Apesar do seu considerável progresso zootécnico, a aquicultura mantém-se ainda fortemente dependente de recursos naturais importantes como água e terra. No entanto, com uma pressão mundial crescente para que esses recursos sejam utilizados de modo cada vez mais eficiente e sustentável, a busca por sistemas compactos, flexíveis e que demandem menores volumes de água é uma das grandes prioridades da aquicultura moderna. Nesse sentido sistemas de recirculação em aquicultura (SRA) são altamente promissores. Mas nem só de benefícios são feitos os SRAs. Eles também trazem seu próprio conjunto de dificuldades, sobretudo na manutenção da qualidade de água constante para evitar enfermidades. Esse texto fala das principais características e aponta particularidades de manejo e aspectos sanitários dos SRAs.
Por:
Luciene C. Lima
Méd.Veterinária, pós-doutora em Aqüicultura
e Ictiossanidade, Departº de Zootecnia,
Instituto Federal de Minas Gerais (CEFET-Bi), Bambui, MG, Brasil
e-mail: [email protected]
Myron J. Kebus
Med.Veterinário, M.Sc. Wisconsin Depart.
of Agriculture, Trade and Consumer Protection,
Division of Animal Health, WI, USA
e-mail: [email protected]
Sistemas de recirculação para aquicultura (SRA), também conhecidos como sistemas de reuso, têm se popularizado na última década, sendo comumente encontrados em fazendas de produção de peixes para consumo, em locais de vendas e revendas de peixes vivos e na maioria dos aquários públicos, sendo também empregados para a produção de crustáceos, moluscos, répteis e anfíbios. O termo “recirculação” se aplica a vários sistemas de altas densidades que reusam a água parcial ou completamente. Embora essas tecnologias ainda sejam relativamente onerosas, seus benefícios são inegáveis. As impressionantes produções durante todo o ano, viáveis em locais próximos dos principais centros urbanos ou mercados consumidores, e a diminuta quantidade de água necessária ao seu funcionamento, são algumas das características mais atrativas dos SRAs.
Sistemas tradicionais de aquicultura requerem grandes quantidades de água e, em muitas regiões do planeta, esses sistemas de produção convencionais já não são viáveis, dada a limitação de abastecimento de água e da terra, bem como a inadequação do terreno para construção de viveiros. Produção em SRA surge, portanto, como uma alternativa já que são sistemas compactos e flexíveis, podendo ser instalados próximo do mercado consumidor. Pelo fato da água recircular inúmeras vezes, os SRAs oferecem uma economia hídrica considerável. Aproximadamente cinco milhões de litros de água por hectare por ano são necessários para encher um viveiro, e um volume equivalente é preciso para compensar perdas por evaporação e infiltração. Considerando um rendimento anual médio de 2.500 kg de peixes por hectare, aproximadamente 1000L de água são necessários para produzir um quilo de peixe. Já com os SRAs, que normalmente recirculam 90% da água, é possível, com uma pequena fração do volume usado nos viveiros, gerar a mesma produção, e ainda emitir (para o bem da natureza!) virtualmente zero de efluente.
Existem SRAs altamente sofisticados, dotados de equipamentos com sensores especiais e comandados por computadores; mas há também sistemas bastante simplificados, que operam com componentes alternativos (Fotos 1, 1A, 2 e 2A). Assim, observadas as devidas proporções, SRAs existentes são muito parecidos. Concisamente, eles são compostos pelas unidades de cultivo (tanques de peixes), bombas de recirculação e um conjunto de equipamentos para tratamento da água. Todos removem resíduos, oxidam amônia e nitrito, retiram dióxido de carbono e aeram a água antes que ela retorne aos tanques de peixes. O que faz a diferença na produção em SRAs é o uso eficiente dos componentes do sistema de tratamento de água, de acordo com o tipo específico de produção pretendida. Na verdade, o grande desafio dos SRAs é obter um balanço perfeito e permanente da qualidade de água circulante.
SRAs bem conduzidos dependem de um bom planejamento, da elaboração e implantação criteriosas do projeto e de excelente manutenção. Vale lembrar que a biosseguridade (conjunto de medidas de prevenção) é palavra de ordem em SRA e deve ser estabelecida e seguida durante todas as etapas do projeto. Os avanços no design e na operação dos SRAs têm resultado em tecnologia de alcance e viabilidade cada vez mais abrangentes. Trabalhos de pesquisa têm definido claramente os tipos de tratamento necessários ao reuso integral, com geração ínfima de efluentes, e as discussões agora estão voltadas para a redução dos custos de produção, de modo a atingir maior fatia de mercado.
Qualidade da água
A condição básica para o funcionamento de qualquer sistema de produção aquícola é prover condições para o desempenho zootécnico adequado dos animais, o que passa pela manutenção de excelente qualidade de água ao longo de todo ciclo produtivo. O crescimento desejável exige rações proteicas de boa qualidade, em quantidades determinadas pela idade e espécie produzida. Taxas de alimentação, de metabolismo dos peixes e quantidade de resíduos gerados afetam a qualidade de água, pois interferem na dinâmica de suas variáveis, causando impacto negativo nos animais cultivados. Diferentemente de sistemas de fluxo contínuo, em que os resíduos são eliminados com a troca de água, e de sistemas de viveiros, onde os processos biológicos naturais ficam a cargo das plantas, essas transformações nos SRAs são de responsabilidade do filtro biológico. A qualidade da água recirculada pelo sistema é diretamente proporcional aos resultados de produção em SRA. As variáveis críticas da água incluem oxigênio dissolvido (OD), amônia não-ionizada (NH3), nitrito (NO2), pH e dióxido de carbono (CO2). Sólidos
A porção do alimento não assimilada pelo peixe é excretada como resíduo orgânico (sólidos fecais). Quando degradadas, sobras de ração juntamente com as fezes consomem oxigênio e geram amônia, por isso devem ser removidas do sistema o mais rapidamente possível. Enquanto os sólidos decantáveis podem ser facilmente coletados em bacias de sedimentação, sólidos suspensos são problemáticos. Os finos (< 30 micrômetros) perfazem mais de 50% do total de sólidos em suspensão em SRAs e limitam significativamente a quantidade de peixe produzida no sistema em função da sua capacidade de irritar tremendamente as brânquias, além de aumentarem consideravelmente a demanda de OD.
A remoção de sólidos em suspensão envolve algum tipo de filtração mecânica utilizando, por exemplo, filtros de telas e filtração granular (areia ou meio peletizado), com seus modelos diversos. Os filtros de tambor, bem aceitos pela sua eficiência e pequena exigência de manutenção, usam um conjunto de micro-telas de diferentes tamanhos que aprisionam os sólidos à medida que a água flui através delas. Quando os sólidos se acumulam, o nível de água se eleva dentro do tambor, fazendo acionar o sistema de retrolavagem das telas e descarga de efluente.
Resíduos nitrogenados
Amônia, substância das mais indesejáveis em SRA, é resultante do metabolismo proteico e decomposição de sólidos, sendo também excretada passivamente pelas brânquias. A sua forma não-ionizada é extremamente tóxica aos peixes e bastante influenciada pelo pH e temperatura da água. Assim, em pH 7,0, grande parte da amônia se encontra na forma ionizada, mas em pH 8,7 cerca de 30% são amônia tóxica. Enquanto concentrações letais são bem estabelecidas, efeitos subletais não são precisamente definidos, por isso, recomenda-se manter a amônia tóxica ao redor de 0,05mg /L.
Nitrito (NO-2) é produto da oxidação de amônia pelas bactérias Nitrosomonas spp, as quais crescem no substrato do filtro biológico. Nitrito é prejudicial aos organismos aquáticos, devendo ser monitorado constantemente nos tanques. Em SRAs com um biofiltro maduro (isto é, já bem colonizado pelas bactérias nitrificantes) suas concentrações não devem exceder 10 mg/L por muitas horas. Na verdade, o indicado é que permaneça aquém de 1 mg/L. Bactérias Nitrobacter, também presentes nos biofiltros, são encarregadas de transformar nitrito em nitrato, o qual não oferece riscos aos peixes. Algumas espécies toleram concentrações de nitrato de 200 mg/L. Quando em concentrações elevadas, nitrito combina-se com a hemoglobina e produz metahemoglobina, que é incapaz de transportar oxigênio pelo sangue. Assim, a intoxicação por nitrito, conhecida por doença do sangue marrom, mata os peixes por sufocamento (Foto 3). Aquicultores de SRA usam, como medida preventiva, manter concentrações de cloreto de sódio (sal) na água de cultivo a proporção de 10:1, pois as células branquiais dos peixes capturam preferencialmente o sal da água, em vez do nitrito.
Biofiltração
Controlar a concentração de amônia tóxica nos tanques é uma das tarefas principais de um sistema de reuso. Mesmo havendo outras tecnologias disponíveis para remoção de amônia da água, em SRA a filtração biológica ainda é o método mais usado. Os biofiltros são essencialmente recipientes recheados de um dado substrato (leito) possuidor de uma grande área superficial onde espécies de bactérias nitrificantes, Nitrosomonas e Nitrobacter, se aderem e se multiplicam para processar amônia e nitrito. Cascalho, conchas trituradas, areia, contas de plástico, anéis plásticos, “bioballs” e outros, são substratos comumente usados. Sua configuração e a maneira como eles contactam a água, definem a configuração da unidade de filtração (filmes fixos, filtros rotatórios, meios expansíveis ou meios diversos combinados). Dos biofiltros comercialmente disponíveis, aquele de leito fluidificado é considerado o mais eficiente, considerando sua extensa área superficial. A areia de sílica é usualmente o meio de escolha para esse filtro, com granulometrias de 0,45 a 2 mm. Quanto mais fina a areia, mais lento é o fluxo de água pelo leito. No biofiltro de leito fluidificado, a água entra pelo fundo e se distribui igualmente em direção ascendente. Aqueles em forma de “U” previnem da areia se compactar quando se fecha a circulação de água pelo filtro.
pH, alcalinidade e gases dissolvidos
O grau de acidez, ou simplesmente pH, afeta diversas variáveis de qualidade de água, bem como processos químicos e biológicos. Sua influência na dissociação de amônia tóxica já foi mencionada. pH abaixo de 7,0 reduz a atividade das bactérias nitrificantes. Se a fonte de água é baixa em alcalinidade (que é a capacidade de neutralizar a acidez), então o pH deve ser monitorado de perto, adicionando bases como o bicarbonato de sódio (NaHCO3).
Embora o acúmulo de resíduos amoniacais seja o grande limitante da capacidade de suporte dos SRAs, a concentração de OD para tanques e biofiltros é também crucial para a vida do sistema, determinando a densidade de peixes produzida. Para manter concentrações adequadas de OD nos tanques, o oxigênio deve ser adicionado numa taxa superior a que é consumida pelos peixes e pelas bactérias do biofiltro mais a demanda para degradação de resíduos orgânicos (DBO). A quantidade de oxigênio requerida é altamente ditada pelo tempo de permanência dos resíduos no sistema, aliada à configuração do biofiltro.
É importante manter o sistema de aeração ou oxigenação funcionando muito bem pois em SRAs é fácil perder uma produção tipicamente intensiva em questão de horas, ou menos. A adição de oxigênio atmosférico ou remoção do excesso de CO2 em SRA é alcançado com uma variedade de equipamentos tais como difusores, agitadores de superfície e colunas pressurizadas. Aeração direta nos tanques é pouco eficiente porque a transferência de oxigênio de aeradores cai à medida que a concentração de O2 se aproxima do nível de saturação do tanque. Uma estratégia simples, mas bastante eficiente, é o uso de bombas de air-lift, que são basicamente canos verticais com injeção de ar na sua parte inferior. Air-lifts além de incorporarem O2, agitam a água com bolhas de ar e removem CO2 (Foto 4).
A injeção de oxigênio puro é adotada quando em criações superintensivas a taxa de OD consumida pelos animais e bactérias excede aquela produzida por equipamentos de aeração convencional. A medida de eficiência da injeção de O2 está na sua taxa de absorção pela água, a qual é definida como a relação entre o peso do O2 absorvido pela água pelo peso do O2 aplicado através do equipamento de difusão ou injeção. Estes são projetados para maximizar o contato da água com o O2, assim, propriamente manejados, apresentam mais de 90% de eficiência de absorção. Vez por outra, o excesso de nitrogênio pode fazer com que os animais desenvolvam bolhas de gás em seu sistema circulatório (“doença da bolha”).
Patógenos em SRA
Não importa quão bem um sistema aqUícola é manejado, problemas sanitários são sempre passíveis de ocorrer. Um dos fatores decisivos para o êxito dos SRAs é a seriedade dedicada ao controle de qualidade da água e manejo geral, com vistas à saúde dos peixes produzidos.
Embora permitam o controle de diversos parâmetros, a instabilidade de variáveis de qualidade de água em SRA pode ser mais preocupante do que em grandes viveiros ou raceways. Aumentos temporários de amônia ou nitrito podem, por si só resultar em doenças e perdas significativas. Tais flutuações levam à debilidade do sistema imunológico dos animais aquáticos e, portanto, susceptibilidade a patógenos e surtos de enfermidades. SRA favorecem o desenvolvimento e a disseminação de patógenos em função das altas densidades de peixes estocados, ao rápido acúmulo de sedimentos nos tanques, bombas ou componentes da filtração e da troca mais lenta e do menor volume de água.
Em SRA os patógenos tendem a se concentrar à medida que o sistema amadurece. A maior parte deles é considerada oportunista, causando doenças somente quando os peixes estão imunossuprimidos. Entretanto, podem-se tornar numerosos e provocarem doenças também em peixes saudáveis. O fluxo contínuo da mesma água espalha patógenos rapidamente, sobretudo em um sistema com protocolos deficientes de desinfecção e esterilização. Bactérias mais isoladas em SRA são Aeromonas spp, Vibrio spp, Mycobacterium spp, Streptococcus iniae e Flavobacterium columnare. Já as espécies de parasitas que mais progridem incluem Trichodina, Ichthyophthirius (pontos brancos), Costia e Tetrahymena (Fotos 5A, 5B e 5C). Sistemas fechados podem abrigar, ainda, fungos e vírus. Para prevenir a entrada, a multiplicação e disseminação de patógenos, é necessário saber onde esses se encontram, como se propagam entre os peixes e como inviabilizar seu potencial de ataque. O uso apropriado de químicos no combate às enfermidades é ainda parte essencial do manejo sanitário em SRA.
A
B
C
Biosseguridade
Medidas de biosseguridade como limpeza, desinfecção e quarentena são fundamentais não somente na estocagem dos peixes, mas ao longo do ciclo de produção, pois buscam a constante redução de microrganismos e da sua disseminação entre as diversas unidades do sistema. Equipamentos como redes, mangueiras e baldes facilmente hospedam patógenos, da mesma forma que bolsões de água formados no piso. Daí o uso de pedilúvios nos acessos às instalações. A desinfecção de equipamentos deve ser feita após uso entre tanques diferentes. Medida simples, mas eficaz, contra contaminações é manter escovas, vassouras e puçás em local apropriado, longe do chão.
Compostos à base de amônia quaternária e cloro são ótimos desinfetantes de equipamentos. É preciso, porém, um enxágue perfeito para não ocorrer intoxicações pelos produtos. Drenos e filtros ficam tomados por uma fina camada de sedimento que abriga microrganismos, por isso devem ser aspirados rotineiramente. Ração remanescente no fundo dos tanques, assim como leitos de filtros, também funcionam como substrato próprio para o florescimento dos inimigos. Filtros mecânicos devem ser retrolavados o mais freqüentemente possível de forma a reduzir as cargas de bactérias indesejáveis e que competem por espaço e por oxigênio com aquelas nitrificantes (essenciais!) do biofiltro.
Reservatórios e propagação de patógenos em SRAs
Em SRA, o próprio ambiente aquático é quem mais eficientemente espalha patógenos, já que tudo que a água circulante toca fica contaminado. Um dos mais importantes reservatórios, porém, são os próprios peixes, que podem agir como carreadores assintomáticos disseminando enfermidades na água ou diretamente para outros peixes. Indivíduos moribundos e mortos, em especial, devem ser removidos prontamente do sistema e descartados de acordo com a regulamentação vigente.
Outras fontes de propagação de microrganismos em SRA são o borbulhamento da água por aeração, que gera gotículas que se comunicam entre os tanques e o contato direto dos peixes, favorecido pelas altas densidades de estocagem. Há também os vetores como o parasita Argulus (“piolho de peixe”), material e equipamento usados na rotina e as próprias pessoas. A estes somam-se o alimento vivo, fresco ou congelado, facilmente contaminável por bactérias e a ração seca, susceptível ao tempero de fungos, cujas micotoxinas causam intoxicação e morte aguda dos animais.
Desinfecção e esterilização em SRAs
Dada a sua capacidade disseminadora de patógenos, principalmente porque passa e repassa pelos tanques inúmeras vezes, a água de SRAs deve receber atenção máxima. Assim, dois métodos de desinfecção comumente usados, a esterilização por raios ultra-violeta (UV) e ozonização são componentes ímpares no controle de enfermidades em SRA.
Esterilização ultra violeta
Esses esterilizadores tipicamente consistem de lâmpadas produtoras de UV protegidas por um vidro ou luvas de quartzo devendo ser instaladas sob a passagem de água. A dose letal é determinada pela intensidade ou voltagem da lâmpada, tempo de contato ou taxa de passagem e transparência da água e ainda, por características biológicas e de tamanho do patógeno-alvo. A manutenção e reposição periódicas das lâmpadas são muito importantes uma vez que elas perdem seu poder inicial à medida que são usadas. Em geral são trocadas a cada 6-9 meses.
Ozonização
O sistema de desinfecção por ozônio introduz O3 em uma câmara de contato, a qual deve ser isolada do local principal de estocagem dos peixes. O ozônio reage e quebra moléculas dissolvidas ou em suspensão, bem como moléculas internas de patógenos presentes na água. Além de esterilizar, o ozônio ajuda em outras partes do sistema promovendo claridade da água através da quebra de partículas orgânicas que a turvam. Também melhora a biofiltração pela redução da carga orgânica no biofiltro. Espécies têm sensibilidades diferentes aos resíduos de ozônio; pequenas quantidades na água podem matar peixes e uma porção residual no ar pode ser tóxico para humanos. Em água salgada, a atividade de remoção ou dissipação de ozônio é tipicamente mais lenta do que em água doce e subprodutos da ozonização podem aumentar o risco de doenças (há indícios de que são uma das causas de erosão na cabeça e da linha lateral de peixes).
Químicos e antibióticos em SRAs: Implicações para o biofiltro
Adequações de manejo como o incremento das trocas de água, nem sempre são capazes de debelar problemas de surtos de doenças, daí a necessidade do uso de químicos. Entretanto seu uso é limitado devido ao risco de comprometimento do biofiltro, peça fundamental dos sistemas de recirculação. Estudos mostram que a formalina (“formol”), verde malaquita (ilegal para uso em peixes), azul de metileno, sulfato de cobre e permanganato de potássio causam, em graus diferentes, efeitos inibitórios nas bactérias do biofiltro. Desse modo, o verde malaquita não mostrou impactos no biofiltro a 0,1 mg/L, combinado ou não com formalina a 25 mg/L. De maneira similar, sulfato de cobre a doses de 1 mg/L e 5 mg/L não teve efeito significativo na biofiltração. Já o permanganato de potássio causou 86% de inibição bacteriana a uma dosagem de 1mg/L, mas a 4 mg/L não redundou em efeitos inibitórios expressivos.
Enquanto alguns estudos mostram que 25 mg/L de formalina não tem efeito notável, há outros constatando redução da atividade bacteriana do filtro em 27% quando usada a 15 mg/L. A maioria dos aquicultores considera seguro o uso de formol na dose de 15-20 mg/L. Deve-se ressaltar que a formalina combina-se com o reagente de Nessler (que é um componente da maioria dos kits para testes de amônia), dando um resultado falsamente elevado de amônia. Nesse caso, recomenda-se fazer o teste com reagente salicilato, que não reage com o aldeído fórmico.
Deve-se considerar que o verdadeiro impacto dos diversos químicos em um dado sistema depende da combinação de fatores tais como a concentração da substância química, período de tempo sob tratamento, carga orgânica, pH, temperatura, alcalinidade, taxas de filtração, concentração de oxigênio, densidades de estocagem. Mais matéria orgânica no sistema reduz a probabilidade das bactérias do biofiltro de serem atingidas ou mortas por esses químicos. No entanto, cargas orgânicas excessivas levarão à inefetividade dos químicos como tratamentos.
Em SRA antibióticos são contra-indicados para banhos pela sua ação direta na destruição das espécies de Nitrosomonas e Nitrobacter e também pelo perigo da instalação no biofiltro de cepas patogênicas e resistentes a drogas. Estudos demonstram que o uso de antibióticos em banhos para tratamento reduz de 44 a 100% a eficiência do biofiltro. Peixes em SRA são tratados em tanques isolados, sendo reintegrados ao sistema somente após a troca de 100% da água.
Uma substância comumente usada em sistemas de recirculação é o sal ou cloreto de sódio (NaCl), o qual se mostra eficaz para prevenir e reduzir infecções parasitárias, prevenir o estresse e ainda, para controlar concentrações de amônia tóxica. A maioria dos peixes tropicais tolera NaCl de 1-3 g/L, concentração esta que não é prejudicial ao filtro biológico.
Conclusões
A busca por sistemas sustentáveis é um dos grandes desafios na produção comercial de animais aquáticos. Por suas inegáveis qualidades como sistema de produção flexível, demandando ínfimas quantidades de água e terra, além de quase não emitir efluentes, os sistemas de recirculação têm despertado interesse em todo o mundo. Entretanto, embora considerados estado-da-arte, os SRAs ainda carregam um conjunto próprio de problemas. Designs e componentes destes sistemas continuam sendo desenvolvidos e melhorados. Estudos buscando formas de tornar os SRAs economicamente mais acessíveis também estão florescendo.
As medidas sanitárias preventivas são determinantes para evitar as enfermidades nos SRAs. As patologias, advindas primariamente de defeitos de funcionamento em alguma das peças de engrenagem do sistema, como o biofiltro, impõem aos SRAs um manejo estrito. Controle de qualidade da água é fundamental já que suas variáveis afetam a integridade do sistema imune dos animais, influenciam o crescimento e multiplicação de patógenos diversos e determinam, ainda, a velocidade dos processos de nitrificação do biofiltro. Saber como antibióticos e químicos afetam o sistema é, adicionalmente, importante. Tais atitudes maximizam as chances de sucesso na adoção de SRAs.
Saiba mais na Panorama da AQÜICULTURA:
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Recirculação de Água na Engorda de Camarões Marinhos
Por: Alberto J.P. Nunes – Edição 71 – maio/junho – 2002
Sistemas fechados com tratamento e reuso de água
Por: Fernando Kubitza – Edição 95 – maio/junho – 2006
Referências Bibliográficas:
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