Desastre de Brumadinho coloca em perigo o arranjo piscícola de Três Marias/MG

A estratégia montada pelas autoridades para reter os dejetos da barragem de Brumadinho prevê que todo o resíduo que atualmente desce pelo rio Paraopeba, fique acumulado na barragem de Retiro Baixo, localizada a apenas 12 km do lago de Três Marias. As turbinas da Usina Retiro Baixo, foram paralisadas nesta quarta-feira (30). Segundo especialistas a medida vai evitar que os dejetos sejam levados para o Rio São Francisco, fato que ampliaria a extensão dos impactos ambientais para outros estados. No entanto, a experiência com o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, mostra que todas as tentativas de reter esse tipo de dejeto falharam, fato que deve servir de alerta, em especial para os piscicultores que engordam peixes no reservatório de Três Marias, um dos principais polos produtores de tilápia do país.

Por :
Fernando Bosisio*
AQUAMAIS – Soluções em Aquicultura Continental e Marinha
E-mail: [email protected]
*Especial para a revista Panorama da AQÜICULTURA

Mais uma tragédia causada por rompimentos de barragens no Brasil. A barragem de rejeitos de Brumadinho/MG se rompe após três anos do rompimento da barragem de Mariana/MG. As perdas humanas são inconsoláveis e estão ainda sendo levantadas, e os danos ambientais serão, novamente, incalculáveis.

Segundo matéria veiculada pelo Bahia Notícias (www.bahianoticias.com.br – 28 de janeiro de 2019), tendo como referência o “Primeiro Boletim de Monitoramento Especial do Rio Paraopeba”, produzido por pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Águas (ANA), os rejeitos devem chegar a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, município de Pompeu/MG entre os dias de 5 e 10 de fevereiro, que “amortecerá” seu volume, sendo a previsão de chegada para o reservatório de Três Marias entre os dias 15 e 20.

Segundo o CPRM a pluma se desloca a 1 km/h, a exemplo do ocorrido no Rio Doce em 2015. Em matéria veiculada no dia 28 de janeiro pela rede Globo, a pluma de rejeitos provenientes do rompimento da barragem de Brumadinho/MG havia, até a manhã do dia 28 de janeiro, percorrido cerca de 58 km a jusante do Rio Paraoapeba (Fonte: Bom Dia Brasil – Rede Globo).

Diferentemente do Rio Doce, que era pouco utilizado para a aquicultura à época, o reservatório de Três Marias abriga um grande arranjo produtivo piscícola, composto por inúmeros produtores de peixes comerciais de médio e grande porte, produtores de formas jovens, representantes de insumos e equipamentos, beneficiadores/processadores de pescado entre outros atores diretos e indiretos da cadeia produtiva, sendo essa representativa econômica e socialmente para a região e para o Brasil. Segundo dados da PEIXE BR, o estado de Minas Gerais possui mais de 15.000 produtores de tilápias (29.000 Ton – 2017), figurando como o sétimo maior produtor de peixes em 2017 do Brasil (Anuário PEIXE BR 2018).

Três cenários podem ser previstos a partir dos dados relatados para a chegada da pluma de rejeitos ao reservatório de Três Marias:

Cenário I: a pluma não chegará ao reservatório, o que não impactará direta e indiretamente o arranjo produtivo (menos provável).

Cenário II: a pluma chegará ao reservatório de Três Marias em volumes que permitam a continuidade da atividade piscícola. Esse cenário causará efeitos colaterais indiretos, como a dúvida por parte dos consumidores sobre a sanidade dos peixes para o seu consumo, gerando a necessidade da implementação de estratégias de comunicação eficazes, por parte dos produtores para com os consumidores, assim como a execução de um protocolo rígido de aferição e publicização dos resultados referentes à qualidade de água dos cultivos, do sedimento e do pescado produzido, sendo esse subsídio para a comunicação citada.

Cenário III: a pluma chegará em volumes que inviabilizará a produção de parte dos produtores em razão de sua localização (confluência entre volume/direção da pluma e a alocação do cultivo), sendo esse o pior cenário, já que os empreendimentos em questão e sua cadeia produtiva apresentam grandes volumes de recursos financeiros imobilizados, geram muitos empregos e alimentam milhares de pessoas. Esse cenário demandará também a execução de ações reparatórias de grande complexidade para o Rio São Francisco.

Os dois últimos cenários demandarão que os produtores e demais atores da cadeia se organizem, uma vez que precisarão medir os impactos diretos e indiretos sobre seus empreendimentos e sobre o coletivo da cadeia produtiva para que possam ser eventualmente, reparados no futuro.

Lições do desastre de Mariana

Em 2015, momento em que coordenamos uma ação emergencial de coleta, identificação e manutenção de matrizes de peixes nativos da Bacia do Rio Doce, motivados pelo rompimento de Mariana/MG, a pluma percorreu mais de 700 km do rio em aproximados 18 a 20 dias, passando por dois barramentos, sendo a Usina Hidroelétrica de Aimorés, em Minas Gerais, e a Usina de Mascarenhas em Baixo Guandu (foto), no Espírito Santo. Havia a expectativa de que as ações de contingência elencadas pelas equipes responsáveis pela operação das Usinas, como: diminuição do seu volume inicial de água acumulado, contenção da água de fundo e o aprisionamento da água contendo os rejeitos por um tempo maior do que o usualmente realizado, poderiam barrar a pluma de rejeitos que se aproximava, haja vista que não tínhamos a menor ideia do volume total despejado na calha e tampouco a sua velocidade, uma vez que possuía diferentes densidades, e cada uma delas se deslocava em extratos e velocidades distintas. Em 24 horas, os volumes acumulados de água contendo o rejeito começou a ser liberado pelas Usinas rio abaixo, sob justificativas desconhecidas. Esse procedimento foi utilizado para os dois barramentos, que estavam a 12 km um do outro.

Três Marias

Em conversa realizada com produtores da região, fomos informados que técnicos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba – CODEVASF estão fazendo coletas de água em pontos distintos do reservatório de Três Marias, já motivados pelo evento do rompimento da barragem de Brumadinho, e que uma reunião entre esses produtores, para que se discutam as ações referentes à mitigação dos impactos em seus empreendimentos e nos corpos d’água da região, foi marcada para esta quarta-feira dia 30. Pretendem socializar as decisões com as entidades representativas do setor em âmbito regional e nacional.

A exemplo das ações de reparação planejadas e executadas para os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais em 2015, tem-se a noção clara de que tragédias como essa nunca serão reparadas a contento, ainda mais com a perda de inúmeras vidas como ocorrido nos dois eventos. Para isso, porém, é preciso informação e organização para que seus impactos negativos sejam mitigados/reparados, sejam eles sociais, econômicos ou ambientais. Portanto, muito há que ser feito nos próximos dias, fato que deve manter toda a cadeia produtiva local em alerta.