AQUISHOW 2018

Por: Jomar Carvalho Filho | [email protected]
Editor da Panorama da AQÜICULTURA

Foi realizado entre os dias 15 e 17 de maio, em Santa Fé do Sul (SP), o Aquishow Brasil 2018, encontro de negócios e conhecimentos da piscicultura nacional, organizado pela Associação dos Piscicultores em Águas Paulistas e da União (Peixe SP). Voltado para a cadeia produtiva do pescado, o evento chega a sua nona edição. Segundo os organizadores, foram movimentados R$ 10 milhões em negócios e estiveram presentes cerca de 2.700 pessoas e 106 empresas expositoras. Entre as atrações, as palestras apresentadas atraíram bastante o público participante.


Coordenador de Outorga da Superintendência de Regulação da Agência Nacional de Águas (ANA), Luciano Meneses C. da Silva, foi convidado a mostrar aos piscicultores como são feitos os cálculos e quais os critérios utilizados pela ANA para conceder as outorgas para a criação de peixes em tanques-rede nos reservatórios da União. O palestrante explicou que, inicialmente, é preciso determinar a capacidade de suporte de cada um desses reservatórios, ou seja, deve-se conhecer a quantidade de peixes que poderá ser criada anualmente, de forma sustentável, em cada um deles. “Para chegar a esta resposta, a ANA se utiliza do conhecido modelo de qualidade de água de Dillon e Rigler, que, entre outras variáveis, leva em consideração a carga de fósforo que será introduzida por meio das rações, o quanto ficará retido no peixe e o que será incorporado ao meio ambiente pelos dejetos dos animais”, ressaltou Luciano. Hoje existem 123 reservatórios – 77 relacionados à geração de energia e 46 açudes – com capacidades de suporte já determinadas pela agência, no valor total de 3.970.475,1 toneladas anuais de peixes. Segundo Luciano, dados recentes apontam que, até o último dia 11 de maio, apenas 483.171,1 toneladas (12,2% do total) já foram outorgadas pela ANA, restando um saldo de 3.479.176,1 toneladas, disponíveis nesses 123 reservatórios da União. Ele também apresentou as questões legais e institucionais que orientam as solicitações de outorga para piscicultura em tanques-rede, tanto para parques aquícolas (iniciativa do Governo Federal) quanto para áreas aquícolas (iniciativa privada).

A Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP) esteve representada pela Coordenadora de Aquicultura em Águas da União, Juliana Lopes, que também se destacou no Aquishow com palestra sobre os trâmites do processo de cessão de espaço físico em águas da União para a produção de pescado. O contrato da cessão, onerosa ou não, é um instrumento obrigatório para quem produz e lucra utilizando um patrimônio da União. A base legal, com todas as instruções a serem seguidas, está contida no Decreto 4.895 de 2003, complementado pela Instrução Normativa nº 6 de 2004. Segundo Juliana, por mais que ainda existam outorgas disponíveis, como mostrado pelo coordenador da ANA, os interessados devem consultar a SEAP antes de protocolar qualquer nova solicitação. “O objetivo é verificar previamente se a área a ser pleiteada está disponível”, afirmou. Sobre o controle do órgão em relação às outorgas e cessões, Juliana explicou que, em breve, será publicada uma portaria que tornará obrigatório o envio anual do relatório de produção. Atualmente, apenas o primeiro relatório, após um ano da vigência do contrato de cessão, é obrigatório. Os demais estão sujeitos a uma solicitação da própria SEAP. A norma vigente também prevê que, após a assinatura do contrato de cessão, há um prazo de seis meses para que a produção seja iniciada e de três anos para o alcance da meta de produção pleiteada. Segundo Juliana, tanto o relatório de produção, quanto a exigência de estar produzindo a quantidade de peixe pleiteada no terceiro ano fazem parte de um mecanismo para impedir a chamada “reserva” de outorga. “Se o produtor pleitear a outorga e a cessão de uma área para a produção de 1.000 toneladas anuais e, ao término de três anos estiver produzindo apenas 100 quilos, sua conduta impedirá que outro produtor obtenha a outorga e produza no mesmo reservatório”, explicou. Por fim, Juliana solicitou aos produtores que já deram entrada nos processos de cessão, que atualizem seus dados, principalmente telefone e e-mail, junto à SEAP para que o órgão forneça informações sobre os processos. “Costuma ser grande o número de processos abandonados pelos solicitantes”, disse.

O tema abordado por Felipe Matias, da Aquabras Consultoria, foi a carência de inovações na aquicultura brasileira, seja de produtos, processos, marketing ou organizacional. Segundo Matias, o assunto merece toda a atenção, na medida que há uma expectativa muito grande para que o Brasil se torne, até 2030, um dos grandes fornecedores mundiais de pescado, momento em que a produção mundial deverá ter um incremento de 27 milhões de toneladas para que seja mantido os atuais padrões de consumo de pescado. “As inovações tecnológicas podem proporcionar uma mudança radical na atual tecnologia de produção aquícola no Brasil e no mundo. Essas e outras tecnologias podem parecer distantes e inacessíveis, porém, é um desafio para a indústria aquícola, nos próximos anos, fazer com que elas sejam difundidas e adotadas pelos aquicultores”, garantiu Matias.

Inovação tecnológica também foi o tema da palestra do piscicultor e empresário Wagner Camis. Criador de peixes na represa de Paraibuna (SP), Wagner ofereceu suas instalações para que a startup Immersus Tecnologia pudesse desenvolver um sistema de monitoramento em tempo real do crescimento e engorda dos peixes alojados nos tanques-rede. Na prática, módulos de monitoramento, compostos por câmeras especiais e dispositivo de envio de dados – que utilizam SMS e não internet -, são instalados nos tanques-rede. Tais dados são transmitidos a uma central que avalia, em tempo real, o crescimento e ganho de peso e calcula com precisão a quantidade exata de ração que deve ser fornecida aos animais. Em sua palestra, Wagner apresentou os dados de campo e surpreendeu o público. “Ciclos completos de engorda foram realizados, obtendo taxas de conversão alimentar de 1.26, quando a literatura aponta para 1.7 – 1.8. É uma economia de 30% no consumo de ração”, afirmou. Segundo o piscicultor, com o sistema, é possível obter a mesma produtividade com menos custo e ganhos de R$ 0,50 a R$ 1,00 por quilo produzido. Na prática, para cada 100 toneladas anuais produzidas utilizando o equipamento, economiza-se 54 toneladas de ração, ou cerca de R$ 81 mil.

Perspectivas de diversificação de espécies para a piscicultura brasileira foi o foco da palestra do diretor tecnológico do Projeto Pacu, Martin Halverson. Com uma excelente formação e muita experiência trabalhando na piscicultura brasileira, Martin é, certamente, um dos maiores conhecedores da propagação artificial de peixes brasileiros. “Os peixes de consumo representam 49% do produto da aquicultura mundial, seguido de plantas (27%), moluscos (17%) e crustáceos (7%)”, disse Martin, acrescentando que a produção de peixes em água salgada situa-se ao redor de 10 milhões de toneladas, enquanto a de água doce alcança as 50 milhões de toneladas. O mais curioso, porém, é que 82% dos peixes cultivados no mundo são nativos dos países produtores, contra apenas 18%, que são peixes exóticos. Exemplificou mostrando os três peixes mais produzidos no mundo – a carpa capim (5,8 milhões de t), a carpa prateada (5,1 milhões de t) e a carpa comum (4,3 milhões de t) -, que são produzidas na China, e crescem juntas, consorciadas no mesmo viveiro. Martin falou dos aspectos positivos da diversidade de espécies, pelo fato de que raramente o mundo é tão perfeito e funciona do jeito que a gente gostaria. Explicou que, em geral, o produtor instala a sua piscicultura onde acredita que tem condições de produzir peixes e ganhar dinheiro, e esquece que, inevitavelmente, as ameaças surgem. Lembrou que o clima pode não ser tão estável como esperava; surgem novas doenças; a economia local e mundial mudam, ou mesmo outro peixe mais barato toma o seu espaço no mercado. Até mesmo quando as condições produtivas se mantêm estáveis, o próprio sucesso pode atrapalhar, fazendo com que o seu produto sature o mercado e os preços caiam. Segundo Martin, o produtor não pode parar de aprender nem de ter contato com novas tecnologias. É preciso estar pronto para, por um motivo ou outro, começar a pensar em produzir outras espécies. Martin Halverson aceitou o convite da Panorama da AQÜICULTURA para, a partir da próxima edição, aprofundar o tema da diversificação de espécies nas nossas páginas.

Um debate sobre a viabilidade da aquicultura (criação) e a pesca (extrativismo) estarem na mesma estrutura de governo foi promovido pelos organizadores do Aquishow. Foram convidados Antônio Albuquerque Filho (Associação Cearense de Aquicultura – ACEAq), Carlos Magno C. da Rocha (ex chefe geral da Embrapa Aquicultura e Pesca), Francisco Medeiros (Peixe BR), Cleberson (Binho) Zavaski (ICMBio), Roberto Imai (Compesca/Fiesp) e Sergio Pinho (Assessoria da ABCC). O debate foi mediado por Luiz Ayroza (IPesca/APTA). Antônio Albuquerque defende que devam ocupar estruturas diferentes de governo,  por serem diferentes cadeias que só se encontram no elo do frio e nas prateleiras dos supermercados, e que seria até pertinente a alteração da Lei da Pesca, que diz que toda a empresa de aquicultura é uma empresa pesqueira. Carlos Magno, também concorda que ambas devem estar separadas, já que juntas, toda prioridade é sempre dada a pesca extrativa. Binho Zavaski, que ocupou a chefia de gabinete do MPA, sustenta que as atividades devem estar juntas, ainda que nesses dois últimos anos tenha havido um retrocesso em todas as conquistas dos últimos 15 anos. A permanência dos dois setores na mesma estrutura de governo, também foi defendida por Roberto Imai, que acha que dividir significa criar um “baita de um problema”. Sergio Pinho sugeriu a criação de uma estrutura independente para abrigar ambos os setores, ligada a algum ministério, nos moldes de uma Codevasf ou um Ibama. Já Francisco Medeiros da Peixe BR não tem dúvidas da necessidade de separar a aquicultura da pesca. Criticou as políticas públicas construídas nos anos anteriores, que não geraram benefícios para o aquicultor, enquanto a pesca recebe bilhões para o pagamento de seguro defeso, onde 65% é fraudado, e o subsídio ao óleo diesel. Francisco afirmou que, enquanto o setor da pesca se estruturou para eleger deputados, vereadores e prefeitos, o setor aquícola estava brigando no dia a dia para manter os tanques-rede dentro da água. E considera que os objetivos são bem distintos. “Enquanto grande parte do setor da pesca está envolvida em fazer política pública, o setor da aquicultura está empenhado em fazer negócio, e isso é extremamente distinto dentro de uma estrutura de governo. Se o peixe morrer no tanque, o prejuízo é do produtor. Se o pescador não pescar, recebe dinheiro do governo” disse, se posicionando contrário à permanência de ambos os setores na mesma estrutura. Com o empate em 3 x 3, o mediador, Luiz Ayroza, foi solicitado a se manifestar a respeito e, na sua opinião, as atividades não devem estar sob a mesma estrutura, opinião também compartilhada por quase a totalidade da plateia, também convidada a se manifestar.


Aquishow 2018
Phibro presenteia clientes com workshop do patologista de peixes Natan Wajsbrot

Diretamente de Israel para o Brasil. O patologista de peixes Natan Wajsbrot foi uma das atrações da Phibro para a Aquishow 2018. Na véspera do evento, o integrante da Phibro Aqua, em Israel, apresentou o workshop “Desafios e Soluções para Enfermidades Emergentes na Piscicultura”, ao lado de Mariana Nagata, gerente de negócios da Phibro, e José Dias Neto, gerente de programas de monitoramento sanitário da PREV-VET Sanidade Aquícola, em Jaboticabal (SP).

Natan foi o primeiro patologista a descobrir, em 2009, um vírus até então desconhecido, que causava a morte de tilápias no mar da Galiléia (apesar do nome, trata-se de um lago de água doce ao norte do país) e em viveiros onde os peixes dividiam espaço com carpas e tainhas. Batizado de Vírus das Tilápias do Lago ou TiLV, foi isolado somente em 2014.

Em sua apresentação, o especialista falou sobre os impactos do TiLV no primeiro ano de seu aparecimento e a rapidez com que o vírus se dissemina após se instalar; apresentou índices de mortalidade e, principalmente, revelou como os peixes sobreviventes adquirem resistência a uma nova exposição ao vírus. Como foi registrada recente presença do TiLV também no Peru, Natan recomendou que as autoridades sanitárias brasileiras iniciem imediatamente um programa de controle para a identificação de populações de tilápias infectadas, e que sejam colocadas em prática, medidas preventivas em populações livres do vírus, além da proibição do transporte de peixes procedentes de áreas afetadas.

Outro tema abordado por Natan durante o workshop foi a infecção causada pelas estreptococoses, provenientes dos vírus Streptococcus iniae e S. agalactiae, que já afetam outras 45 espécies de peixes em todo o mundo, além das tilápias, e são responsáveis por perdas anuais de cerca de US$ 200 milhões. Ao explicar as formas de transmissão das estreptococoses, o especialista ressaltou a importância da remoção imediata dos peixes doentes e mortos, uma vez que a transmissão horizontal parece ser o mecanismo mais comum de disseminação. Os produtores presentes no evento tiveram a oportunidade de conhecer os sinais clínicos que merecem atenção e os fatores que contribuem para a infecção, como o estresse, os extremos de temperatura, as densidades elevadas de povoamento, o baixo nível de oxigênio e as demais inconformidades do manejo.

Sobre o tratamento das estreptococoses, o patologista falou das vantagens e, principalmente, das desvantagens do uso do antibiótico. Para ele, a prevenção na aquicultura é sempre muito mais eficaz que o tratamento e o uso das vacinas autógenas, como ferramenta preventiva utilizada na gestão sanitária, é o melhor método. “Elas são preparadas a partir do material isolado diretamente da piscicultura, que é utilizado como matéria prima para elaborar uma vacina sob medida (taylor made) para o patógeno presente na propriedade”, afirmou. As vacinas autógenas ainda não são utilizadas na aquicultura brasileira, mas, segundo Natan, são comuns em muitos países e podem ser consideradas as mais novas tendências de tratamento, pela eficácia no controle das enfermidades infecciosas.

A Streptococcus agalactiae sorotipo 3, encontrada na Ásia e mais recentemente no Brasil, também foi comentada pelo especialista, que alertou a todos sobre a existência de relatos de isolados multiresistentes a antibióticos. Estudos realizados recentemente na Ásia comprovaram que há potencial zoonótico (capacidade de transferir doenças de peixes para humanos) destes sorotipos.