Aqüicultura Sustentável?


Por: Luis Vinatea 
Professor do Departamento de Aqüicultura da UFSC, Pesquisador do Laboratório de Camarões Marinhos de Barra da Lagoa e Consultor da Empresa Aquainvest – Consultores em Aqüicultura Ltda.

Ultimamente, no mundo todo, fala-se cada vez mais em aqüicultura sustentável. A “sustentabilidade” dos cultivos está associada quase sempre com ecologia e, para que um tipo de aqüicultura seja sustentada, deve haver uma preocupação com a preservação do meio ambiente tratando os efluentes e evitando o desmatamento de mangues ou matas nativas no momento da construção dos viveiros.

Antes de se discutir esta idéia generalizada é preciso, primeiramente, analisar o surgimento do conceito de sustentabilidade, que tem sua origem no modelo de desenvolvimento conhecido como Desenvolvimento Sustentado (DS).

Este conceito entrou em cena em 1987, com a publicação do documento “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esta obra também é conhecida como “Relatório Brundtland”, pelo fato da comissão que o elaborou ter sido presidida pela então primeira ministra da Noruega, Gro Harlen Brundtland.

O documento situa a questão ambiental dentro das relações desiguais entre os países, do aumento da pobreza e, considera o desenvolvimento como uma meta que não se restringe ao crescimento econômico. A novidade que traz este relatório é a incorporação da natureza como um bem de valor dentro da cadeia de produção, atribuindo-lhe um custo que passa a ser contabilizado na produção. O DS também é apresentado como aquele que deve atender as necessidades e aspirações do presente, sem comprometer a possibilidade de atendê-las no futuro.

Assim, vemos que qualquer atividade de produção, para ser “sustentada”, precisa se desenvolver simultaneamente em três direções: social, econômica e ambiental. Isto, pode ser alcançado adotando princípios de eqüidade social, crescimento econômico e equilíbrio ecológico.

Neoliberalismo x Sustentabilidade

Embora o conceito de sustentabilidade possua excelentes elementos teóricos que tem garantido sua ampla aceitação no mundo inteiro, não faltam posições que questionem a sua validade filosófica. O principal argumento contra a proposta do DS é que esta é extremamente normativa (alienante), não aceitando portanto nenhuma perspectiva analítica. Segundo isto, antes de aceitar de “olhos fechados” as suas diretrizes, seria necessário entender primeiro as causas da crise que deram lugar ao surgimento desta proposta.

Os críticos desta vertente explicam que o DS é a contraproposta do modelo de desenvolvimento dominante, conhecido como neoliberalismo. Segundo eles, o modelo neoliberal (NL) aplica o princípio do máximo lucro nos processos de produção. A dimensão econômica do modelo NL suga da dimensão social a força de trabalho, devolvendo exploração e exclusão social; esta dimensão econômica também suga matéria (recursos) e energia da dimensão ambiental, devolvendo degradação e poluição ao meio ambiente natural. A crítica ao NL recai na sua dimensão econômica. Já o DS, é criticado pelo fato deste não se identificar, necessariamente, com um projeto político democrático. Conforme a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na medida em que a natureza se torna um custo incorporado à produção (que é o discurso do DS), é possível ingressarmos numa era de preservação e disputa pelo capital ambiental.

O marco referencial de um modelo alternativo de desenvolvimento é aquele que atende, de fato, às necessidades da sociedade civil democrática, garantindo uma ordem social justa, o respeito à vida e o reconhecimento dos direitos sociais. Só com esses parâmetros seria possível lutar por novos estilos de vida, pela reorientação dos atuais níveis de consumo e produção em termos globais, sem reeditar as mesmas bases que sustentam o atual modelo de sujeição e exploração das forças humanas e naturais. Desta forma, se queremos desenvolver uma aqüicultura do tipo sustentável, precisamos entender primeiro que esta não se pode limitar apenas ao contexto do meio ambiente, nem exclusivamente ao aspecto econômico. É preciso avançar mais na dimensão social.

Se o DS não se ajusta a um projeto político democrático, que rumos a aqüicultura deveria seguir para aspirar ser verdadeiramente sustentável?

Recentemente, um novo modelo tenta resgatar os fundamentos do DS. Conhecida como Ecodesenvolvimento (ECO), esta nova proposta contempla a justiça social, a eficiência econômica e a prudência ecológica. Os seguidores deste novo paradigma afirmam que o desenvolvimento socioeconômico do ser humano deve partir de três bases centrais: geração de emprego, luta contra a fome e luta pela integração social (Sach, 1994).

O ecodesenvolvimento exige que o homem assuma, frente a natureza e a sociedade, uma postura rigorosamente coerente; coerência que só pode ser alcançada mediante uma profunda reflexão ética.

Diante dos tremendos problemas sociais e ambientais que o Brasil e o mundo apresentam, pode-se afirmar que nunca a humanidade teve tanta responsabilidade para com seu próprio futuro, nunca precisou tanto de uma ética que ultrapassasse os interesses imediatos dos indivíduos, e abra as perspectivas do futuro para a humanidade inteira (CNBB, 1993).

Ética Pessoal

Mediante a reflexão ética, é perfeitamente possível orientar o desenvolvimento da aqüicultura, começando por simples questionamentos, tais como: é possível fazer a aqüicultura priorizando sua prática ao resgate da pessoa humana? Para quem produzimos nossos peixes, moluscos e camarões? Nosso trabalho procura aliviar os profundos problemas sociais do nosso país mediante a efetiva geração de emprego (com salário justo), produção de alimentos acessíveis a população pobre e promoção da integração social, reincluindo ao contexto econômico nacional os “excluídos” sociais?

Muitos profissionais da área sustentam que não é possível esquecer o fator econômico da aqüicultura, porque se não, como então seria operacionalizada a produção? Acontece que, segundo a visão do ECO, não se trata de esquecer o fator econômico e sim de torná-lo realmente eficiente, sem passar por cima do ser humano e do meio ambiente. Eis aqui o real desafio!

Programas de Desenvolvimento

Os programas de desenvolvimento da aqüicultura, sejam estes estatais ou privados, para serem verdadeiramente “sustentáveis”, deveriam no mínimo ser analisados com a participação de equipes interdisciplinares. Estas equipes deveriam incluir, além de aqüicultores, sociólogos, antropólogos, geógrafos, economistas e ecólogos, possuindo todos eles um referencial teórico comum sobre a problemática sócioambiental da região onde se pretendam fazer aqüicultura.

Existem ferramentas valiosas para atingir tal fim, como por exemplo a Análise Ambiental, que investiga profundamente não apenas o ecossistema como também o geossistema, o qual possui um caráter bem mais sistêmico (holístico).

Até o momento, o máximo que a aqüicultura tem alcançado em termos de integração ambiental, é olhar o sistema de cultivo sob a ótica dos ecossistemas, onde ficam relacionados quase todos os subsistemas aquáticos (físico, químico e biológico).

A adoção da ótica geossitêmica viria a ser uma tentativa de ampliar esta visão integradora, olhando o sistema de cultivo como sendo parte de um grande complexo que ultrapassa as fronteiras do meio aquático dos nossos cultivos. Na verdade, uma unidade de cultivo comporta-se basicamente como um sistema aberto integrado a um conjunto ambiental (físico, biológico e antrópico), onde existe um fluxo constante de matéria e energia. É loucura tentar abordá-lo de forma isolada e reducionista.

Quanto a ética, especificamente a ética profissional na aqüicultura, é importante compreender que esta decorre da própria natureza social do ser humano, onde o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum. É preocupante que ainda não se tenha tomado consciência de que desvios éticos da sociedade provenham da ausência de formação ética de muitos profissionais (Moser, 1986).

É imperativo que qualqeur profissional e, em nosso caso o profissional de aqüicultura se faça sempre esta pergunta: que prioridades devo respeitar tendo como critério o bem comum da sociedade? Como exemplo desta questão central podemos fazer a seguinte pergunta: a sociedade toda ou o bem comum serão beneficiados transformando áreas de preservação permanente em viveiros de aqüicultura (como é o caso da carcinicultura marinha versus maguezais)? O escandaloso desconhecimento acerca da vasta complexidade ecossistêmica dos manguezais e da sua primordial importância para a vida aquática natural, leva certas pessoas a afirmar que a legislação de preservação é idiota, incoerente ou contraditória.

Devido a este e outros tipos de conflitos, hoje mais do que nunca precisamos discutir amplamente a “sustentabilidade” social, econômica e ambiental da aqüicultura. É imperativo reverter o fato de que a nossa atividade carece de uma estrutura conceitual, que não possui fundamento filosófico que norteie suas pesquisas e que desconhece seu prórpio paradigma (visão de mundo). Só mediante debates de ampla participação poderemos determinar a verdadeira vocação da aqüicultura, a qual, na minha opinião pessoal, está destinada a se tornar uma das grandes ferramentas do progresso da humanidade.

OPINIÕES

Algumas opiniões sobre o texto do Professor Luis Vinatea

“A sustentabilidade é um conceito que tem ganho cada vez mais defensores, principalmente após o evento RIO-92, não apenas no que se refere à aqüicultura mas a todas as atividades econômicas. Muitos desses adeptos, entretanto, não têm o conhecimento preciso do assunto, confundindo-o com a adoção de uma postura em favor da preservação ambiental.

O artigo do Prof. Vinatea tem como primeira virtude, brindar os leitores da Panorama da AQÜICULTURA com essa fundamentação conceitual, equilibrando concisão e profundidade.

Uma outra virtude está nas interrogações que lança com respeito ao papel social da aqüicultura. A literatura especializada e em especial os programas governamentais relacionados ao assunto, são pródigos em ressaltar o potencial da aqüicultura e, especialmente da piscicultura, como geradora de proteína barata, que poderia aliviar as carências nutricionais da nossa população. Apesar disso, observamos que os cultivos que mais se desenvolvem na aqüicultura brasileira estão vinculados ao mercado externo ou ao consumo das faixas populacionas de renda mais elevadas.

É muito importante levantar essas questões em um país tão desigual como o nosso, se o queremos mais justo.

Finalmente, é luvável o chamamento à ética profissional, pois é sobre esse alicerce que haveremos de construir a nação com que sonhamos para a nossa geração e para as que nos sucederão”.
Francisco Raimundo Evangelista – Engenheiro Agrônomo e Gerente do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE) do BNB – Banco do Nordeste do Brasil S.A.

“A produção aqüícola, que tem como ambiente a água é autolimitante, pois é a mais dependente da “sustentabilidade” do ambiente. A degradação do mesmo causa perdas imediatas e, ao longo, inviabiliza a produção.

Quanto mais intensiva, mais “engenho e arte” devem ser aplicados para manter a produção. As preocupações éticas manifestadas pelo autor, além de válidas, mostram seu alto grau de humanização. De todas as espécies existentes, somente o homem manipula o ambiente e as outras espécies em benefício próprio “criando” alimentos e bens e, também é a única que tem consciência de que a quantidade de matéria (energia) do planeta em que vive é finita; de que a energia não se cria, só se transforma; de que qualquer transformação da matéria ou transferência de formas de energia levam ao aumento da entropia, da desorganização. Ciente de sua própria finitude, os seres humanos são obrigatoriamente éticos.

Concordo com o autor sobre a aqüicultura vir a ser uma das grandes ferramentas do progresso da humanidade”.

Ema Magalhães Leboute – Engenheira Agrônoma, Professora do Setor da Aqüicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRS.