As desvantagens das altas densidades de povoamento

Empresário alerta para a necessidade de manejos compatíveis com a sustentabilidade ambiental para assegurar a perenidade da carcinicultura brasileira

Por Jomar Carvalho Filho

Werner Jost, proprietário da Camanor Produtos Marinhos LTDA.
Werner Jost, proprietário da Camanor Produtos Marinhos LTDA.

Para administrar fazendas de camarão é imprescindível manter o foco na sustentabilidade do empreendimento, uma tarefa tão importante quanto a obrigação de estar “antenado” com o mercado. Este foi o tema da palestra de Werner Jost, proprietário da Camanor, um dos destaques da Fenacam. Para Werner, a preocupação com a sustentabilidade, além de permitir que a empresa atue de forma responsável para com o meio ambiente, garante que o empreendimento seja perpetuado por muito tempo. O empresário apresentou os números que ilustram o desempenho da Camanor nos últimos anos e as razões que o levaram a criar novas estratégias para administrar as três fazendas que hoje formam o núcleo produtivo da empresa. Na sua opinião, a necessidade de tomadas de decisões acertadas é fundamental para que o negócio seja perenizado, quaisquer que sejam as condições de mercado, através de um manejo adequado capaz de minimizar as agressões ao meio ambiente.

A trajetória da empresa

A Camanor vem produzindo camarões desde 1982, ocasião em que seus viveiros eram ainda povoados com pós-larvas de espécies nativas, utilizando baixas densidades. O gráfico 1 ilustra o crescimento da empresa a partir de 1988 e permite ver que na sua primeira década de vida, a Camanor conviveu com baixíssimas produções, que nunca chegaram a ultrapassar as 24 toneladas nos 40 hectares de viveiros que a empresa possuía na ocasião.

Foi somente a partir de 1992, com a introdução do L. vannamei, que a produção passou a crescer de forma expressiva. O marco, entretanto, foi o ano de 1999, quando a desvalorização do Real viabilizou os investimentos necessários para que as muitas empresas pudessem atuar no mercado internacional, fato esse que foi seguido de saltos expressivos na produção de camarão do País. Para ilustrar o quão recente foram essas transformações, Werner Jost mostrou em sua palestra as fotos da sede da Camanor em 1997 e a forma como os camarões eram artesanalmente classificados, num contraste com a atual sede da empresa, provida de uma sólida estrutura voltada para atender as exigências de um produto pronto para o mercado externo (Foto 1). Atualmente a Camanor emprega 711 pessoas, e no ano que passou produziu 2.894 toneladas de camarões em 765 hectares de viveiros, distribuídos em três fazendas no Estado do Rio Grande do Norte, localizadas nos municípios de Porto do Mangue, Guamaré e Barra do Cunhaú.

Gráfico 1 - Produção da Camanor (t). A desvalorização do Real em 1999 abriu o mercado internacional
Gráfico 1 – Produção da Camanor (t). A desvalorização do Real em 1999 abriu o mercado internacional

A importância das densidades de povoamento

As densidades de camarões utilizadas nos povoamentos dos viveiros da empresa foram os pontos de partida para as análises que levaram Werner Jost a repensar a sua administração e o manejo produtivo da Camanor. Como se sabe, quanto maior a densidade utilizada, maiores os custos de produção e os impactos ambientais decorrentes do empreendimento. De 1988 a 1992, a Camanor povoou seus viveiros com 0,5 a 1 camarão por m², densidades impensáveis para os dias atuais. A partir de 1992, com a disponibilidade dos primeiros alimentos formulados especificamente para o camarão, as densidades passaram a ser incrementadas ano após ano e, em 2002, os viveiros de duas das fazendas da Camanor (Cana Brava e Aratuá) já eram povoados com 30 camarões por m², chegando a serem povoados em 2003 com 40 camarões por m² (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Histórico das densidades de povoamento da Camanor
Gráfico 2 – Histórico das densidades de povoamento da Camanor

Em 2001, enquanto as densidades aumentavam nos viveiros de todo o país, a Camanor partia para uma estratégia nova de manejo, projetando e construindo a sua terceira fazenda, a Peixe-Boi (Foto 2), que mereceu uma atenção especial, pois foi criada para atender uma estratégia defensiva contra os possíveis declínios dos preços do camarão no mercado. A Peixe-Boi possui uma área total alagada de 500 ha e, ao contrário da maioria das fazendas em funcionamento no Brasil, seus viveiros são enormes, medindo de 25 ha a 80 ha, fazendo lembrar as primeiras fazendas de camarão construídos no Brasil na década de 70.

Ao contrário das duas outras fazendas da empresa, a Peixe-Boi utiliza baixas densidades de povoamento, que variam de 7 a 10 camarões por m². Em decorrência, a taxa de conversão é menor ou igual a um quilo de ração para cada quilo de camarão produzido, o que determina um baixo custo de produção, compatível também com o baixo custo dos investimentos que foram necessários para a construção da fazenda.

Tabela 1 – Produtividade das fazendas da Camanor, segundo as diferentes densidades de povoamento
Tabela 1 – Produtividade das fazendas da Camanor, segundo as diferentes densidades de povoamento

E foi justamente a analise da lucratividade, levando em consideração os diferentes preços de mercado, que motivou o empresário a repensar as estratégias de produção que estava utilizando até então. Werner disse que as duas fazendas que operam com altas densidades têm altos custos de produção, ao redor de R$ 8,00 o quilo, incluindo os custos de processamento, já que a empresa beneficia todo o camarão que produz. Em contrapartida, a Fazenda Peixe-Boi, operando com 10 camarões por m², tem um custo de produção que não passa dos R$ 5,00, o que, segundo Werner, é considerado ótimo para responder ao mercado nos momentos onde os preços baixos prevalecem.

Werner simulou seus lucros levando em consideração três cenários de preços de mercado – R$ 10,00, R$ 8,00 e R$ 6,00 o quilo. Na tabela 2 é possível verificar que as fazendas que operam com altas densidades (40 camarões por m²), dependendo do preço do mercado, os resultados podem variar de um lucro de R$ 34.560,00/ha/ano até um prejuízo de R$ 11.520,00/ha/ano. Ao passo que na Peixe-Boi, que operou com baixa densidade os resultados serão sempre positivos com lucros que podem variar de R$ 14.400,00/ha/ano a R$ 2.880,00/ha/ano, confirmando que a estratégia de produção de baixo custo é mais segura num mercado com preços em declínio, como se pode ver no cenário em que os carcinicultores vivem atualmente.

Degradação ambiental

Os cultivos em altas densidades da Camanor também revelaram outros fatos interessantes, dignos de reflexão. Ao análisar os ganhos de peso semanais ao longo de 2003, quando utilizou 40 camarões por m2, foi possível perceber que no início do ano os ganhos de peso semanais médios estavam próximos a 0,8g.

No final do ano, porém, a média de ganho de peso semanal das duas fazendas que operaram em altas densidades caiu dramaticamente, ficando ao redor de 0,5g semanal. Esse fato, obviamente, elevou dramaticamente os dias totais de cultivo – considerando o preparo, engorda e despesca, que no início do ano girava ao redor de 125 dias e no término do ano chegou a ser de 160 dias. Como conseqüência, os custos de produção (incluindo o beneficiamento), que nos primeiros meses do ano já estavam ao redor de R$ 8,00, chegaram ao final do ano à casa dos R$ 10,00. Essas transformações, em decorrência das altas densidades, ocasionram uma sobrecarga de destritos no piso dos viveirosos, bem como um acúmulo de resíduos no canal, levando a um aumento do custo da limpeza e aumento do tempo de parada entre cíclos.

Nos camarões cultivados, a sobrecarga da biomassa provocou um aumento no número de bactérias e fungos patogênicos. Externamente foram observados um aumento da incidência de necrose, flacidez da carapaça e crescimento heterogêneo dos animais, enquanto as análise laboratoriais confirmavam um aumento de NHP – Necrose do Hepatopâncreas, parasitas e víbrios.

Além dos problemas acima descritos, o aumento de 30 (no ano de 2002) para 40 (no ano de 2003) camaroes por m2 acarretou num aumento médio de 65% no consumo de energia, o que trouxe uma preocupação extra para a Camanor, visto que para o empresário Werner Jost, é certo que o crescimento na demanda de energia elétrica vai ser coberto cada vez mais por centrais termoelétricas (gás/diesel) com custo maior de produção.

Após essa análise detalhada da produção da sua empresa, Werner Jost concluiu, para o plenário cheio da Fenacam, que a produção utilizando 40 camarões por m² é insustentável não só pelo grande risco ambiental, mas também pelo aumento excessivo nos custos da produção.

As alternativas

Alguns estudos foram realizados pelos técnicos da empresa, que optaram por utilizar a densidade de 20 camarões por m². Mas o desafio maior foi ter uma produção de camarões de 12 gramas semelhante à anterior (quando se utilizava 40 cam/m²) e ainda desfrutar das vantagens de despescar com sete semanas, ao invés das 14 necessárias anteriormente, e uma taxa de conversão alimentar igual ou menor a 1.

A opção final então foi o sistema de três fases, cujas características principais podem ser vistas na tabela 3. As vantagens desse sistema é que permite uma maior sustentabilidade com menos risco de doenças já que o ambiente de cultivo estará mais equilibrado. Além disso, o sistema permite uma grande economia de energia elétrica e resulta, ao final, num camarão maior e mais saudável com um melhor aproveitamento no processamento. A tabela 4 mostra as diferenças básicas entre o cultivo que vinha sendo praticando e o sistema de três fases, agora implantado nas fazendas Cana Brava e Aratuá, da Camanor.

Tabela 2 - Lucratividade simulada dos sistemas de alta e baixa densidade em relação a três possíveis preços de mercado
Tabela 2 – Lucratividade simulada dos sistemas de alta e baixa densidade em relação a três possíveis preços de mercado

Tabela 3 – Resumo do manejo utilizando o sistema de três fases.
Tabela 3 – Resumo do manejo utilizando o sistema de três fases.

Tabela 4 – Comparativo entre os cultivos de alta densidade e o de três fases utilizando 20 camarões por m².
Tabela 4 – Comparativo entre os cultivos de alta densidade e o de três fases utilizando 20 camarões por m².

Tabela 5 – Comparação dos custos de produção nos dois sistemas
Tabela 5 – Comparação dos custos de produção nos dois sistemas

Os custos de produção projetados para este ano foram mostrados por Werner Jost e podem ser vistos na tabela 5. O seu grande desafio para 2004 será produzir o camarão, já beneficiado, a um custo de US$ 2.00 o quilo.

 

As estratégias sugeridas pelo empresário para administrar uma fazenda de camarão foram oportunas, acima de tudo, pelo fato do setor está vivendo um cenário de preços muito baixos no mercado externo e ainda sofrer ameaças de sanções e sobretaxas no mercado interno dos EUA, grande consumidor do camarão brasileiro. Além disso, acaba de sofrer perdas sensíveis por conta do vírus causador da síndrome da necrose idiopática muscular – NIM, cuja disseminação possivelmente foi facilitada pelo uso de densidades inadequadas, manejadas de forma precária nas fazendas. Isso prova também que a evidente rusticidade do L. vannamei tem sido mal interpretada pelos produtores, levado-os a desconsiderar as regras básicas de manejo que podem literalmente “quebrar” a atividade através do aparecimento de mazelas até agora incubadas, a espera de oportunidades para se expressarem, um fato perfeitamente possível de acontecer. Caso a disseminação de manejos sustentáveis não seja logo realizada, a perenidade da atividade estará ameaçada, concretizando assim as ameaças de grupos ambientalistas, para quem a carcinicultura comercial em todo o mundo não sobrevive muito mais do que uma década, deixando no seu rastro as chagas dos viveiros abandonados.