Aqüicultura sustentável enfoque sobre o cultivo de espécies exóticas

Por: André M. Brugger


Quando estive no DPA/MAPA o setor aqüícola nacional discutiu exaustivamente o uso de espécies exóticas nos cultivos e, àquela época, os argumentos usados em favor das mesmas eram de que o país tinha todo o seu agronegócio baseado em espécies exóticas (soja, arroz, milho, feijão, café, aves, suínos, bovinos, só para falar de algumas). Naquela época, estes argumentos pareciam irrefutáveis e eu, particularmente, achava que esse era um assunto “esgotado”, entretanto, seguidamente vemos o assunto voltar à tona.

Diante deste dilema fui buscar, na tese dos críticos ao cultivo das exóticas, a defesa para o seu cultivo. Todos falam, sem distinção, que devemos perseguir o “Desenvolvimento Sustentável”. Mas, afinal, o que é desenvolvimento sustentável?

Buscando na literatura encontramos que o conceito de desenvolvimento sustentável foi divulgado em 1986, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, considerando, além do crescimento econômico, o meio ambiente, a comunidade, sua cultura e as tradições locais, harmonizando o desenvolvimento com os interesses coletivos e proporcionando às gerações futuras o usufruto dos meios necessários para atender suas necessidades essenciais. Indo mais além, vemos que a sustentabilidade implica na incorporação de “dimensões” na busca do desenvolvimento. Um projeto, programa, ou ação que pretenda ser sustentável deve levar em consideração, além das dimensões econômicas, as dimensões ecológicas, sociais, espaciais, culturais e político-institucionais.

Sob este prisma, vamos, então, analisar criticamente quem pode garantir maior sustentabilidade em todas estas dimensões, o cultivo de espécies nativas ou o cultivo de espécies exóticas. Comecemos pela “dimensão social”: temos que pensar em projetos aqüícolas que incrementem os indicadores sociais, promovam o resgate da cidadania, a inserção no mercado de trabalho, a geração de emprego/renda/trabalho, enfim, a melhoria nas condições gerais de vida dos beneficiários/usuários. Dentro da questão da geração de emprego/trabalho/renda, temos ainda que avaliar os diferentes modelos de desenvolvimento possíveis, desde o modelo empresarial de grande escala, até os modelos comunitários. Pois bem, o cultivo de que espécies podem realmente assegurar esses ganhos sociais ao maior número de beneficiários/usuários possível. Nativas ou exóticas?

Pensemos agora na “dimensão político-institucional”: teríamos que buscar projetos aqüícolas que permitissem o fortalecimento político das Instituições envolvidas com a questão. No “âmbito” federal teríamos que o projeto deveria apresentar certa compatibilidade com o Programa Fome Zero, com a macro-política de distribuição de renda e promoção social e com o aumento das exportações. Deveríamos assegurar, também, que os projetos sejam construídos dentro de um processo de participação popular (através de Agendas 21 ou de outras metodologias que “invertam” a maneira de formular políticas da  “de cima para baixo” para a “de baixo para cima”). Isso, sem esquecer de levar em conta as questões políticas estaduais e municipais, bem como a legislação vigente sobre o tema. Dentro deste enfoque, retornamos a pergunta, a sustentabilidade política-institucional de um projeto aqüícola atualmente é mais fácil de ser alcançada com o cultivo de uma espécie nativa ou exótica?

Sigamos com a nossa análise passando para uma outra dimensão, a “econômica”: no meu ponto de vista, nesta dimensão, a superioridade das exóticas é notória. O cultivo de espécies exóticas com pacotes tecnológicos conhecidos e nacionalizados pode garantir maior viabilidade aos empreendimentos, quer estes sejam de grande ou de pequeno porte.

Se partirmos para a linha de financiamentos com juros subsidiados pelo governo então, nos deparamos com o dilema de que um financiamento pode ser a última alternativa econômica para um grupo de pessoas, cujo empréstimo mal aplicado pode ser a “corda que falta para se enforcar de vez”.  Lembrando, ainda, que quem paga a diferença entre os juros subsidiados pelo governo e o juro real somos nós, contribuintes, pergunto: Com que espécie você quer que o aqüicultor faça a sua safra sabendo que, mesmo com subsídio, uma hora ele vai ter que pagar o Banco? Com uma espécie exótica de cadeia produtiva sólida, insumos disponíveis, tecnologia dominada e mercados conhecidos, ou com uma espécie nativa onde falta pelo menos um destes pontos, senão todos?

Vamos à frente, passemos para a “dimensão espacial”: neste ponto pretende-se que o projeto aqüícola respeite os diversos usos dos recursos naturais, notadamente do solo (compatibilizar com os outros usos como agricultura, pecuária, turismo, habitação, etc.) e da água (geração de energia, pesca, recreação, etc.), numa perfeita harmonia de ocupação dos espaços. Neste caso, estamos diante da necessidade de realização de zoneamentos, de planos diretores e de planos de manejo, enfim, de planejamento. A matéria prima para o planejamento é a informação, pois sem informação não se faz um bom planejamento. Sobre espécies nativas ou exóticas dispomos de mais informações?

Seguindo na nossa análise, vamos para a “dimensão cultural”: deveríamos pensar em projetos que fossem capazes de manter as tradições locais, a cultura, a arte e os valores dos beneficiários/usuários. Por isso, a aqüicultura se mostra uma excelente alternativa ao pescador, pois o mesmo gosta da lida com o pescado, está acostumado com água, botes, redes, gelo, isopor, etc. tendo, porém, que se adaptar com a transformação comportamental da mentalidade “extrativista” para aquela “de plantar hoje para colher depois”. Dentro do ponto de vista da expressão cultural que temos, por exemplo, através da nossa culinária, as espécies nativas gozam de uma clara vantagem sobre as espécies exóticas (talvez pela primeira vez neste ensaio), já que a nossa culinária é repleta de pratos como pintado na brasa, costela de tambaqui, lambari frito, entre outros.

Por fim, passemos para a análise da última dimensão, nem menos, nem mais importante que as demais, a “dimensão ecológica”: para conseguir sustentabilidade nesta dimensão, devemos pensar em uma aqüicultura que cause a menor poluição possível, no solo, na água e até mesmo sobre o aspecto visual. Sabemos que muitos dos problemas ecológicos dos cultivos podem ser minimizados com um bom zoneamento/planejamento e com a definição da capacidade suporte do ambiente em questão para o sistema de cultivo proposto. Como já foi mencionado, pesa em favor das espécies exóticas o conhecimento que se tem sobre sua biologia e metabolismo, que permite que se façam inferências mais precisas sobre os outputs da produção em determinado sistema. Esse conhecimento permite que os usos dos recursos naturais, quer como insumos, quer como diluentes de metabólitos, sejam mais precisamente dimensionados.

Atualmente a comunidade aqüícola vem discutindo bastante a questão do cultivo de espécies carnívoras X espécies herbívoras/onívoras. Incidem contra as primeiras o grande consumo de proteínas animais (quase 5:1). Por quê em um planeta carente em proteína animal, destinamos 5 Kg de anchoita para gerar apenas 1 Kg de salmão? É, ou não é uma grande perda energética? Em contraponto, sobe o “ibope” do cultivo das espécies herbívoras e omnívoras. Diante deste enfoque, claro que cabe perguntar, o que é mais sustentável dentro da dimensão ecológica, o cultivo de uma espécie nativa carnívora ou o cultivo de uma exótica onívora?

Outro ponto interessante na dimensão ecológica é a questão do aproveitamento dos resíduos. Com a tilápia, por exemplo, já se tem tecnologia de aproveitamento e mercado para parte de sua pele, entretanto, falta um melhor aproveitamento para as escamas e para o sangue. No caso do camarão e das ostras/mexilhões, as cascas/conchas ainda continuam a ser mais “lixo” do que matéria prima.

Os pontos em que os críticos das espécies exóticas mais se concentram, são a perda de biodiversidade e a disseminação de doenças. Já analisamos várias coisas igualmente importantes até aqui, nas diversas “dimensões da sustentabilidade”, por isso, cabe a pergunta: será que não está se dando importância demasiada apenas para este item?

A fuga de animais do cativeiro para o ambiente natural é uma questão de engenharia e a propagação de doenças uma questão de sanidade animal. Se o sistema de produção for realmente seguro (tanques escavados, bem compactados, com filtros e tanques de emergência nas drenagens) o risco da fuga diminui sobremaneira. Do mesmo modo, os devidos cuidados e as medidas profiláticas adequadas podem eliminar os riscos de propagação de doenças, que, diga-se de passagem, podem estar presentes tanto em cultivo de organismos exóticos quanto de nativos. Porém, vamos admitir que organismos exóticos adentrem no ambiente. Como não existem naquele ambiente, já que são exóticos, sua competição se dará, principalmente, por nicho ecológico. Onde foi comprovado que uma espécie exótica tenha tomado conta do nicho de uma espécie nativa e quais prejuízos decorreram deste fato?

Agora pensem na fuga das espécies “nativas” da nossa aqüicultura para o ambiente. Coloco a palavra entre aspas, pois nossos peixes nativos, cultivados há mais de duas décadas a partir de casais repetidamente sendo cruzados, estão geneticamente distantes das populações selvagens, possivelmente com elevadíssimas taxas de homozigose. Isso sem falar nos híbridos que criamos nos laboratórios. O que acontecerá quando um “bicho” destes for para a natureza? Talvez o impacto seja até maior, pois estes animais têm a possibilidade de cruzar com seus “parentes” selvagens. Não seria esta uma possibilidade concreta de perda de biodiversidade também?

Quanto a este tema em particular a conclusão que se chega é a de que peixe de cultivo tem que ficar no cultivo e sadio, quer ele seja exótico ou nativo e, a engenharia e a veterinária têm que assegurar isso da melhor maneira possível. Bem, caros leitores, diante da interpretação dos fatos expostos até aqui, particularmente, acredito que não exista projeto aqüícola mais sustentável do que aquele que atenda os seguintes requisitos:

• Seja comunitário;
• Esteja envolvendo pescadores artesanais organizados;
• Seja construído com base na participação dos usuários/beneficiários;
• Tenha forte arranjo institucional;
• Utilize tilápias sexadas manualmente, não modificadas geneticamente;
• Preze pela qualidade e pelos custos de produção do seu produdo, de modo que seja possível sua exportação;
• Aproveite ao máximo os subprodutos gerados;
• Utilize o sistema de tanques escavados (o mais seguro possível);
• Utilize alimentação artificial com rações balanceadas sem proteína animal, porém aproveitando o alimento natural (promovido através de adubação orgânica);
• Seja implantado em local onde tenha sido feito um zoneamento ecológico-econômico prévio e cuja capacidade de suporte seja conhecida;
• Seja implantado em local onde exista um sistema eficaz de monitoramento e fiscalização.

Alguém concorda?


André Macedo Brügger é Oceanólogo, Mestre em Aqüicultura, Diretor Executivo da FISHTEC Consultores Associados e Professor de Elaboração e Análise de Projetos no Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB.