Rodrigo Roubach1,
Eudes S. Correia1,
Sergio Zaiden1,
Ricardo C. Martino1,
Ronaldo O. Cavalli1
O Brasil é um país privilegiado no cenário da aqüicultura, devido ao seu tamanho e riqueza de suas bacias hidrográficas, com destaque para a bacia Amazônica, a qual contabiliza mais de 20% de toda a reserva de água doce mundial. Existem também mais de cinco milhões de hectares em represas artificiais usadas para a geração de energia (hidrelétricas) e o controle da seca na região do Nordeste, além de uma extensa costa com mais de oito mil quilômetros de extensão, apropriada para a aqüicultura marinha.
Apesar desse potencial, o Brasil gastou anualmente mais de US$ 350 milhões com produtos pesqueiros para abastecer o mercado doméstico durante os anos 90. A produção pesqueira doméstica total abastece somente 54% da demanda, e os produtos da pesca representam entre 7,5 e 10% do consumo da carne brasileira. Durante o ano de 2000, mais de 181.919 toneladas foram importadas, avaliadas em US$ 274.165.000.
A maioria das importações consistiu em bacalhaus, merluzas (Merluccius spp.), e salmões (Salmo sp.). As características sócio-econômicas da pesca são muito diversificadas, devido a grande dimensão geográfica da costa, às enormes bacias hidrográficas, e as diferenças culturais que influenciam a pesca nas diferentes regiões.
1Membros do “National Organizing Committee (NOC)” da World Aquaculture Conference – WAS ’03. Rodrigo Roubach – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA, e-mail: [email protected]; Eudes S. Correia, Universidade Federal Rural de Pernambuco, e-mail: [email protected]; Sergio F. Zaiden, Fundação do Ensino Superior de Rio Verde – GO, e-mail: [email protected]; Ricardo C. Martino, Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro – FIPERJ, e-mail: [email protected]; Ronaldo O. Cavalli, FURG – Departamento de Oceanografia, e-mail: [email protected].
Em 1999, a aqüicultura mundial expandiu ao redor de 9%, com um valor líquido de US$ 40 bilhões. Nesse mesmo período no Brasil, esse crescimento foi de 35%, com um valor total em torno de US$ 30 milhões, comprometidos principalmente com as vendas de peixes vivos para o comércio de lazer dos pesque-pague e uma parte inicial de pescados processados da aqüicultura. Em 2001, a produção total da aqüicultura brasileira foi de 204.000 toneladas de acordo com dados do IBAMA/DPA/MAPA.
A aqüicultura brasileira pode ser dividida em seis setores principais, definidos pelo tipo de organismo cultivado: peixes de água doce, camarão marinho, moluscos, ostras, camarão gigante de água doce e rãs. Os peixes de água doce são o único setor atualmente presente em cada estado do país, representando quase 80% da produção total, seguido por camarões de água doce, que é cultivado em 20 estados. Os demais setores são todos restritos a uma determinada região ou estado do país.
A aqüicultura brasileira é baseada principalmente em unidades de produção de pequena escala (com exceção do camarão marinho, responsável por até 14% da produção total) com aproximadamente 100 mil fazendas aqüícolas, ocupando uma área equivalente a 80.000 hectares. Isto pode ser visto como um aspecto muito positivo, porque todos os principais países produtores do setor aqüícola possuem as mesmas características. Uma outra característica brasileira importante é o número e a diversidade de espécies cultivadas, com mais de 64. As principais são tilápias (Oreochromis spp.), carpas comum e chinesa (Cyprinus carpio, Aristichthys nobilis, Hypophthalmichthys molitrix e Ctenopharyngodon idella), seguidas pelo pacu (Piaractus mesopotamicus), tambaqui (Colossoma macropomum), surubim (Pseudoplatystoma sp.), camarão marinho (Litopenaeus vannamei) e moluscos (Crassostrea gigas, C. rhizophorae, e Perna perna).
Região Norte
A região inclui os estados do Acre (AC), Amapá (AP), Amazonas (AM), Pará (PA), Rondônia (RO), Roraima (RR), e Tocantins (TA). A região Norte ocupa uma área de 3,87 milhão km2, o que equivale a 45,3 % do território brasileiro, e conta com 7,6% da população. Grandes rios com extensas áreas de inundação (várzeas e igapós) caracterizam a região. Os principais habitats das áreas de inundação amazônicas são lagos, capins flutuantes, e as áreas da floresta tropical periodicamente alagada (Figura 2). Os sistemas compostos pelas áreas de inundação (várzeas e igapós) têm uma área inundada estimada em 250.000 km2. Essas flutuações do nível dos rios variam, dependendo do local e do ano, entre 5 a 13 m, e causam uma mudança sazonal grande no ambiente.
Na região há mais de 2.000 espécies de peixes, incluindo quase todas as ordens de peixes de água doce, das mais primitivas às mais especializadas, representando quase 75% de todas as espécies de peixes de água doce brasileira e 30% da fauna de peixes do mundo.
A atividade da aqüicultura na região até pouco tempo atrás, era vista como uma atividade desnecessária devido à abundância de pescado existente. A marca inicial ocorreu durante a década de 80, quando a primeira iniciativa do governo ocorreu, no estado do Amazonas, com um programa voltado para o desenvolvimento da aqüicultura. Desde então, a atividade cresceu e vem se consolidando em todos os estados do norte. A região tem uma vocação natural forte para a aqüicultura, devido à abundância de água doce e diversidade aquática da fauna, que facilita a coleção de matrizes selvagens, para o cultivo dos peixes, e para a indústria de peixes ornamentais.
Os principais peixes ornamentais, em ordem da importância, são: o cardinal (Paracheirodon axelrodi), discos (Symphysodon discus), e coridoras (Corydoras sp.). A maioria destes peixes é capturada na bacia do rio Negro no estado do Amazonas. Existe ainda necessidade de mais esforços na pesquisa para desenvolver a reprodução e uma tecnologia local de produção para o cultivo dessas espécies. Um melhor gerenciamento durante o processo de coleta, transporte e manejo também melhoraria a sobrevivência dos peixes ornamentais coletados na natureza, e com possível aumento nos lucros.
Quatro grupos de animais aquáticos são representados na aqüicultura na região Norte, os mais representativos são os peixes de água doce, com 17 espécies, sendo três exóticos. As principais espécies são: tambaqui, que é cultivado em seis dos setes estados na região, curimatã (Prochilodus nigricans) e pirarucu (Arapaima gigas) (Figura 3). As espécies exóticas cultivadas são: C. carpio, Oreochromis niloticus e Tilapia sp. Os outros três grupos dos organismos cultivados na região são representados por cinco espécies: crustáceos (L. vannamei, Macrobrachium amazonicum, M. rosenbergii), anfíbios (Rana catesbeiana), e tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa).
Todos os estados na parte ocidental da região possuem estações de piscicultura produtoras de juvenis de peixes, com destaque para o estado de Amazonas com cinco. A piscicultura cresceu em ritmo rápido nos estados de RO e RR, mas é no estado do AC, onde a produção natural da pesca sempre foi menos significativa, que o cultivo de peixe teve uma grande expansão, concedendo ao estado a primeira posição na produção bruta de peixes da piscicultura na região.
A maioria das fazendas de peixes (86%) se constitui de propriedades pequenas, com menos de dois hectares, e a maior parte utiliza os sistemas extensivos e semi-intensivos em viveiros escavados ou em viveiros de barragens pequenas. Conseqüentemente, existe uma grande variabilidade na produtividade dos peixes nos estados e entre estados, com extremos entre 600 e 6.500 kg/ha.
A piscicultura em tanques-rede na região Norte ainda tem muito a explorar para atingir todo seu potencial, para isso há necessidade de mais estudos técnicos com espécies nativas da Amazônia, assim como estudos mais detalhados para se definir áreas apropriadas para essa modalidade de criação. Estudos piloto com o tambaqui (Figura 4), matrinxã (Brycon cephalus), e pirarucu mostraram resultados promissores quanto à taxa de crescimento, taxas de estocagem, e produtividade. Entretanto, devido à diversidade de ambientes dentro da região, do nível tecnológico necessário e do custo de transporte, é preciso considerar cad Os produtos agrícolas e insumos para a indústria de ração são importados de outras regiões, exceto a soja, que recentemente teve sua produção estabelecida na região de Humaitá-AM. Conseqüentemente, o número de indústrias na região é limitado (cinco fábricas de rações para peixes), e concentrado no estado de Amazonas, em Manaus, ou próximo.
Tambaqui, pirapitinga (Piaractus brachypomus), e matrinxã são peixes nobres e com boa aceitação do consumidor local dentro da bacia Amazônica, mas podem ter mercado limitado fora da região devido à presença dos espinhos intramusculares, em forma de Y, presentes na carne. Entretanto a produção de peixes nativos através da aqüicultura na região, além de sua importância para o setor primário na produção, e como fonte de renda alternativa para populações locais, poderá vir a diminuir o impacto da pesca dessas espécies, que já se encontram com seu estoque natural sobre explorado.
Também já tem sido testada, em escala piloto, técnica de repovoamento como opção para se tentar aumentar o rendimento pesqueiro na região, através do aumento da abundância de Colossoma. Essa técnica, nunca utilizada na região, tem sido recentemente considerada por políticos da Amazônia para controlar populações de Colossoma e desenvolver a aqüicultura extensiva para pequenos produtores.
A região Norte pode ser vista como uma das regiões mais promissoras do Brasil, quando se considera todo seu potencial de água doce, mas há ainda a necessidade de regulamentos claramente definidos, para podermos realizar uma aqüicultura sustentável e lucrativa.
Região Nordeste
A região Nordeste é composta por oito estados: Maranhão (MA), Piauí (PI), Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Alagoas (AL), Sergipe (SE) e Bahia (BA), e tem uma área de 1,56 milhões de km², a qual representa 18,3% do território nacional e abriga 28,1% da população brasileira (IBGE, 2002). Essa região detém um grande potencial para o cultivo de espécies tropicais, uma vez que possui um clima adequado, com temperaturas apropriadas para o cultivo durante todo ano, cerca de 70.000 açudes e grandes extensões de áreas propícias à aqüicultura. Além disso, a região possui um grande mercado em potencial para produtos aqüícolas.
A aqüicultura nesta região é praticada em todos os sistemas de cultivo. No sistema extensivo, agricultores estocam juvenis de tambaqui (Colossoma macropomum), curimatãs (Prochilodus argenteus e P. brevis), tilapia (Oreochromis spp.) e carpas (comum e chinesas) em açudes e obtêm até 800 kg/ha/ano. A capacidade de produção das unidades produtoras de juvenis em 2000 foi em torno de 233 milhões, mas ultimamente, este número vem aumentando devido à instalação de novos projetos em sistema de cultivo intensivo.
O sistema semi-intensivo é representado por cultivo em viveiros de terra, estocados com tilápias (Figura 5), tambaqui, camarão de água doce (Macrobrachium rosenbergii) e camarão marinho, principalmente Litopenaeus vannamei. A produtividade varia de 3.000 a 10.000 kg/ha/ano para peixes, em torno de 2.000 kg/ha/ano para o camarão de água doce, e de 4.000 a 10.000 kg/ha/ano para o camarão marinho.
Os dados estatísticos da aqüicultura são muito escassos, portanto é difícil apresentar a real situação da região, exceto para a carcinicultura marinha, que é um setor muito organizado. Em 2001, a produção do camarão marinho cultivado na região foi em torno de 40.000 toneladas, representando 94% da produção nacional. O cultivo do camarão marinho vem crescendo rapidamente desde 1996, quando a espécie exótica L. vannamei foi adotada. De 1997 a 2001, a produção brasileira cresceu a uma taxa de 83% ao ano (3.600 a 40.000 toneladas). Outra variável que está mostrando o alto nível tecnológico aplicado na carcinicultura brasileira é a produtividade média, que cresceu de 1.015 kg/ha/ano em 1997 para 4.706 kg/ha/ano em 2001.
Esta tecnologia envolve o controle total de todo processo produtivo, tal como manejo da produção de pós-larvas, tanques berçário (Figura 6) e viveiros de engorda (Figura 7). Mesmo com este nível de produção, a carcinicultura marinha na região Nordeste está crescendo de acordo com os princípios da sustentabilidade, onde vários procedimentos estão sendo adotados, como por exemplo: uso de áreas fora dos ecossistemas de mangues, recirculação parcial ou total da água, uso de alimentos de alta qualidade ofertado em bandejas de alimentação (Figura 8) e proibição do uso de antibióticos em todas as fases do processo de cultivo de camarão.
Normalmente, os camarões são estocados em viveiros de engorda em densidades variando de 30 a 60 pós-larva/m², mas em alguns experimentos são utilizadas altas densidades (até 150/m²) com resultados promissores. Além disso, algumas fazendas estão fazendo uma integração com ostras (Crassostrea rhizophorae) e macroalgas (Gracillaria sp.), como filtro natural de partículas em suspensão e de nutrientes no canal de drenagem, a fim de melhorar a qualidade da água antes de seu retorno para os viveiros e/ou para o meio ambiente.
O cultivo intensivo de peixes é praticado em vários estados da região, porém o estado da Bahia é o mais desenvolvido devido a um efetivo apoio governamental. Atualmente, a tilápia (Oreochromis spp.) é cultivada em tanques-rede instalados em reservatórios de hidrelétricas (Figura 9) e em “raceways” (Figura 10). Os projetos tanques-rede no reservatório de Xingó envolvem várias associações com aproximadamente 150 unidades cada, geralmente distribuídas entre 15 associados. Normalmente, eles utilizam tanques-rede de 4 e 6 m³, estocados com juvenis de tilápia de 30 gramas, os quais, ao final de aproximadamente 120 dias, alcançam um peso de 500-650 gramas, com uma sobrevivência da ordem de 90%. Isto significa uma produtividade média em torno 120 kg/m³/ciclo. Outros locais da região Nordeste também adotam esse sistema de cultivo em reservatórios.
Outro projeto intensivo está desenvolvendo um sistema de “raceways”, que envolveu na sua primeira fase de operação, a instalação de uma unidade produtora de juvenis de tilápia com capacidade para 100 milhões, além de 208 tanques em concreto com volume de 30 m³ para a fase de engorda. Esses tanques “raceways” são estocados com a mesma densidade e alcançam os mesmos níveis de produção dos tanques-rede. A produção estimada desse projeto para 2003 é em torno de 1.350 toneladas, das quais 760 serão exportadas para Estados Unidos e Europa.
Apesar do crescimento do setor aqüícola na região, vários ingredientes para rações (farinha de peixe, farelo de soja, farelo de trigo e milho) ainda são importados de outros estados. Até o presente, existem apenas quatro plantas produtoras de ração em operação localizadas nos estados da BA, PE e SE. No entanto, existem projetos de instalação de mais quatro unidades na região.
Região Centro-Oeste
Essa região constitui-se de três estados, Goiás (GO), Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul (MS) e o Distrito Federal (DF) com uma extensão de 1,61 milhões de km2, equivalendo a 18,9% do território nacional (IBGE 2002). Sua localização é muito privilegiada para as atividades aqüícolas por ser banhada por vários rios das bacias do Prata e do Amazonas, formando inclusive um ecossistema único no planeta, o Pantanal (dos tributários dos rios paraguaios), o qual é compartilhado pelo Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina.
A aqüicultura na região está representada pelo cultivo de peixes, em sua maioria nativos, tais como o pacu (Piaractus mesopotamicus) (Figura 11), surubim pintado (Pseudoplatystoma coruscans), surubim cachara (P. fasciatum) (Figura 12), piracanjuba (Brycon orbignianus), piraputanga (Brycon hilarii) (Figura 13), “piauçu” (Leporinus obtusidens), assim como o cultivo da rã-touro (Rana catesbeiana), tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa), tartaruga tracajá (P. unifilis) e jacaré do papo amarelo (Caiman crocodiles yacare).
A produção aqüícola regional, em geral, de sistemas pouco tecnificados em propriedades menores do que 2,0 ha está em torno de 5.790 t., em uma área aproximada de 2.099 ha. Instituições particulares produtoras de peixes e rãs têm exportado seus produtos para países da Europa, Ásia e América do Norte, o que indica o grande potencial para expansão, incluindo a piscicultura ornamental, pelo número de espécies existentes que são adequadas a esta finalidade. Como a tecnologia de reprodução induzida é de domínio em toda a região e trabalhos de ensino, pesquisa, e extensão têm sido realizados por instituições particulares e públicas, o crescimento parece ser eminente.
A região também é considerada a principal produtora de grãos (soja, milho e sorgo) do país, mas mesmo assim a maior parte das rações para peixes usadas na região ainda é importada de outros estados.
Devido à diversidade regional e à água disponível nestes estados, ainda existe uma quantidade enorme de locais disponíveis para um maior crescimento da aqüicultura, mas devido às controvérsias ainda existentes da legislação do uso da água que será executada no país, os potenciais investidores ainda estão aguardando definições mais claras nas regras para investirem com confiança na atividade.
Providências legais também vêm sendo tomadas para a preservação dos estoques nativos, pela limitação ou proibição, da introdução de espécies exóticas, além de programas de desenvolvimento responsável para a região.
Região Sudeste
A região Sudeste é formada pelos estados do Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). A sua área totaliza 930.000 km2, o que equivale a 10,9% do território brasileiro, enquanto que a sua população representa 42,6% do total da população do país. É a região mais desenvolvida do Brasil, possuindo o maior número de universidades, institutos de pesquisa, além da maior renda per capita do país.
A aqüicultura na região sudeste caracteriza-se pelo cultivo de um amplo número de espécies, tanto nativas como exóticas, que são cultivadas em pequenas propriedades, de forma semi-intensiva ou intensiva, servindo tanto para o consumo humano, como também, para a pesca esportiva (pesque e pague). O seu clima e a sua topografia (caracterizada por amplas planícies, montanhas e por uma extensa região costeira) permitem o cultivo de espécies de clima frio nas montanhas, de espécies tropicais de peixes e crustáceos nas planícies e de moluscos ao longo de sua costa.
Dentre as espécies nativas, o pacu e o tambaqui, que são cultivados em todos os estados da região, além do surubim, cultivado nos estados de MG, RJ e SP, podem ser consideradas as mais representativas. Entre as espécies exóticas, a carpa, que foi introduzida na região no início do século passado, a tilápia e a truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) são as mais importantes.
A truta arco-íris oriunda da Dinamarca foi introduzida no Brasil em 1949, na Serra da Bocaína (SP). Atualmente o seu cultivo está bem estabelecido e é realizado nos quatro estados da região. De acordo com a Associação Brasileira de Truticultura/ABRAT, a produção anual está estimada em 1.385 toneladas.
A produção de tilápia em tanques-rede, assim como de espécies nativas, como o surubim, o surubim cachara (P. fasciatum) e o dourado (Salminus maxillosus) estão em alta. Isso se deve principalmente à demanda oriunda dos pesque e pague. Tais empreendimentos vêm se tornando o principal segmento da aqüicultura na região (Figura 14) e apenas na bacia do rio Piracicaba este tipo de empreendimento é responsável por um faturamento anual superior a US$ 70 milhões.
Em relação a maricultura, ela é representada principalmente pelo cultivo de moluscos. O cultivo da ostra japonesa (C. gigas) e do mexilhão nativo (P. perna) iniciou-se na década de 70, através de um projeto experimental localizado na cidade de Arraial do Cabo (RJ). Atualmente, um grande número de fazendas de mexilhão estão implantadas nos estados do ES, RJ e SP, enquanto que o cultivo da ostra japonesa e da vieira (Nodipecten nodosus) ocorre principalmente nos estados do RJ e SP. O cultivo de vieira tem como principal ponto de estrangulamento a produção de sementes. Mais recentemente, o cultivo da ostra de mangue nativa, Crassostrea rhizophorae, vem sendo amplamente incrementado entre os produtores de moluscos, principalmente nas comunidades de pescadores de baixa renda.
O cultivo de crustáceos nesta região é principalmente representado pelo camarão de água doce (M. rosenbergii). Embora esta espécie seja cultivada em todos os estados da região sudeste, o estado do Espírito Santo é o maior produtor. Em relação ao camarão marinho (Litopenaeus vannamei), dois novos empreendimentos, sendo um acadêmico e outro empresarial, estão em fase de desenvolvimento no RJ. A costa norte deste Estado possui excelentes áreas para esta atividade. Por último, a rã-touro (R. catesbeiana) vem sendo cultivada nos estados do ES, MG, RJ e SP (Figura 15).
Os produtos oriundos da aqüicultura são em princípio, vendidos para restaurantes, hotéis e pesque e pague. Entretanto, muitas espécies e principalmente a tilápia, seja filetada ou inteira, são vendidas para a indústria de alimentação ou supermercados.
Devido à existência de uma ampla indústria de avicultura na região, muitas fábricas de ração, incluindo as principais, estão produzindo também rações para a aqüicultura. A região Sudeste caracteriza-se por uma fartura de fontes de nutrientes (grãos, sementes e raízes), que podem ser utilizados como ingredientes na fabricação de rações. Além disso, esta região produz também farinha e óleo de peixe, que são oriundos das fábricas de sardinha, mas infelizmente de baixa qualidade. Da mesma forma que em outras regiões do Brasil, a maior parte da farinha e do óleo de peixe utilizado nas rações para a aqüicultura é importada do Chile ou do Peru.
Atualmente, existe uma enorme preocupação sobre os impactos, tanto do ponto de vista social como do ambiental, causados pela aqüicultura. Projetos de cunho social, objetivando a integração de comunidades da pesca extrativa com a aqüicultura, já estão implantados ou em fase de implantação. Estes projetos envolvem a participação de organizações não-governamentais, universidades (públicas e privadas), agências do governo local e federal, institutos de pesquisa e extensão e empresas públicas.
A principal preocupação do setor da aqüicultura nesta região está relacionada à qualidade da água e dos efluentes, e o efeito nas condições sanitárias nos sistemas de cultivo. Portanto, o foco atual da produção nesta região é o de promover o cultivo das espécies de maneira sustentável, em sistemas de manejo intensivo, por causa da limitação de espaço e do preço das áreas para cultivo.
Região Sul
Compreendendo os estados do Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC), a região Sul ocupa uma área de 580 mil km2, o que equivale a 6,8 % do território Brasileiro, e conta com 14,8% da população (IBGE 2002). O Sul se diferencia doresto do país principalmente pelo seu clima sub-tropical, o que lhe garante a existência de estações bem definidas. Em conseqüência disso, o desenvolvimento da aqüicultura tem tomado um rumo de certa forma diferente do resto do país.
De modo geral, a aqüicultura no Sul pode ser caracterizada como uma atividade de pequenas propriedades. Por exemplo, a piscicultura no norte gaúcho, oeste catarinense ou Paraná pode ser dividida em duas principais linhas de produção: (1) o policultivo de carpas (C. carpio, A. nobilis, H. molitrix e C. idella) geralmente integrado com a produção de suínos, e (2) o cultivo semi-intensivo de tilápia (cerca de 80% de O. niloticus). A truta arco-íris (O. mykiss) é cultivada em algumas áreas montanhosas. Espécies nativas de peixe também vêm sendo cultivadas, como é o caso do jundiá (Rhamdia quelen), um bagre altamente promissor que está sendo estudado por vários grupos de pesquisa da região. A sua área de cultivo, porém, ainda é pequena quando comparada a de outras espécies. Independente da espécie cultivada e do sistema empregado, os pequenos produtores são os responsáveis pela maior parcela da produção.
Embora o cultivo de peixes de água doce seja um ótimo exemplo da aqüicultura do sul do Brasil, possivelmente o melhor exemplo de desenvolvimento da aqüicultura na região (e talvez até mesmo no Brasil!) é o cultivo de moluscos na costa catarinense. Desde os anos oitenta, a biologia e o cultivo da espécie nativa de mexilhão (P. perna) vêm sendo estudados. Os esforços de pesquisa e extensão foram tão bem aplicados que hoje em dia mais de 11.000 toneladas de mexilhão são anualmente produzidas. Em vista deste sucesso, o cultivo da ostra Japonesa (C. gigas) já é uma realidade. Outras espécies nativas, tais como a ostra de mangue (C. rhizophorae) e a vieira (N. nodosus), já estão sendo consideradas e provavelmente seguirão o mesmo caminho.
Durante anos, o cultivo de camarões peneídeos na região esteve concentrado nas espécies indígenas, principalmente devido a maior tolerância destas espécies às temperaturas mais baixas. Entretanto, com o sucesso de L. vannamei no Nordeste, os fazendeiros da região decidiram tentar o cultivo desta espécie. Como resultado, em poucos anos a área de cultivo aumentou de algumas dezenas para mais de 800 ha. A maior parte das fazendas está concentrada no município de Laguna, SC, a capital do camarão cultivado no sul do Brasil. A febre do camarão estendeu-se mais ao sul, onde a fazenda de L. vannamei provavelmente mais setentrional do mundo (32°S) finalizou seu primeiro ciclo de cultivo este ano. Além do tradicional cultivo de camarão em viveiros de terra, projetos de repovoamento e cultivo do camarão nativo Farfantepenaeus paulensis em cercados e gaiolas também estão em desenvolvimento em lagoas costeiras (Figura 16). A produção de outras espécies de crustáceos na região é praticamente inexistente, mas acredita-se que o cultivo de M. rosenbergii como um complemento ao da tilápia possa crescer num futuro próximo.
A produção comercial de peixes marinhos ainda não é uma realidade no Brasil. Entretanto, os maiores desenvolvimentos da pesquisa nesta área vêm ocorrendo no Sul. Dentre as espécies candidatas, destacam-se o linguado (Paralichthys orbignyanus) e os robalos (Centropomus parallelus e C. undecimallis). Para estas espécies, a produção de juvenis em pequena escala já é uma realidade, mas muito ainda falta ser feito em termos de engorda.
A região Sul é uma das principais produtoras de grãos do país e, portanto, há uma enorme disponibilidade de soja, milho, trigo, arroz, etc. A farinha de peixe é produzida nas cidades portuárias de Itajaí (SC) e Rio Grande (RS), mas como esta é geralmente produzida a partir de rejeitos da pesca e de sobras do fileteamento, a sua qualidade é questionável. Dessa forma, uma parcela importante da farinha de peixe utilizada na confecção de rações para peixes e camarões é importada do Chile e Peru. Várias empresas produtoras de rações têm fábricas na região, principalmente para atender a produção de suínos e aves, mas pelo menos três delas produzem rações específicas para tilápias e camarões peneídeos.
A comercialização de peixes de água doce ainda é considerada um importante entrave no desenvolvimento da atividade. As carpas são geralmente vendidas a nível local, enquanto as tilápias são comercializadas para empresas de fileteamento ou vivas para pesque-pague. Nos últimos anos, apesar dos preços pagos pelo pesque-pague serem bem mais atraentes, tem se observado uma saturação deste mercado. Com relação a maricultura, o sucesso obtido com moluscos e, mais recentemente com o cultivo de camarões, tem demonstrado que esta atividade irá gradualmente aumentar em importância.
Existe uma percepção geral de que, se não for bem gerenciada, a aqüicultura pode afetar negativamente o ambiente. A introdução de espécies exóticas tornou-se um ponto de debate. Por exemplo, o cultivo de L. vannamei em gaiolas tem sido restringido no PR e em SC, enquanto que em Laguna (SC) tentativas legais de se impedir a liberação de novas licenças para fazendas de camarão vem sendo relatadas. O cultivo integrado de carpas e suínos também vêm sendo questionado com relação aos seus possíveis efeitos na saúde humana.
Em conclusão, o desenvolvimento da aqüicultura na região Sul tem resultado numa significativa melhoria sócio-econômica e, da mesma forma que outras novas formas de produção do setor agrícola, apresenta várias questões de cunho legal e ambiental que devem ser trabalhadas e melhoradas. Apesar disso, de modo geral a aqüicultura é reconhecida como uma das atividades mais lucrativas e interessantes no setor agrícola da região Sul.
A aqüicultura brasileira mostra uma diversidade notável para seus produção e crescimento no futuro próximo. Para explorar inteiramente seu potencial todos os participantes chave do setor, sejam da ciência ou academia, produção, e comércio, precisam estabelecer objetivos comuns para uma política nacional, já vislumbrada e proposta pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no papel de principal agência coordenadora deste cenário.
Através da aqüicultura espera-se produzir um aumento sustentável da produção nacional de pescado, usando para isso técnicas atuais e com o desenvolvimento de novas metodologias. É também esperado um aumento do volume de pescado exportado, alcançar mercados internacionais novos e, criar um setor de produção forte, com segmentos competitivos e integrados nas dimensões econômicas, sociais e ecológicas, além de aumentar as oportunidades de emprego. O objetivo final, entretanto, deve ser a preservação da biodiversidade junto com todos seus ecossistemas aquáticos, aliada a uma produção sustentável da aqüicultura.
Notas e referências
1Membros do “National Organizing Committee (NOC)” da World Aquaculture Conference – WAS ’03. Rodrigo Roubach, Ph.D., Pesquisador e atual Coordenador da Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA, e-mail: [email protected]; Eudes S. Correia, Dr. Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, e-mail: [email protected]; Sergio F. Zaiden, Dr. Chefe do Departamento de Biologia da Fundação do Ensino Superior de Rio Verde – GO, e-mail: [email protected]; Ricardo C. Martino, Dr. Pesquisador e chefe da Unidade de Tecnologia do Pescado da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro-FIPERJ, e-mail: [email protected]; Ronaldo O. Cavalli, PhD, Professor da FURG – Departamento de Oceanografia, e-mail: [email protected].
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