. Após o nosso dia de visita, fomos novamente recompensados com um grandioso jantar, onde provamos a cerveja chinesa Shingtao que, mesmo quente, agradou o paladar brasileiro. No restaurante, tubarões, esturjões, moréias, bagre do canal, largemouth bass, carpa colorida, lagostas, dentre muitas opções de pescado vivo mantidos em aquários, para a escolha dos felizardos clientes.
O passeio por Xangai e o aquário de Pudong – Mais uma noite e o fuso horário já ajustado (meu amigo Jomar já parecia dominar cerca de 60% do idioma local e agora ele já era capaz de dizer “olá” quase sem sotaque, o que não ajudava muito nas traduções). O terceiro dia, um sábado, foi reservado para um passeio sob uma persistente chuva pelas ruas de Xangai que, ao lado de Pequim, nos revelou uma China moderna, cheia de arranha-céus. Os jovens chineses das grandes cidades estão bastante ocidentalizados na maneira de vestir. Na última década a China vem passando por um grande revolução econômica e cultural. Muitos com quem conversamos arriscam a dizer que a China será a maior potência econômica nos próximos 10 anos. Recomendado pelo Dr. Chao, visitamos Pudong, um bairro futurista de Xangai, separado do centro da cidade pelo Rio Yang Tsé. Chegamos em Pudong por um túnel futurista sob o rio. E Pudong parece mesmo estar alguns séculos adiante no tempo. A grande surpresa foi encontrar o Shanghai Ocean Aquarium. Entramos sem piscar. Surpresa maior: um grande display com peixes amazônicos, com passarela sob um túnel de vidro e tudo o mais. Cacharas, pirarucus, aruanãs, tucunarés e piranhas, dentre muitos peixes da terrinha, nadando sobre nossas cabeças. Já visitei os aquários do Tennessee, o de Nova Orleans, os do Sea World e o de Barcelona. Todos estes aquários exibem peixes amazônicos. No Brasil não temos nada parecido. Vendo estes peixes no aquário de Xangai, pensei se os chineses já não estariam produzindo em larga escala o cachara e o pirarucu. Afinal, acredita-se que a China produza hoje mais pacu e pirapitinga do que o próprio Brasil. No simpósio World Aquaculture 2002 conhecemos o Professor Ye Jin Yun, diretor do Instituto de Aqüicultura de Zhejiang, e que freqüentemente tem vindo ao Brasil, onde a Província de Zhejiang mantém uma relação de irmandade com o estado do Paraná. O professor Ye nos disse ter levado para a China exemplares de pacu, de dourado e de curimbatá com o intuito de ter mais opções de peixes para os aqüicultores chineses. Os chineses criam peixes de todas as partes de mundo. Experimentam criar de tudo e observam em quais regiões estas novas espécies melhor se adaptam e como elas devem ser reproduzidas e cultivadas. Parece não haver maiores restrições na introdução de peixe exóticos na China. Com todo este material genético disponível, o país poderá escolher as melhores espécies disponíveis no mundo, e produzir peixes para suprir a demanda de sua crescente população, bem como para abastecer diversos países.
O retorno à Pequim para o World Aquaculture 2002 – Infelizmente, nossa visita à província de Zhejiang, uma das principais regiões aqüícolas no sul da China, não se concretizou. Assim, retornamos à Pequim, para o início do WA 2002. No simpósio, a presença brasileira foi marcante. Mais de 40 brasileiros se fizeram presentes. Produtores de camarão do nordeste, técnicos, empresários, pesquisadores, estudantes, dentre outros. Assuntos diversos foram discutidos na forma de palestras, workshops, apresentações orais de trabalhos científicos e a exposição de painéis. O Brasil contribuiu com trabalhos sobre a nutrição, fisiologia e estratégias de cultivo de peixes nacionais como o pintado, o pacu, o tambaqui, o pirarucu e o matrinxã, merecendo destaque a expressiva contribuição do CAUNESP e do INPA, dentre outros centros de pesquisa e universidades brasileiras. Também foram apresentados trabalhos sobre policultivos e cultivos consorciados na região de Santa Catarina; estratégias usadas no cultivo de camarões marinhos no nordeste, dentre outros assuntos. O simpósio abrangeu temas diversos, como a aqüicultura como instrumento para aliviar a pobreza e a má nutrição em países subdesenvolvidos; a nutrição e a alimentação de peixes e camarões; os sistemas de cultivo; sanidade em organismos aquáticos, com ênfase ao desenvolvimento de vacinas e à avaliação de imunoestimulantes em peixes e camarões. Também foram realizadas seções sobre genética e biotecnologia; cultivo, nutrição, manejo e fisiologia de peixes ornamentais; um workshop sobre sistemas de recirculação; produção de sementes (pós-larvas e alevinos) de diversas espécies; maricultura, com ênfase na reprodução, larvicultura e nutrição de diversas espécies de peixes marinhos, bem como na engenharia das unidades de produção em áreas costeiras; e naturalmente, diversas seções sobre camarão marinho. Creio que os interessados poderão comprar cópias dos Anais do WA/2002 (que em nada deve ao catálago telefônico de São Paulo) consultando o site www.was.com.
A impressão que ficou sobre a aqüicultura da China – Com uma aqüicultura de mais de 2.500 anos, a China produz cerca de 26 milhões de toneladas de pescado ao ano através da aqüicultura em água doce e marinha, o que representa mais de 70% de todo o pescado cultivado no mundo. A recente intensificação do cultivo com o uso de rações, a introdução de tecnologias modernas (tanques-rede e sistemas de recirculação) e a introdução de espécies de maior valor prometem incrementar ainda mais os números da aqüicultura na China. Após as visitas na China, os contatos durante a WA 2002 e a entrevista que a Panorama da Aqüicultura realizou com o Sr. Jiang Zhang da American Soybean Association e com Professor Ye Jin Yun, reproduzida na íntegra nesta edição, a impressão é de que a China poderá mais que dobrar, em um curto período de tempo, a sua produção de pescado cultivado, mesmo mantendo inalterada a sua área de cultivo. Nos últimos 20 anos a aqüicultura na China aumentou a disponibilidade de pescado per capita de 10 para 30kg/ano, um crescimento inacreditável, planejado e estimulado pelo governo, como a principal alternativa para melhorar a oferta de alimento e a nutrição dos chineses. A aqüicultura na China, portanto, com o suporte governamental e com a ação de empresas privadas, se intensifica, incorpora tecnologias modernas e se abre para o cultivo de espécies de maior valor e de mercado globalizado. Apesar da demanda interna por pescado ser grande e crescente, em virtude do significativo aumento populacional na China, os produtos da aqüicultura chinesa poderão atravessar mais e mais fronteiras, impondo grande pressão sobre os preços de pescado em diversos países. Assim, não devemos nos estranhar se, junto com containeres com seda e eletrônicos, a China começar a enviar ao Brasil os produtos de sua aqüicultura.