Camarão Marinho:

Um Olhar sobre o Mercado Internacional

Por: Alberto J. P. Nunes – e-mail: [email protected]


A camaronicultura marinha mundial é o setor aqüicola mais importante em termos monetários, contabilizando em 1997, US$ 6,1 bilhões ou 12% do valor total gerado pela indústria de cultivo. Atualmente a atividade contribui com quase a metade (43%) do volume de camarão peneídeo extraído através da pesca, tendo cerca de 86% de sua produção representada apenas por quatro espécies (Penaeus monodon, Litopenaeus vannamei, Fenneropenaeus chinensis e F. merguiensis). Apesar da crescente demanda e valor econômico em ascensão, a produção mundial de camarões marinhos cultivados está estabilizada em torno de 940 mil toneladas desde 1995 (Gráfico).

Este padrão contraria as elevadas taxas de expansão exibidas pela indústria nos anos 80 e o rápido crescimento que atividade vem apresentando no Brasil. Como conseqüência da tendência de expansão da indústria nacional e de fatores internos, incluindo a desvalorização do real, os maiores níveis de oferta de camarão capturado (ver embargo EUA) e a precária cadeia de comercialização do produto no país, tem se observado, em certas épocas do ano, acirrada competitividade, gerando preços não compatíveis com o produto e menos atrativos frente ao mercado externo. As informações apresentadas a seguir comentam sobre as particularidades do mercado internacional de camarões marinhos, traçando alguns caminhos para os produtores alcançarem a exportação.


Mercado Consumidor

Os grandes centros importadores de camarão são os EUA, o Japão e os países da União Européia. Entre as características demográficas mais importantes destas regiões está o poder aquisitivo da população combinado com o tamanho do mercado consumidor, estimado em 760 milhões de habitantes.

Em 1998, com uma pauta composta por 64 países, incluindo o Brasil, os EUA importaram US$ 3,1 bilhões ou 315 mil ton. de camarão. Nos últimos 15 anos, os americanos aumentaram em 51% o consumo deste crustáceo, atingindo em 1997 um consumo per capita de 1,2 kg, inferior apenas ao atum.

O Japão é considerado um dos maiores compradores de camarão do mundo. Nos últimos anos, as importações anuais têm se mantido por volta de 270 mil ton. (1997). Isto se deve a oferta limitada de camarão no mercado asiático, resultado de preços mais elevados nos EUA e Europa, e a recente recessão econômica japonesa.

Entre 1990 e 1996, as importações de camarão pela Comunidade Européia flutuaram entre 240 e 340 mil ton. A Dinamarca se destaca como o maior país importador, principalmente de camarão in natura, originário da pesca na Groenlândia e destinado ao processamento e reexportação. Os espanhóis são os maiores consumidores de camarão na Europa (consumo per capita de 2,0 kg), e os maiores importadores de camarão cultivado, proveniente basicamente do Equador, onde muitos empresários mantêm joint-ventures com operações de cultivo. A Grã-Bretanha, a França e a Itália também se destacam no mercado europeu.

Países Exportadores

Em 1998, a Tailândia, o Equador, o México, a Índia e a Indonésia dominaram as importações americanas de camarão, sendo estes também os maiores países produtores de peneídeos cultivados (exceto o México). No período entre 1984 e 1998, o volume das exportações de camarão brasileiro para os EUA passaram de 4º posição para a 24º.

O camarão cultivado que chega a Comunidade Européia provem principalmente do Equador (L. vannamei), China (F. chinensis) e Indonésia (P. monodon). Enquanto o P. monodon tem uma aceitação em todos os países da Comunidade Européia, a exportação do camarão branco é mais restrita a Espanha e a França, e do F. chinensis a Grã-Bretanha e a França. Atualmente, os principais exportadores de camarão para o Japão são a Índia, a Indonésia, a Tailândia e o Vietnã. As previsões apontam um crescimento nas importações japonesas provindas da Índia por volta de 20 a 30% ao ano, sugerindo entretanto poucas perspectivas de aumento nas exportações da Indonésia e Tailândia. Isto deve-se ao esgotamento da capacidade de expansão da atividade de cultivo nestes países, que já passa por uma forte intensificação.

Qualidade

No mercado externo, a consistência da qualidade do camarão é um dos pre-requisitos básicos à exportação e a manutenção das vendas. Muitos dos compradores de pescado no mercado internacional reconhecem que a qualidade do camarão produzido em cativeiro é superior ao do camarão oriundo da pesca. Este fato é atribuído à rapidez com que o camarão é resfriado após a despesca, o que possibilita manter o frescor inicial do produto. As exigências acerca da qualidade, por parte dos produtores brasileiros (Tabela 1),quando comparadas as dos negociantes internacionais, são bem menores. Entretanto, investimentos para garantir a qualidade final do produto geralmente compensam, devido ao preço mais elevado obtido no camarão negociado ao exterior.

O crescente nível de competitividade no mercado internacional de camarões sugere que deverá haver mais rigor nas inspeções sanitárias e de qualidade pelos países compradores. Provavelmente a tendência na Europa e em outros mercados deverá ser a de adotar critérios semelhantes aos da agência americana reguladora de alimentos e drogas (FDA). Em dezembro de 1997, o sistema HACCP (“Harzard Analysis Critical Control Point”, em português Análise dos Riscos e Controle dos Pontos Críticos), passou a vigorar para todos os mariscos que entram nos EUA. Este sistema requer em suma, a adoção de sete princípios básicos que objetivam prevenir ou eliminar condições de risco durante o processamento de alimentos (Tabela 2). A adesão a tais critérios de qualidade abre margem para novos mercados, agregando valor ao produto e facilitando a sua aceitação por negociantes no mercado internacional.

Tamanho e Embalagens

O tamanho individual do camarão no mercado externo é expresso em número por libra (lb) ou kg. Para um camarão de 14 a 16 g, por exemplo, utiliza-se 61/70 por kg, ou seja de 61 a 70 camarões por kg (1 kg = 2.204 lb). Neste sistema, quanto menor for o número, maior será o peso individual do camarão e mais elevado deverá ser o preço obtido no mercado. Para camarões com tamanhos inferiores a 14 g, pode ser utilizado a abreviação “/ov” (e.g., 70/ov). Em supermercados dos EUA e Europa, é comum observar os termos “jumbo”, “large” e “medium shrimp”, embora neste método, não existam padrões específicos para designar o tamanho e o número de camarões. Para o atacado entretanto, o sistema descrito inicialmente é o mais empregado.

Pelo fato do tamanho individual do camarão ser um fator determinante do preço, a variação no peso de cada indivíduo deve obedecer ao estabelecido na embalagem e de preferência não exceder 15% entre o peso do menor e maior camarão. Em alguns casos o produto é comercializado como “blended sizes” ou tamanhos misturados, permitindo uma maior variabilidade (e.g., 40/60, 50/80).

O camarão cultivado é comercializado no mercado externo com uma variedade de tamanhos, sendo observados produtos que vão de 31/40 a 80/ov. No ano passado, 14,4% de todo camarão (congelado com casca) exportado para os EUA foi de 31/40, embora uma mesma quantidade percentual tenha sido observada para camarões de 61/70 e menores (15,0%). Em geral, o tamanho individual dos camarões cultivados, ofertados no mercado externo, tem diminuído. Embora nos cultivos se tenha a opção de prolongar o ciclo de produção para obter camarões com pesos mais elevados, os custos com ração e os riscos com a ocorrência de enfermidades aumentam demasiadamente. Como conseqüência, nos últimos anos, a tendência tem sido de reduzir o tempo de cultivo para se obter um maior número de ciclos por ano e evitar possíveis perdas econômicas com enfermidades. Estima-se que entre janeiro e fevereiro de 1999, 75% do camarão equatoriano exportado para os EUA foi de 51/60 ou menor, comparado com 57% neste mesmo período em 1998.

O camarão “com cabeça” pode ser comercializado no atacado em caixas de papelão (master box) contendo 8 ou 6 embalagens individuais de 500 g e 1 kg de camarão, respectivamente, revestidas com um filme plástico. Pode-se também optar por caixas de 12, 16 ou 20 kg contendo 6, 8 ou 10 embalagens individuais de 2 kg. Para camarões “sem cabeça” as embalagens de 500 g são mais comuns.

Preferências

O camarão vendido “com cabeça” é muito popular no mercado brasileiro, europeu e asiático, exceto nos EUA. Em 1998, quase 61% de todo camarão importado pelos americanos foi na forma de “descascado e sem cabeça” (Tabela 2). O camarão “fresco e congelado” domina as importações japonesas (93%), americanas (90%) e espanholas (98%). O camarão consumido no Japão é basicamente o mesmo consumido nos EUA (exceto Marsupenaeus japonicus comercializado no Japão geralmente vivo), portanto as preferências são relativamente semelhantes (Tabela 4).

Em geral os países do Mediterrâneo Europeu preferem os camarões tropicais grandes (10/20) “com cabeça e casca”, destinados principalmente a restaurantes (Tabela 4). Na Espanha e França aceitam-se os camarões brancos, marrons ou róseos, enquanto que na Itália os camarões com coloração vermelha ou rósea são mais populares.

Preço

Como no mercado interno, os preços internacionais dos camarões marinhos obedecem aos níveis de oferta e demanda do produto, a sazonalidade, a espécie (cor e textura) e o tamanho do camarão, além da forma em que o produto é comercializado (Tabela 3).

Os preços do camarão no Japão são geralmente mais atrativos quando comparado aos dos EUA, mas recentemente este padrão tem se revertido. O efeito da estabilização na produção mundial de camarão cultivado a partir de 1995, associado à uma demanda americana insatisfeita, resultaram em preços mais elevados nos EUA (Tabela 3). Para efeitos de comparação, na Espanha, o camarão branco com cabeça pode atingir preços que variam entre US$ 4,0 /kg (camarões entre 5 e 6,5 g) e US$ 7,0 /kg (14 e 16 g). Os preços do camarão no hemisfério norte geralmente são menores nos primeiros dois meses do ano (inverno) atingindo uma alta durante o verão (junho a agosto) e época de Natal.

Com uma maior participação no mercado global de camarões, a produção provinda da aquicultura tem funcionado como um fator determinante na formação dos preços no mercado externo. As constantes perdas na produção dos grandes países produtores (China, Equador, Taiwan, Filipinas, Índia), decorrentes de aspectos ambientais e de manejo, têm gerado quedas significativas na produção mundial (Gráfico),ocasionando uma imprevisibilidade na oferta e consequentemente oscilações nos preços. Prevê-se que esta instabilidade nos preços deverá continuar nos próximos anos, apesar da maior representatividade da produção provinda de países antes considerados como médios produtores. O consumo domestico de camarões em países emergentes deverá se tornar mais significativo, provavelmente impondo uma maior pressão aos preços no mercado internacional.

Como Exportar

Para exportar, as empresas devem estar cadastradas no Registro de Exportadores e Importadores (REI) da Secretaria de Comércio Exterior. O cadastramento no REI é feito no ato da primeira operação, através de qualquer ponto conectado ao SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior), informando CGC, constituição societária, capital social e outros dados cadastrais. O acesso ao SISCOMEX pode ser realizado dentro da própria empresa, interligando-se ao sistema, ou através de agências bancárias que prestam serviço de comércio exterior, ou ainda com um despachante aduaneiro.

O Sistema está concebido de forma a caracterizar uma operação de exportação através do Registro de Exportação (RE) e, eventualmente, de dois outros módulos: Registro de Operação de Crédito (RC) e Registro de Venda (RV). Para operar no Sistema (RE, RC, RV) a empresa deve eleger, junto à Secretaria da Receita Federal, seus representantes que podem ser bancos, corretoras, despachantes, além de seus próprios funcionários, para efetuar operações em seu nome. Mediante o preencimento da documentação acima, se processa o desembaraço da mercadoria ao exterior junto à Secretaria da Receita Federal. O ato final do despacho aduaneiro é a averbação, que consiste na confirmação, por parte da fiscalização, do embarque ou transposição de fronteira, registrada eletronicamente via SISCOMEX.

Considerações Finais

Somente nos EUA existem mais de 1000 firmas operando na importação de peixes, crustáceos e moluscos. No Brasil, a formação de associações estaduais de camaronicultores poderia trazer inúmeras vantagens, como uma redução dos entraves burocráticos e custos derivados da exportação, possibilitando também a oferta de quantidades mais regulares do produto, elevação da qualidade e negociação de preços mais atrativos no mercado.

Apesar de estudos sobre a oferta e demanda de camarões marinhos no Brasil não estarem ainda disponíveis, alguns indicativos sugerem que a saturação do mercado doméstico ainda está longe de ser atingida. O mercado externo serviria no momento para expandir as possibilidades de comercialização do produto e incrementar as margens de lucro nos períodos do ano em que há uma desaceleração do consumo. A forma de apresentação do produto final e estratégias mercadológicas, como a rotulação de camarões com selo ambiental, devem ser avaliadas pelos exportadores. Isto permite agregar valor ao produto e distingui-lo de potenciais competidores.

A contínua melhoria da qualidade dos camarões de cultivo no Brasil deve ser incentivada desde agora para se criar uma sólida reputação da camaronicultura marinha brasileira, frente ao mercado internacional.