Brycon: Viabilização da Produção de Alevinos

Por: Paulo Sérgio Ceccarelli e
José Augusto Senhorini 
Zoólogos do Centro de Pesquisa e
Treinamento em Aqüicultura CEPTA/IBAMA


A piracanjuba Brycon orbignyanus, Triurobrycon lundii e Brycon lundii, e a piraputanga Brycon hilarii, peixes de água doce da família Characidae, subfamília Bryconineos, são espécies de alto valor comercial, difíceis de serem encontradas no mercado devido a sua escassez. A piracanjuba é uma espécie nativa da Bacia do Paraná, onde em décadas passadas podia ser encontrada com muita abundância. Atualmente, observamos uma redução drástica na reprodução e sobrevivência de alevinos desta espécie em decorrência da destruição das matas ciliares, poluição, represamento e diminuição das lagoas marginais para operacionalização de usinas hidrelétricas, ou mesmo sua drenagem para “melhor” aproveitamento agrícola. Com muita dificuldade, apenas em alguns rios mais preservados, pode-se encontrar esta espécie. Desde 1978, segundo Godoy, não se captura um exemplar desses peixes no Rio Mogi-Guassu, outrora local de grande ocorrência de Brycon sp.

Os estudos com vistas ao aproveitamento dos Brycon sp na piscicultura nacional se iniciaram com Ihering em 1927 e atualmente pesquisadores do CEPTA em conjunto com pesquisadores da CAUNESP/Botucatu, têm intensificado os estudos visando não somente a viabilização do Brycon na piscicultura mas também em repovoamentos ou reforço de populações onde estejam ameaçados de extinção.

Embora a utilização do Brycon sp seja de fato, muito promissora para a piscicultura, poucos são os estudos relacionados com a biologia desses peixes, e menos ainda se sabe sobre seu comportamento quando submetidos a sistemas de criação. Os obstáculos de sua utilização em grande escala na piscicultura, são decorrentes da pouca disponibilidade de alevinos, o que vem incentivando piscicultores menos informados a importarem espécies exóticas que, além de possibilitarem, em caso de fuga para ambientes abertos, desequilíbrios ambientais, poderão ser portadores de agentes patógenos e causarem danos irreparáveis a esses ambientes.

Maturação

No primeiro ano de vida já se pode observar, tanto em lotes de matrinxã como em piracanjuba criados em viveiros, alguns peixes machos aptos para reprodução e, somente no segundo ano, se observam as primeiras fêmeas também preparadas. Apesar disso, a preparação definitiva dos machos e das fêmeas ocorre mesmo a partir do segundo e do terceiro ano, respectivamente.

No período reprodutivo, os machos apresentam aspereza nas nadadeiras ventrais e anais, e sob leve pressão no abdômen liberam líquido espermático enquanto as fêmeas, quando aptas a responderem a indução hormonal (desova), apresentam abaulamento e flacidez na região abdominal além de apresentar uma coloração rosada na papila genital.

Propagação Artificial

As dosagens hormonais que apresentam os melhores resultados, utilizaram extrato hipofisário de carpas. As fêmeas receberam de quatro a cinco mg/kg, dividido em duas doses, através de injeção intra peritoneal, atrás da nadadeira peitoral. Na primeira, injeta-se 20% do total e na segunda os 80% restantes, de 8 a 12 horas após a primeira injeção. Nos machos, aplica-se uma única dose de 0,5 mg/kg (machos mais abundantes) ou 1,0 mg/kg (machos mais atrasados) no mesmo horário da aplicação da segunda dose das fêmeas. Tanto para piracanjuba como para matrinxã, a desova tem ocorrido ao redor de 150 a 220 horas-grau, numa temperatura de 27 a 30 ºC.

A produção de óvulos é ao redor de 10 – 15% do peso vivo das fêmeas e, a quantidade de esperma dos machos, tanto da piracamjuba como do matrinxã é grande, se comparada, por exemplo, com o pacu e o tambaqui. Apenas o líquido espermático de um macho é suficiente para fecundar óvulos de duas a três fêmeas.

Incubação

Os ovos são incubados em incubadoras tipo funil (Woynarovich), numa densidade de 1000 a 1500 ovos por litro, resultando numa sobrevivência média, de ovos fertilizados a embriões eclodidos, de 75 a 95%. O tempo de incubação varia de 14 horas a 26 ºC e 10 horas a 29 ºC.

Mesmo não estando completamente dominada, os resultados da reprodução artificial destas espécies já é capaz de produzir milhões de larvas. Contudo, os resultados deixam de ser animadores com a ocorrência de altas mortalidade nos estágios de desenvolvimento de larva a alevino que podem estar relacionadas com o canibalismo, a insuficiência de alimento adequado e/ou a qualidade da água.

As larvas de peixes em seus primeiros dias de vida, alimentam-se das reservas nutritivas contidas no saco vitelínico. O tempo que gastam para a reabsorção desta reserva está relacionado com fatores intrínsecos (tamanho, metabolismo, especificidade, etc.) e extrínsecos, dos quais a temperatura da água é um dos mais importantes parâmetros.

Após o enchimento da bexiga natatória, a larvas de peixes geralmente procuram alimento exógeno, sendo essa fase um período crítico, porque a falta do mesmo, pode provocar elevados índices de mortalidade. No caso dos Brycon, como a piracanjuba e o matrinxã, esta fase de procura de alimento exógeno começa cedo, ainda com a larva recém nascida com aproximadamente 30 a 36 horas de idade após a eclosão, quando estão com o saco vitelínico bastante pesado, mais de 50% nadando ainda na vertical e com a bexiga natatória ainda não inflada. As larvas nesta fase crítica, ainda na incubadora, necessitam de um manuseio adequado, caso contrário, a incidência de canibalismo é muito alta e milhares de larvas, após o período de incubação, estarão reduzidas a algumas centenas, com sobrevivência de 4 a 5%.

Canibalismo

Uma das formas de redução deste canibalismo é o incremento de um “alimento” adequado dentro das incubadoras durante o período de 30 horas a aproximadamente 60-70 horas de incubação, quando as larvas já absorveram mais de 70% do saco vitelínico, a bexiga natatória está inflada e já nadam na horizontal como um peixe.

Estão sendo realizados alguns estudos buscando soluções que amenizem o alto grau de canibalismo nesta fase de criação, entre eles o consorciamento com larvas de outras espécies.

Quando submetidas, na fase inicial do canibalismo a uma consorciação com larvas de pacu, curimbatá e tambaqui com aproximadamente a mesma idade, as larvas de matrinxã dão preferência à larva de pacu.

Se a larva predadora está consorciada com larvas de outras espécies e tem preferência por uma delas, é porque existe alguma característica que facilita sua apreensão e ingestão. Entre essas características, podemos citar o tamanho e a forma do corpo, a velocidade de locomoção e a fragilidade.

Entre as quatro espécies consorciadas nas condições testadas, as larvas de pacu foram as que apresentaram menor tamanho e menor capacidade de locomoção, características que talvez tenham interferido no matrinxã para que desse preferência ao pacu.

Outro aspecto que favorece o canibalismo entre as larvas e alevinos de matrinxã é que as larvas desta espécie, inicialmente, se apresentam heterogêneas quanto ao seu tamanho. A falta de alimento induz a agressividade tanto em lotes heterogêneos como em homogêneos. Com o aumento da agressividade, o lote tem uma tendência a uma nova homogeneização, e assim sucessivamente.

A densidade populacional, até o quarto dia após o período de início do canibalismo, não é afetada desde que haja alimentação disponível. Os melhores resultados obtidos relativos a sobrevivência nesta fase crítica, foi na proporção de 5 a 7 larvas de forrageiro (presas) para cada larva de matrinxã, onde conseguiu-se uma sobrevivência de 70 a 90%.

Recomenda-se neste período de criação das larvas nas incubadoras, uma densidade não superior a 1000 larvas/litro de matrinxã, devido a presença da larva forrageira.A Figura 1 mostra uma larva de matrinxã predando outra, na ausência de larvas forrageiras.

Viveiros

Após o período de permanência nas incubadoras, que varia conforme a temperatura (25-27 ºC ± 60-70 horas), as larvas estarão aptas para a criação em viveiros. O sucesso dessa criação vai depender primordialmente do tipo, quantidade e manutenção do zooplâncton disponível nos viveiros, da densidade de larvas estocadas por metro cúbico e da qualidade da água.

As larvas de matrinxã e piracanjuba tem demonstrado uma preferência alimentar por crustáceos zooplanctônicos, principalmente os cladóceros, além de larvas de insetos aquáticos. Para manter estes itens alimentares nos viveiros é importante que se estabeleça um programa de fertilização orgânica e inorgânica, inóculo de zooplâncton, seguido de um acompanhamento da qualidade da água. Isso vai resultar num aumento da sobrevivência de larvas e alevinos nesta fase de criação, que é muito rápida, com duração média de 20 a 30 dias.

Também é importante que no dia da estocagem das larvas nos viveiros, estes estejam alcançando picos de alimentos adequados (cladóceros), que pode ocorrer após 7 a 10 dias da preparação dos viveiros, dependendo de fatores como temperatura, intensidade de luz, nutrição do zooplâncton (tipo de fertilização orgânica e inorgânica utilizada). Além da preparação inicial (adubação), é ideal que se façam readubações com intervalos de 3 a 7 dias, objetivando a manutenção do pico de zooplâncton, se as condições de qualidade de água, principalmente O2D e amônia, estiverem em condições ideais.

Ração Após 3 a 5 dias de estocagem das larvas nos viveiros, pode ser fornecido uma alimentação artificial (ração). Esta, deve ser fornecida ad libitun, de 3 a 5 vezes por dia. Porém, é bom ressaltar que é o alimento natural (zooplâncton), que tem proporcionado melhores resultados de sobrevivência. A Figura 2 mostra alevinos de matrinxã predados, devido a falta de alimentação nos viveiros.

A densidade de estocagem ideal (pode variar de 30 até 70 larvas/m3 dependendo da produtividade dos viveiros), e o manejo (tipo de adubo, inóculo de zooplâncton, alimentação artificial), influenciarão no tempo de criação, sobrevivência e crescimento final dos alevinos e sua decorrente qualidade.

O quadro demonstra resultados de sobrevivência e crescimento final de alevinos de matrinxã, após 23 dias de criação, utilizando diferentes tipos de adubação.