Por: Eduardo Gomes Sanches 1
1Coordenador do projeto “Avaliação do potencial de espécies de Serranidae para cultivo no Litoral Norte do Estado de São Paulo – Centro APTA do Pescado Marinho, Instituto de Pesca-APTA-SAA-SP
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Diversas espécies de garoupas são cultivadas em países do Sudeste Asiático por pequenos produtores em unidades familiares. Estes peixes possuem alto valor de mercado, são extremamente adaptáveis a cultivos em pequenos tanques-rede, aceitam alimentação baseada em subprodutos da pesca e proporcionam uma atividade geradora de emprego e renda para as comunidades litorâneas.
A piscicultura marinha ainda é bastante incipiente no Brasil, apesar da intensificação das pesquisas nessa área na última década (DAVID, 2002). As primeiras pesquisas com garoupas foram iniciadas em 1984, pelos pesquisadores Daniel Benetti e Eduardo Fagundes Netto, em Arraial do Cabo/RJ. Em 1996, foi iniciado o Projeto Garoupa, da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI/SC, coordenado pelo Dr. Maurício Hostim, que vem desenvolvendo relevantes trabalhos na área de biologia destes peixes.
Percebendo a importância econômica e a possibilidade de geração de tecnologia de cultivo para estas espécies, o Instituto de Pesca – APTA – SAA vem, desde o ano passado, trabalhando com diferentes espécies de serranídeos (garoupas, badejos, meros e chernes) visando avaliar estas peixes, definir um protocolo de cultivo e formar reprodutores para futuros trabalhos de produção de alevinos.
Quem são os serranídeos e qual sua importância mundial?
Os serranídeos (família Serranidae, sub-família Epinephelinae) compreendem 159 espécies distribuídas em 15 gêneros (HEEMSTRA e RANDALL, 1993). Denominados genericamente por meros, chernes, garoupas e badejos, geralmente apresentam rápido crescimento e resistência ao manejo, sendo indicados para sistemas intensivos de criação. Além disso, possuem excelentes características para processamento pós-colheita (APEC/SEAFDEC, 2001).
A par dessas qualidades da família, DAVID-HODGKINS (1993) relata que as garoupas, por exemplo, alcançam um elevado preço de mercado e são importantes também para a pesca esportiva e para o turismo subaquático, já sofrendo inclusive sobrepesca em diversas áreas, o que reforça a oportunidade de sua utilização em piscicultura marinha.
Diversas espécies de serranídeos ocorrem em ambientes costeiros do litoral do Brasil. Destas, as que atingem maior tamanho são o mero (Epinephelus itajara), a garoupa-verdadeira (Epinephelus marginatus), o badejo-quadrado (Mycteroperca bonaci) e o badejo-de-areia (Mycteroperca microlepis), ultrapassando um metro de comprimento e mais de 40 kg de peso (SMITH, 1971).
TUCKER (1999) afirma que a garoupa-de-Nassau (Epinephelus striatus), o badejo-de-areia (Mycteroperca microlepis), o badejo quadrado (Mycteroperca bonaci) e o mero (Epinephelus itajara) são excelentes candidatos à piscicultura marinha.
Segundo MAIN e ROSENFELD (1995), os maiores produtores de serranídeos cultivados são Taiwan, Singapura, Tailândia, Hong Kong, Indonésia, China, Malásia, Vietnã e Filipinas, todos países do Sudeste Asiático. A importância do cultivo de serranídeos nessa região é tão grande que governos, como o da Tailândia, consideram-no uma das prioridades nacionais. Em razão dessa importância, diversos institutos de pesquisa dedicam-se ao desenvolvimento de tecnologias para o crescimento sustentável da atividade. As principais espécies produzidas são: “giant grouper” (Epinephelus lanceolatus), “black-spotted grouper” (E. malabaricus), “brown-spotted grouper” (E. chlorostigma), “orange-spotted grouper” (E. coioides), “yellow-spotted grouper” (E. bleekeri), “white-spotted green grouper” (E. amblycephalus), “panther grouper” (Cromileptes altivelis), “estuarine grouper” (E. salmoides), “green grouper” (E. tauvina), “yellow grouper” (E. awaara), “tiger grouper” (E. fuscoguttatus) e “coral trout” (Plectropomous leopardus).
A produção de serranídeos (denominados como grouper) no Sudeste Asiático já supera as 13.000 toneladas/ano, sendo tradicionalmente realizada por pequenos e médios produtores (muitos deles pescadores) em áreas costeiras abrigadas, utilizando-se de pequenos tanques-rede (2m x 2m ou 3m x 3m).
O preço de venda dos serranídeos pode ser bastante elevado. McGILVRAY e CHAN (2001) citam o valor de US$ 70 para o quilo da “panther grouper” (Cromileptes altivelis) comercializada viva em mercados de Hong Kong. WILLIAMS et al. (2005) confirmam esse alto preço de mercado, apontando os seguintes valores para o quilo de peixe vivo: “orange-spotted grouper” (E. coioides) – US$ 8 a 11, “tiger grouper” (E. fuscoguttatus) – US$ 15 a 20, “coral trout” (Plectropomus leopardus) – US$ 30 a 40, “yellow grouper” (E. awaara) – US$ 30 a 40, “panther grouper” (C. altivelis) – US$ 80 a 95. No mercado norte-americano, atualmente, os serranídeos congelados estão cotados entre US$ 5 a 7/kg. Nas Bahamas os exemplares vivos são comercializados entre US$ 21 a 28/kg (TUCKER, 1999). No Brasil os serranídeos são muito valorizados com elevada demanda. O preço médio praticado no CEAGESP é de R$ 12,00 a R$ 15,00/Kg. Levantamentos feitos em Parati/RJ, com pescadores que capturam serranideos, apontaram, em vendas diretas a turistas na temporada, valores de até R$ 25,00/kg. A curiosidade fica por conta de que, dada a resistência dos serranideos, muitas vezes eles chegavam vivos ao mercado e acabavam sendo preferidos pelos consumidores em detrimento dos demais peixes, expostos abatidos no gelo.
BALIAO et al. (1998 e 2000) afirmam que a cultura de garoupas apresenta um alto retorno do investimento e curtos períodos de payback, em razão do alto preço de mercado desse grupo de peixes. Segundo SIAR et al. (2002), o cultivo de serranídeos apresenta TIR (taxa interna de retorno) que varia (em função da flutuação do valor de mercado) de 12 a 356% e o retorno do capital empregado ocorre em menos de 12 meses.
No entanto, apesar de toda esta atratividade, o cultivo de serranídeos ainda enfrenta problemas. A baixa oferta de alevinos limita a expansão dos cultivos, sendo ainda a quase totalidade dos cultivos do Sudeste Asiático dependente da coleta das formas jovens na natureza (SADOVY, 1998). Isso, em decorrência do baixo percentual de sobrevivência de alevinos produzidos em laboratório (entre 1 e 10%). Essa dependência de formas jovens obtidas na natureza, combinada com o aumento de produtores gerou um declínio na quantidade desses peixes em ambiente natural. Essa circunstância aliada à sobrepesca comercial de adultos, à destruição de habitats e à poluição gerada pela densidade de empreendimentos de cultivo têm agravado a crise de oferta de alevinos, tornando urgente a solução do problema de sobrevivência na fase de larvicultura e alevinagem
Os serranídeos são predadores de topo de cadeia trófica, alimentando-se quando jovens, basicamente, de crustáceos e pequenos peixes e, quando adultos, de polvos e peixes maiores, apresentando, assim como outros peixes carnívoros, dificuldade em aceitar ração inerte. Por essa razão, a grande maioria dos produtores alimenta seus plantéis com trash fish (pequenos peixes ou formas jovens de peixes rejeitados em operações de pesca de arrasto de fundo). O trash fish, porém, resulta em alimento desbalanceado que acarreta deficiências nutricionais, além de gerar um aumento da poluição por resíduos ao redor dos tanques-rede e ajudar na disseminação de doenças. A resistência à expansão da utilização de rações comerciais decorre do binômio preço (é bem mais cara que o trash fish) – pouca aceitação pelos peixes, consolidando um desestímulo ao fornecimento dessa alimentação aos plantéis.
O impacto ambiental resultante do crescimento desordenado dos empreendimentos de cultivo tem ocasionado a incidência de episódios freqüentes de maré-vermelha, que causam problemas econômicos sérios envolvendo a morte de vários animais, incluindo os peixes em cultivo. Outros aspectos do impacto ambiental das piscigranjas marinhas são a degradação da qualidade da água, o acúmulo de sedimentos e os conflitos decorrentes do uso múltiplo do espaço.
Buscando contornar tais problemas, os centros de pesquisa em maricultura da Ásia vêm intensificando os estudos sobre larvicultura, nutrição e impacto ambiental.
Atualmente, estão em teste, diversas tecnologias que têm proporcionado aumento do percentual de sobrevivência de larvas para até 30%, a partir do uso de trocóforos de bivalves como primeira alimentação. Já o avanço dos estudos em nutrição vem conseguindo substituir o trash fish pela ração balanceada, resultando em melhor taxa de conversão alimentar e menor impacto ambiental dos cultivos.
Felizmente, está sendo dada maior atenção para o impacto ambiental causado pela atividade, e diversos países estão delimitando áreas bem específicas para a aqüicultura, impondo controles como: limite no número de fazendas, produção de peixes e na quantidade de alimento fornecida, para assegurar que o ambiente assimilará os efluentes gerados.
O grande desafio que os países asiáticos enfrentam é empreender a criação das diferentes espécies de serranídeos dentro de parâmetros de sustentabilidade que reduzam os impactos ambientais e simultaneamente tragam benefícios socioeconômicos.
Perspectivas para o cultivo no Brasil
No Brasil os estudos sobre o desempenho de serranideos sob cultivo ainda são escassos, inexistindo, inclusive, cultivos em escala comercial. Grande parte dos estudos foca os serranídeos sob o ponto de vista biológico, dinâmica populacional e de pesca, sendo raríssimas pesquisas sobre a produção de alevinos ou mesmo sobre simples “engorda” de exemplares coletados na natureza.
Alguns trabalhos na Venezuela e na Colômbia apontaram resultados interessantes no cultivo de serranídeos. BOTERO e OSPINA (2003), cultivando o mero (E. itajara) em tanques-rede, conseguiram que peixes de 300g atingissem 730g em 90 dias, alimentando-os com pedaços de peixe fresco. TOROSSI (1982) registra um crescimento expressivo para o mero (E. itajara), com peixes de 575g alcançando 3.450g em 240 dias e 8.350g em 480 dias, alimentando os indivíduos com sardinha fresca picada. CERVIGON (1983), cultivando jovens exemplares de mero, com peso médio inicial de 787g, coletados na natureza, obteve peixes com 1.788g em 90 dias, alimentando-os com pedaços de peixe fresco.
Em relação à biologia reprodutiva, os membros da subfamília Epinephelinae são hermafroditas protogínicos, ou seja, nascem fêmeas e em dado momento de seu desenvolvimento sofrem uma inversão sexual, tornando-se machos (LIAO, 1993; ZABALA, 1997).
No Brasil, ANDRADE et al. (2003), estudando a reprodução da garoupa-verdadeira (Epinephelus marginatus), observaram que a primeira maturação sexual ocorre quando o indivíduo atinge cerca de 45cm e 2kg. Observaram também que o período de desova tende a se concentrar em torno de dezembro, justamente o período em que afluem mais turistas ao litoral, com conseqüente aumento da demanda por peixes de qualidade para restaurantes e hotéis, o que leva a um inadequado aumento do esforço de pesca sobre a espécie.
Por apresentarem uma estação de desova bem definida e a formação de agregações populacionais reprodutivas, os serranídeos são muito susceptíveis à sobrepesca, fato já observado no Sudeste Asiático e no Golfo do México (WHAYLEN et al., 2004).
Considerando que o Litoral Norte paulista possui como característica geográfica marcante o recorte em enseadas e com ilhas próximas ao continente, delimitando grande quantidade de ambientes naturais abrigados, bastante favoráveis à criação de peixes em tanques-rede, e dada a presença de diversos serranídeos de alto valor de mercado nessa região, o Instituto de Pesca, por meio do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento do Litoral Norte, passou a desenvolver o projeto: “Avaliação do potencial de espécies de Serranidae para cultivo no Litoral Norte do Estado de São Paulo”, desenvolvido na Fazenda Marinha Experimental do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento do Litoral Norte (IP – APTA – SAA), em Ubatuba/SP. O projeto visa identificar as espécies de serranídeos que ocorrem no Litoral Norte paulista e realizar uma avaliação bioeconômica dessas espécies quando criadas em tanques-rede em relação ao desenvolvimento ponderal (ganho em comprimento e peso), à capacidade de adaptação à alimentação com ração (pelet seco), à conversão alimentar, à resistência ao manuseio e a patógenos, e quanto ao percentual de sobrevivência. Como um dos produtos deste projeto, espera-se constituir um banco de reprodutores das espécies com desempenho bioeconômico satisfatório, para iniciar pesquisas de reprodução induzida e produção de larvas e alevinos, objetivando ensaios de engorda em escala massiva. Este projeto conta com a autorização do DIFAB/IBAMA sob n°164/2005, permitindo a coleta, transporte e manutenção de serranídeos de diferentes espécies nas regiões de Ubatuba/SP e Parati/RJ.
Os trabalhos de coleta são baseados na captura de exemplares jovens por meio de covos (tradicional pesca caiçara, principalmente em Parati/RJ), em áreas rasas, usando como atratores pedaços de mármore branco dentro dos covos. Tem se observado que em dias de água com transparência superior a quatro metros, a captura de garoupas e badejos é bem efetiva (média de 1 a 2 exemplares/covo/dia). Outros atratores estão sendo testados e resultados expressivos têm surgido com a utilização de camarões vivos dentro de potes de vidro, aumentado a captura de badejos nos covos.
Outra modalidade de captura é a pesca por intermédio de linhadas com anzóis sem farpas em áreas mais profundas (com profundidade variando entre 8 a 40 metros). As iscas utilizadas com mais resultados têm sido filés de sardinha, bonito, lula e camarões vivos, resultando em capturas de exemplares com maiores dimensões. Nesta modalidade, o problema tem sido, em função da profundidade de captura, a necessidade da perfuração da bexiga natatória para a adequada sobrevivência do exemplar. No procedimento de recolhimento da linha com o peixe até a superfície, o ar dentro da bexiga se expande, comprimindo os demais órgãos vitais do peixe e não raro, resultando na morte do exemplar. Esta situação obriga ao procedimento de perfurar a bexiga com uma agulha adequada, para a saída deste ar, procedimento difícil de ser realizado em grandes exemplares, dentro de pequenas embarcações em condições de mar adverso.
No aspecto sanitário, independentemente da modalidade de captura, os peixes são avaliados quanto a presença de patógenos (principalmente ectoparasitas tais como Benedenia sp) e recebem um banho preventivo de água doce por cinco minutos, o que tem sido suficiente para prevenir maiores problemas. Os serranídeos têm se mostrado peixes extremamente rústicos, adaptando-se facilmente aos tanques-rede e, a taxa de mortalidade tem sido muito pequena (inferior a 2% dos peixes capturados).
A alimentação dos exemplares tem sido realizada com pequenos peixes ou formas jovens de peixes rejeitados em operações de pesca de arrasto de fundo, de baixíssimo custo e de fácil obtenção na região de Ubatuba, e trabalhos vem sendo desenvolvidos para adaptar as espécies à aceitação de ração (utilizando-se de uma formulação básica com 45% de proteína bruta para peixes carnívoros e agregação de óleo de peixe visando obter uma concentração final de 13 a 16% de lipídeos).
Os resultados têm sido animadores, com conversões alimentares (utilizando o trash fish) próximas de 4:1 e obtenção de exemplares de garoupa verdadeira atingindo de 1,0 a 1,2 kg em doze meses de cultivo, partindo-se de juvenis com 80 a 100 gramas, capturados no meio natural, em ensaios preliminares. A aceitação de ração por parte dos peixes jovens (peso inferior a 500 gramas) tem sido adequada. Com os peixes maiores tem se obtido sucesso na formação de “bolas” de alimento (ração + peixe moído), porém os peixes adultos relutam em aceitar esta forma de arraçoamento, somente se alimentando de pequenos peixes e crustáceos.
O desenvolvimento da tecnologia de cultivo de espécies de serranídeos da costa atlântica levará a piscicultura marinha nacional a um patamar de excelência ainda não alcançado, obtendo-se peixes de alto valor de mercado. Uma tecnologia que, espera-se, poderá ser adotada por pequenos e médios pescadores-maricultores de áreas costeiras, já tradicionalmente dedicados à produção de mexilhões e ostras.
O autor agradece ao Sr. Nick Zahra, da Zahra Adventures, no auxílio à coleta dos exemplares e a Pisceotec Ltda. no fornecimento de tanques-rede especiais.