por Alexandre Hilsdorf – Prof. do Depto. de Ciências Agrária
da Universidade de Taubaté – e-mail: [email protected]
A primeira grande revolução tecnológica do homem ocorreu há cerca de 10 mil anos com o desenvolvimento da agricultura. A possibilidade da produção de alimentos permitiu ao homem fixar-se em comunidades, aumentar sua população e evoluir cada vez mais.
Apesar da fome ainda ser um dos grandes males não solucionados pelo homem, a produção de alimentos no mundo vem crescendo significativamente nos últimos cinqüenta anos. Os avanços tecnológicos na agricultura, que ficaram conhecidos como “Revolução Verde”, permitiram um incremento na produção de alimentos a partir de novos métodos de cultivo, mecanização e principalmente o uso da genética na produção de variedades de plantas e raças de animais mais produtivos.
Os mares e rios também foram e continuam sendo uma fonte de nutrientes para a humanidade. Deste habitat o homem extrai peixes e outros alimentos para seu sustento, como também, domestica diferentes espécies para criação em cativeiro.
No entanto, da mesma forma que em outras práticas agrícolas, o rápido crescimento da pesca e da aqüicultura tem trazido uma série de problemas que podem inviabilizar o uso desses recursos. Entre estes podemos listar: poluição orgânica por cultivos super-intensivos, diminuição dos estoques pesqueiros, erosão genética de estoques nativos por cruzamentos com animais de criação, translocação e introdução de espécies exóticas entre outros.
A questão da erosão genética das populações é um tema de fundamental importância para o uso contínuo dos recursos biológicos aquáticos. Este debate já é uma realidade para outras espécies de plantas e animais, visto já existirem em vários países, os chamados “Bancos de Germoplasma”, que buscam pesquisar e conservar os recursos genéticos.
No entanto, os esforços dedicados ao entendimento e conservação dos recursos genéticos de plantas e animais terrestres, parecem não estar sendo aplicados com a mesma intensidade em relação aos recursos genéticos aquáticos. Apesar da significativa diversidade de espécies de peixes encontradas no Brasil, pouco conhecemos da estrutura genético-populacional desses recursos. O declínio da diversidade biológica aquática não deve ser preocupante somente quando da queda do número de indivíduos da espécie, mas primeiramente pela perda de sua variabilidade populacional.
Podemos citar aqui três razões básicas para a preservação de nossos recursos genéticos aquáticos:
· Peixe é uma importante fonte de proteína para muitas populações humanas, perfazendo 17 % do total de proteína ingerida pelo homem.
· A pesca e a aqüicultura representam hoje um importante setor econômico, base de empregos e investimentos em todo o mundo.
· A preservação dos ecossistemas aquáticos e da diversidade e variabilidade genética das espécies é de capital importância para a utilização de tais recursos a longo prazo.
Diferentemente de outras criações animais, a criação de peixes em diversas partes do mundo ainda conserva vestígios do extrativismo. No momento em que o produtor de bovinos ou de suínos deseja um material genético superior para o melhoramento genético de seu rebanho, ele não procura seus novos reprodutores na natureza e sim o compra ou produz os materiais genéticos superiores por meio de seleção e outras práticas de melhoramento. Todavia, esta não é uma realidade do nosso piscicultor, que ao necessitar de renovação de seu material genético, busca no meio ambiente os seus novos reprodutores. Contudo, será que o animal na natureza foi selecionado para as características zootécnicas necessárias para a atividade de criação?
A aqüicultura sempre enfrentou um grande desafio, que é o de se estabelecer como uma indústria economicamente viável. Assim, cada vez mais os produtores de peixes tem que buscar eficiência técnico-econômica para competir com o pescado proveniente do extrativismo.
Identificar e conhecer a estrutura genético-populacional dos estoques nativos e cultivados é um pré-requisito básico para determinar as características de tais recursos e, assim, possibilitar o desenvolvimento de programas auto-sustentáveis de manejo.
A Revolução do DNA
O emprego das técnicas de biologia molecular na pesca e na aqüicultura remonta da década de 60 com estudos do polimorfismo de proteínas. O desenvolvimento de técnicas para manipulação direta do DNA permitiu a exploração da fonte original de variabilidade e abriu um novo horizonte para o conhecimento dos recursos genéticos existentes na natureza.
DNA é uma sigla que atualmente faz parte de nosso dia a dia. Quem já não leu ou ouviu algo sobre teste do DNA para comprovação de paternidade? Basicamente todos os seres vivos possuem DNA em suas células e como esta molécula é muito grande e polimórfica podemos encontrar diferenças entre um indivíduo e outro ou mesmo entre grupos de indivíduos. Estas diferenças podem ser localizadas por meio dos chamados marcadores genéticos.
O desenvolvimento de técnicas para a manipulação de fragmentos de DNA específicos vem possibilitando a descoberta de um número ilimitado de marcadores genéticos. Entre as diversas utilidades do uso dos marcadores genéticos podemos citar:
· Identificação de espécies e híbridos;
· Estabelecimento da filogenia da espécie e da população;
· Determinação da estrutura populacional de uma espécie;
· Identificação de linhagens;
· Contribuição individual de uma população em um estoque que está sendo explotado;
· Variação genética em populações selvagens e cultivadas;
· Determinar o impacto genético da introdução de peixes cultivados em populações naturais; · Determinação de estratégias de cruzamento para fins de criação e repovoamento;
· Localização de marcadores ligados a genes envolvidos com caracteres de interesse econômico.
Nas células dos animais podemos encontrar dois tipos de DNA. O primeiro é o DNA nuclear responsável pelas informações que levam a construção de um novo ser e o segundo é o DNA encontrado dentro de mitocôndrias, por isso chamado de DNA mitocondrial.
O uso do DNA mitocondrial para estudos populacionais tomou um impulso significativo nos últimos dez anos, com os trabalhos realizados pelo Prof. John Avise da Universidade da Georgia nos EUA. A facilidade para sua manipulação e algumas características de sua molécula, tais como, pequeno tamanho, herança materna e uma alta taxa mutacional fizeram dele uma excelente ferramenta para estudos genético-populacionais em várias espécies. A descoberta das regiões hipervariáveis do DNA nuclear conhecidas como mini-satélites e o advento do PCR (Reação de Cadeia da Polimerase), que permite a amplificação de pequenas quantidades de DNA, abriram novos horizontes de aplicações para diversas questões relacionadas a pesca e aqüicultura.
No campo do melhoramento genético, tem-se intensificado o uso de marcadores genéticos para identificação e localização de genes envolvidos na expressão de características de interesse econômico. Esta técnica conhecida como QTL (Quantitative Trait Loci) permitirá a seleção de genótipos superiores pela análise do DNA dos reprodutores. A Tilápia é uma das espécies aquáticas que vem sendo estudas para localização de marcadores associados a genes envolvidos na taxa de crescimento, resistência ao frio, conversão alimentar, qualidade da carne, entre outros.
O tipo de DNA a ser utilizado e as técnicas a serem aplicadas (RFLP, AFLP, RAPD, VNTR) podem variar conforme a necessidade e infra-estrutura do laboratório. Os diversos níveis de variabilidade genética e suas características podem ser observadas na Tabela 1.
Perspectivas
A utilização racional dos diversos recursos biológicos provenientes dos ecossistemas aquáticos deve ser precedido de levantamentos sobre a situação das espécies atualmente utilizadas como também daquelas com futuro potencial.
Diversos peixes de nossa ictiofauna têm sido alvo de domesticação para fins de cultivo. Isto pode ser constatado pelos vários anúncios de venda de alevinos de matrinchã, piraputanga, pintado, surubim, etc. Tem-se retirado reprodutores destas espécies do meio ambiente e estudado seus hábitos alimentares, reprodução e comportamento em cativeiro. Porém, questões importantes tem sido freqüentemente esquecidas, tais como: a variabilidade populacional destas espécies no meio ambiente; sua distribuíção filo-geográfica; a captura ou não de reprodutores de uma mesma população; a origem das populações de peixes nativos cultivadas atualmente no Brasil, entre outras.
Outra área em que o uso de marcadores moleculares poderá ser de extrema utilidade está relacionada a programas de repovoamento em reservatórios formados por usinas hidroelétricas. Os diversos impactos sobre as populações de peixes nas diversas bacias brasileiras, devido a poluição, destruição de matas ciliares e assoreamento, aliam-se a construção de barragens, que impedem os peixes de completarem seu ciclo vital através da piracema.
O repovoamento de espécies nativas é uma exigência legal e realizado pelas várias centrais hidroelétricas. Todavia, as práticas de repovoamento não tem levado em consideração as diferenças genético-populacionais das espécies. Não basta apenas reproduzir o peixe e soltá-lo, é necessário saber o que se está soltando e onde.
Diversos são os caminhos para o uso da genética na Aqüicultura, seja por meio de melhoramento clássico, importante para formação de raças e linhagens mais produtivas, seja pelo uso das modernas ferramentas da biologia molecular. De qualquer forma, é de suma importância a união de todos os esforços no sentido de conhecer melhor nossos recursos genéticos aquáticos. Não se fala aqui de conhecimento pelo conhecimento, mas sim, da sobrevivência futura de muitas de nossas espécies.
Para informações gerais sobre o uso da Biologia Molecular na Pesca e Aqüicultura consultar Reviews in Fish Biology and Fisheries, Molecular Genetics in Fisheries vol.4 nº. 3 setembro 1994.