Por Luis Vinatea – Professor do Departamento de Aqüicultura da UFSC,
Pesquisador do Laboratório de Camarões Marinhos de Barra da Lagoa e Consultor da Empresa Aquainvest – Consultores em Aqüicultura Ltda.
Faz aproximadamente 11.000 anos, no período Neolítico, o gelo formado na última grande glaciação começou a se retirar rumo ao norte, a um ritmo de 50 metros por ano. Nessa direção também, iam os animais e, atrás deles, o Homem, pois dependia destes seres para a obtenção das indispensáveis proteínas.
Naqueles remotos tempos, os seres humanos conseguiam seu alimento mediante duas únicas formas: caça e recoleção. A caça de animais selvagens era praticada exclusivamente pelos homens das tribos e, a recoleção de frutos e plantas silvestres, pelas mulheres e crianças.
Mas naquela época, bem no ponto onde se unem África, Ásia e Europa (extremo oriental do Mediterrâneo), aconteceu uma pequena modificação no comportamento alimentar dos nossos ancestrais, que viria alterar todo o curso do progresso da Humanidade. Esta mudança de comportamento era, na verdade, simples, mas seu impacto viria a ser enorme. Hoje, muita gente não lhe dá grande importância, apenas a chamam de agricultura.
A verdadeira agricultura nasceu com o cultivo do trigo e da cevada silvestres, que são plantas nativas da região do Meio Oriente. Na mesma época, no continente americano, o Homem descobriu que o milho dava para ser cultivado, e, na Ásia nascia também o cultivo do arroz. O que o Homem fez, na verdade, foi iniciar um processo de desenvolvimento importantíssimo, chamado de domesticação. A domesticação consiste na transferência de organismos de seu meio ambiente natural para um ambiente de cultivo ou de cativeiro, e no isolamento reprodutivo das populações selvagens de plantas e animais. Quando os cavernícolas perceberam que as plantas podiam ser cultivadas, passaram logo a domesticar animais. Primeiro foram o cachorro, a cabra e a ovelha, e depois, o boi e o porco. Tão afortunados foram estes cultivos e criações a finais da Idade de Pedra que, ainda hoje, as plantas e animais que então foram domesticados, continuam sendo as mais importantes fontes de alimentos em todas as operações agropecuárias em grande escala.
A Domesticação dos Organismos Aquáticos
Na lendária China, faz uns 4.000 anos aproximadamente, nasce a aqüicultura com o monocultivo da carpa. Mas, antes disto, os chineses já utilizavam as macroalgas marinhas como fonte de alimento. Certos documentos históricos parecem sugerir que os chineses, de certa forma, cultivavam estas macroalgas em estruturas submersas na água, confeccionadas com varas de bambu. Foram as macroalgas então, os primeiros organismos aquáticos a serem cultivados pelo Homem. Pode-se perceber então que o Oriente foi o berço da aqüicultura, e não é por coincidência que hoje, o continente asiático responda por 85% (13,6 milhões de toneladas) da produção mundial dos produtos aquáticos cultivados. Igualmente, a carpa, que foi o primeiro peixe a ser cultivado pelo Homem, representou, em 1992, mais de 75% (4,5 milhões de toneladas) do total mundial dos peixes produzidos mediante aqüicultura (6,1 milhões de toneladas).
Na atualidade, a produção comercial de organismos aquáticos de cultivo mais representativos inclui 98 espécies de peixes, 18 de crustáceos, 10 de moluscos e 20 de plantas, sendo que, do total da produção, 53 % corresponde ao grupo dos peixes, 24,4 % ao das plantas aquáticas, 18,6 % aos moluscos e 5,0 % aos crustáceos. Porém, apesar deste grande número e diversidade, são poucas as espécies consideradas domesticadas, a saber: carpa comum, carpa chinesa, carpa indiana, bagre do canal, tilápia, truta, salmão, tainha, milkfish e alguns peixes ornamentais.
Um Pouco de História
Descrever a história particular de cada espécie seria, obviamente, extremamente cansativo, no entanto, podemos enumerar cronologicamente alguns fatos importantes da evolução histórica da aqüicultura:
– Nascimento da aqüicultura na China com o Cultivo da carpa, no ano 2.000 a.C.
– Certas pinturas do Antigo Egito, que ilustram tanques de peixes ornamentais, demonstram que esta cultura também praticava a aqüicultura.
– Na Antiga Roma, os itálicos começaram um tipo de cultivo de peixes costeiros, que ainda subsiste na atualidade.
– Nascimento da piscicultura marinha na Indonésia, 1.400 d.C., com o cultivo do milkfish (Chanos chanos).
– Há evidências indicando que, no continente europeu, a piscicultura começou a se desenvolver na Idade Média, nos monastérios religiosos.
– Em 1765, Jacobi publica no Hannoverschen Magazim, a técnica da fecundação artificial da truta, mas caiu no esquecimento.
– Em 1842, nasce a verdadeira salmonicultura, com o redescobrimento da fecundação artificial, atribuído aos franceses Gehim e Remy.
– O naturalista alemão Fritz Müeller, descobre, em 1863, o padrão geral de desenvolvimento larval dos peneídeos, em Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis, SC, Brasil).
– Primeiros trabalhos sobre reprodução induzida mediante extratos pituitários de peixes: Houssay na Argentina (1928) e Rodolpho von Ihering no nordeste brasileiro (1935).
– Nascimento da carcinicultura marinha em 1934, quando Motosaku Fuginaga, no Japão, consegue obter larvas de Penaeus japonicus em laboratório.
– Na África central, depois da Segunda Guerra Mundial, é descoberta a possibilidade do cultivo das tilápias.
A partir de 1950, desenvolveram-se simultaneamente três fatores que modificaram intensamente a fisionomia da aqüicultura: modernização dos meios de comunicação e de transporte, aperfeiçoamento da reprodução artificial e progresso no campo da nutrição, com o desenvolvimento dos alimentos balanceados. Os atuais avanços que estão sendo conquistados na área da genética poderão, em pouco tempo, possibilitar o aumento do número de espécies aquáticas domesticadas.
Pesca Extrativa versus Aqüicultura
Segundo a FAO, os alimentos aquáticos consumidos em 1992, chegaram aos 65 milhões de toneladas, dos quais 25% (16 milhões de toneladas) foram gerados pela aqüicultura.
A importância que a aqüicultura tem para o Homem moderno baseia-se no fato desta servir como promissora alternativa da pesca extrativista, a qual, segundo diversas previsões, estará chegando ao seu limite máximo sustentável de captura em 1995, com um total de 100 milhões de toneladas de produtos ao ano. Com o atual ritmo de crescimento que a aqüicultura está experimentando (8,5% ao ano), estima-se que no ano 2.000 (daqui a cinco anos), os produtos gerados pela aqüicultura poderão ultrapassar 35% do total de alimentos aquáticos colocados a disposição no mercado mundial.
Fazendo um paralelo histórico com a agropecuária, observamos que, no passado, as atividades de caça foram rapidamente substituídas pela pecuária, e as de recoleção, pela agricultura. O que é a pesca afinal, se não uma atividade de caça-recoleção altamente tecnificada? Poderia algum dia, com o progresso da aqüicultura, a pesca passar a ocupar um segundo plano, assim como sucedeu com a caça e a recoleção? Isto parece bastante provável se consideramos dois fatos importantes: o limite máximo sustentável de captura da pesca e o explosivo crescimento demográfico humano. Para se ter uma idéia da realidade desta análise, devemos considerar que em 1960 a população da Terra era de 3 bilhões de habitantes, número que demandou 30.000 longos anos para ser formado. Mas para o ano 2.000, em apenas 40 anos, esta população ter-se-a duplicado, ultrapassando os seis bilhões de almas. Com as atuais taxas de crescimento demográfico mundial, a cada segundo nascem três pessoas, o que significa dizer que a cada ano, aproximadamente 100 milhões de novos seres humanos se instalam no planeta.
É obvio que a pesca, uma vez estagnada no seu limite máximo sustentável, não conseguirá atender a demanda exponencial de alimentos aquáticos por parte de uma população cada vez maior e mais faminta. É óbvio também que, num futuro próximo, a humanidade toda voltará seu olhar para aquela única atividade que poderá suprir esta enorme demanda: a aqüicultura!
Possivelmente, dentro de alguns poucos anos, teremos o privilégio de assistir “ao vivo” um evento histórico transcendental: a transformação do binômio agro-pecuário, no trinômio agro-aqüi-pecuário. E, conforme disse o sociólogo francês Ignacy Sachs, do Centre de Recherche sur le Bresil Contemporain, o caçador do mar poderá ter sua própria “revolução neolítica”, transformando-se em um eficiente cultivador do mar e, por que não, cultivador de rios, lagoas e qualquer outro corpo de água que permita a vida destes nossos caros organismos com brânquias.