Camarões Marinhos: Estratégias Especiais de Manejo para o Incremento da Produtividade

Por Alberto Jorge Pinto Nunes – GECMAR/LABOMAR/UFC
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O aumento da produtividade é almejada em todo empreendimento de cultivo. No entanto, no Brasil, após duas décadas de operação, o cultivo comercial de camarão marinho apenas em raras exceções, foi capaz de ultrapassar o patamar dos 600 Kg de camarão/ha/ciclo. O incremento e sustentabilidade de bons níveis de produtividade está relacionado a um conjunto de fatores, tais como: o minucioso controle de aspectos ambientais e técnico-administrativos da fazenda e o treinamento e aperfeiçoamento de pessoal. Em algumas operações de camaronicultura marinha do Nordeste, a aplicação rigorosa destas medidas, associada à introdução e inovação de nova tecnologia de manejo, tem proporcionado a obtenção de níveis de produtividade (superiores a 1000 kg/ha/ciclo), jamais alcançados em toda história do cultivo de camarão marinho no Brasil. Algumas destas técnicas são aqui apresentadas.


Tratamento do Fundo

O tratamento do fundo deve ser iniciado logo após a despesca, com a secagem natural do solo por um período mínimo de 7 a 10 dias. Poças d’água devem ser drenadas para evitar a sobrevivência de predadores. Quando seco (capaz de suportar o peso de um homem), o solo deve ser revolvido com pás ou tratores para permitir a aeração, secagem e posterior fixação de algas bentônicas, benéficas ao cultivo. A calagem (Tabela 1), que serve para neutralizar a acidez da água e do solo, favorecendo a mineralização do mesmo, é realizada com a aplicação de cal em solos ácidos (pH do solo ó 6,5). Também pode ser utilizado calcário ou conchas de ostras e corais triturados.

A fertilização deve ser iniciada simultaneamente ao enchimento do viveiro, porém antes do povoamento. Na Tabela 2 é sugerido um esquema de fertilização. As taxas de fertilização variam entre viveiros, visto que a dosagem do fertilizante a ser aplicada depende da disponibilidade de nutrientes nos mesmos. A utilização de fertilizantes inorgânicos é mais recomendada, pois estes possuem quantidades de N:P (1:1,5) concentradas e definidas, ao contrário dos orgânicos (e.g., esterco de frango) que podem causar auto-poluição do viveiro. Fertilizantes granulados devem ser diretamente e uniformemente aplicados em todo o viveiro ou dissolvido em água (1 parte de fertilizante para 3-4 partes de água) antes de sua aplicação. Em águas com baixas concentrações de sílica, convém aplicar silicato de sódio (750 cm3/ha) a fim de estimular o crescimento de diatomáceas.

Controle de Organismos Indesejáveis

A melhor forma de combate a organismos indesejáveis é a preventiva, realizada antes do enchimento e povoamento do viveiro. Uma má drenagem propicia a sobrevivência de predadores, tais como siris e peixes, e de competidores como bivalves gastrópodes. Na Tabela 3, são apresentados os principais pesticidas utilizados no controle de predadores e/ou competidores.

É importante ressaltar que todos os pesticidas devem ser diluídos em água precedendo sua aplicação, para uma melhor dispersão do produto. O canal principal de abastecimento de água deve ser anualmente drenado e exposto a um dos tratamentos citados. A coleta manual de siris nos viveiros após a despesca é também recomendada.

Técnicas de Aclimatação de Pós-Larvas

A aclimatação é um procedimento essencial para garantir índices de sobrevivência elevados após a estocagem dos camarões no viveiro. Esta consiste na mistura gradual e contínua da água do viveiro com a água de transporte das pós-larvas (PL’s), até que as mesmas tenham se ajustado às condições da água do viveiro. O período de aclimatação está relacionado ao tamanho e qualidade das PL’s e às diferenças de temperatura e salinidade da água (Tabela 4). Pós-larvas maiores requerem menos tempo de aclimatação do que PL’s menores. A aclimatação deve ser realizada no início da manhã, em tanques circulares de polipropileno de 1000 L (protegidos do sol), com aeração constante. A alimentação é recomendada nos casos em que o período de aclimatação leve mais do que algumas horas. Após serem aclimatadas, as PL’s devem ser sifonadas diretamente para o viveiro. A sobrevivência durante este procedimento pode variar entre 50-80%.

Instalações para o Aumento da Sobrevivência de Pós-Larvas

Os pré-berçários têm como função facilitar observações iniciais do estoque de PL’s, a fim de avaliar a qualidade das mesmas e reduzir o estresse ocasionado durante o procedimento de transporte. Os pré-berçários, construídos de alvenaria, podem possuir forma retangular ou circular. Os tanques circulares são melhores, pois além de possuírem uma circulação mais eficiente, são mais auto-limpantes, diminuindo o acúmulo de matéria orgânica, resultando em PL’s de melhor qualidade. A razão diâmetro-profundidade do tanque, pode obedecer a 6:1 m ou menos. Os tanques devem possuir no centro um cano de drenagem perfurado coberto com tela. A circulação é realizada por meio de um cano perfurado instalado na borda e ao redor de todo pré-berçário. Outra alternativa é utilizar um cano perfurado com aeração (comprimento equivalente ao raio do tanque), instalado na superfície da água de forma a permitir a sua auto-rotação. A fase de pré-berçário dura entre 7-10 dias.

Após esta fase, as PL’s devem ser transferidas para berçários (viveiros de terra com 0,1-1,0 ha). Os berçários servem para condicionar os camarões a buscar o alimento em bandejas (caso estas sejam utilizadas), aumentar a eficiência alimentar durante os estágios iniciais de vida e auxiliar nas estimativas de sobrevivência e produção nos viveiros de engorda. Esta fase também permite selecionar os camarões maiores e mais resistentes para a fase de engorda. A idade das PL’s para estocagem pode variar de 10-15 dias, sendo esta feita em densidades que variam entre 50-200 PL’s/m2. O período de cultivo dura entre 20 e 30 dias, produzindo juvenis de 0,8-1,5 g. Durante esta fase deve ser utilizada ração (em forma de pó e grânulos) contendo 50% de proteína, o qual deve ser ofertada em bandejas ou distribuída por lance. A mortalidade não deve exceder 30%.

Medidas Corretivas para a Melhoria da Qualidade da Água

Dentre as medidas utilizadas, a renovação d’água é a prática mais comum, capaz de diminuir as descompensações nas taxas diárias de oxigênio dissolvido (OD), prevenir aumentos substanciais da salinidade durante os períodos secos, controlar o acúmulo de amônia e nitrito, além de adicionar alimento natural. A Tabela 5 exemplifica alguns casos nos quais a renovação pode ser aplicada para remediar problemas com a qualidade d’água. A prática de renovação não deve ser utilizada caso a qualidade e o nível da lâmina d’água do viveiro estejam favoráveis. Uma renovação desnecessária acarretará, através da descarga d’água, perdas de plâncton e nutrientes presentes no viveiro, além de um aumento nos gastos com energia. Atualmente, sabe-se que a taxa de difusão com a renovação da água é mínima. Esta medida também diminui os processos de reciclagem que ocorrem naturalmente no viveiro, aumenta a poluição nos locais de descarga d’água e tem um pequeno impacto na produção de camarão. A aeração mecânica (ex.: aeradores de pás), é considerada uma prática mais econômica e eficiente para eliminar estratificações térmicas e químicas. O uso de aeradores é mais recomendado para sistemas de cultivo intensivo (i.e. taxas de arraçoamento acima de 100 kg/ha/dia). Nesta situação, é utilizado até 10 hp/ha. Em sistemas extensivos e semi-intensivos (taxas de alimentação de 20 kg/ha/dia ou menos), os “ganhos” e “perdas” de OD são relativamente iguais. Nestes casos, a aeração mecânica pode ser aplicada em horas críticas do dia, como durante a noite e no inicio da manhã, e nos estágios finais do cultivo.

O acúmulo de material orgânico em viveiros é um outro problema comum em cultivos de camarões. A intensificação do cultivo e com o aumento de material acumulado no fundo do viveiro, derivado de ração não consumida, excremento animal, excesso de material fitoplanctônico, etc…, pode ocorrer uma maior demanda de OD e a formação de substâncias tóxicas. A construção de cercados de madeira ao longo do canal de abastecimento serve como uma barreira para contenção e sedimentação de material orgânico. Em grandes empreendimentos, podem ser construídos viveiros de sedimentação. Em casos de excesso, o material orgânico deve ser removido do viveiro através de bombas de sucção, pás ou de tratores.

Aumento e Acompanhamento da Produtividade Natural em Viveiros

O aumento da produtividade natural é alcançado através da aplicação de um programa de fertilização e arraçoamento eficientes, o qual deve ser desenvolvido individualmente para cada viveiro, de acordo com suas características físico-químicas e ecológicas. A construção de estruturas no viveiro para fixação de epibentos (organismos importantes na dieta dos camarões peneídeos, como copépodos) é um método simples que traz bons resultados. A técnica consiste na montagem de telas, feitas de sacos velhos de ração, abertos em toda sua extremidade, instalados no viveiro por meio de estacas de madeira. As telas devem ser estrategicamente posicionadas no viveiro em toda sua extensão, em um raio de 180° em relação a comporta de entrada d’água, de forma que não comprometa a circulação d’água. Deve ser também ser observado a direção predominante do vento, para evitar a retenção de material orgânico, que é depositado nos taludes. Em outros casos, pode ser feito um emaranhado de telas em forma de bolas que devem ser fixadas no fundo do viveiro. Conjuntamente, após os procedimentos de fertilização e precedendo a estocagem de PL’s, pode ser realizada a inoculação de poliquetas provenientes de outros viveiros. Poliquetas e/ou a contagem de algas (i.e. diatomáceas, clorofíceas), são geralmente utilizados como indicadores da produtividade natural. Poliquetas são amostradas do viveiro (1-2 estações de coleta/ha) por meio de coletores manuais de substrato. Em seguida o substrato é lavado em telas e realizada a contagem de poliquetas.

Biometria, Acompanhamento da Biomassa e Sobrevivência da População

A amostragem periódica de camarões (i.e. semanalmente) através de rede de tarrafa, é o melhor método para avaliar as condições de saúde, crescimento e sobrevivência da população. Os camarões devem ser capturados aleatoriamente do centro do viveiro e próximo aos taludes. No mínimo 50 indivíduos/viveiro devem ser capturados para pesagem e análise visual (muda, cor, odor, presença de enfermidades). O número de camarões a ser capturado no entanto, depende da variação de tamanho encontrada na amostra, ou seja, quanto maior for a variação de tamanho, maior deve ser o número de camarões capturados. Durante as amostragens, devem ser também observados além da condição e comportamento do camarão, as condições do viveiro e a presença de predadores. As estimativas de biomassa e sobrevivência são realizadas paralelamente com tarrafas (4-5 tarrafadas/ha).

Arraçoamento e Uso de Bandejas de Alimentação

Bandejas de alimentação (do inglês “feeding trays” ou “lift nets”) ou comedouros (do espanhol “comederos”) são hoje comumente utilizadas em fazendas de camarão marinho do NE. Cultivadores sugerem que a utilização de bandejas reduz os desperdícios de ração, levando a obtenção de melhores taxas de conversão alimentar. Indiscutivelmente, o uso de bandejas permite um melhor acompanhamento do consumo alimentar, podendo reduzir o apodrecimento do solo e água ocasionado pela alimentação em excesso, quando realizada por lance. Na fabricação das bandejas empregadas no NE, são utilizadas virolas de pneus (parte central do pneu constituída de aço e borracha) na base das quais é colocada uma tela de 1,3 mm (ø de abertura da malha). Geralmente são utilizadas até 30 bandejas/ha, posicionadas, por meio de varas, em toda a extensão do viveiro a uma distancia de 12-14 m uma da outra.

Nos estágios iniciais do cultivo são necessários cerca de 20 bandejas/ha. Na medida em que a biomassa de camarões aumenta, um maior número de bandejas deve ser introduzido, para prevenir competição alimentar entre a população. Nas primeiras duas semanas de engorda, a ração deve ser distribuída por lance próximo aos taludes e uma pequena quantidade concentrada em bandejas localizadas em outros locais do viveiro.A partir da 2° semana, deve ser iniciada a distribuição de ração em todos os comedouros.

A distribuição do alimento artificial deve ser realizada por meio de caiaques. Estes devem ser equipados com um container para possibilitar a coleta simultânea do alimento não consumido. Para medir rapidamente a quantidade de ração a ser administrada em cada bandeja, são utilizados vasilhames plásticos de 50, 100, 150, 200 e 250 g, sendo necessário a distribuição um operador por cada 6 ha/dia. O alimento deve ser distribuído 3 vezes/dia, sendo preferivelmente, 10-20% da refeição diária total no inicio da manhã, 30% ao meio-dia e 50% no final da tarde. Todo o alimento não consumido deve ser coletado e pesado a cada horário de arraçoamento, podendo as bandejas serem escovadas dentro do próprio viveiro. A quantidade de ração a ser ofertada depende do consumo observado, podendo este variar, no início de 1 Kg/ha/dia a 7 Kg/ha/dia (camarões com peso médio de 2,5 g).

A partir deste estágio o consumo aumenta gradativamente, especialmente durante os períodos de muda da população. Para um melhor controle, os funcionários devem ser treinados para determinar visualmente a quantidade de ração (100, 200, 300 g, etc) não consumida por bandeja. Isto permite modificar a quantidade de ração administrada por bandeja e por horário de arraçoamento. A fim de auxiliar no controle do consumo, podem ser utilizados pequenos indicadores instalados nas varas que posicionam as bandejas. Para evitar sobre estimativas do consumo de ração, é necessário um rigoroso combate a predadores e/ou competidores.

A Tabela 6, exemplifica um outro método de ajuste baseado nas sobras de ração observadas em bandejas.

Também podem ser utilizadas tabelas de alimentação, associadas aos seguintes cálculos:

Quantidade de ração = % do peso médio (seguir tabela de alimentação) x biomassa da população = x Kg

Quantidade de ração (g) /bandeja /horário de arraçoamento =
x Kg ÷ n° de bandejas ÷ n° vezes de arraçoamento por dia

Ex.: 3% (camarões de 10 g) x 1000 Kg (biomassa) = 30 Kg = 30.000 g de ração 30.000 g de ração ÷ 30 bandejas ÷ 3 vezes/dia = 333 g de ração/bandeja/horário de arraçoamento

Após o término de cada ciclo de cultivo, as bandejas devem ser realocadas para outras áreas do viveiro, a fim de permitir a recuperação do solo nos locais onde estas eram previamente posicionadas. Nestas regiões deve ser aplicado calcário, logo após a despesca do viveiro.

Bandeja de alimentação de camarões na fazenda de Artemisa Aquicultura S.A. Acaraú – Ceará.

Diagnóstico e Profilaxia de Enfermidades

A ocorrência de enfermidades tem se agravado no NE, particularmente em fazendas que cultivam o camarão branco Penaeus vannamei. A RDS (Runt Deformity Syndrome), associada ao IHHNV (Infectious Hypodermal and Hematopoietic Necrosis Virus), é facilmente diagnosticada em juvenis e indivíduos adultos, sendo aparentemente a enfermidade com maior ocorrência na região, podendo atacar até 30% da população cultivada. Os sinais externos são caracterizados pela deformidade do rostrum, telson, antenas e regiões abdominais e torácicas do exoesqueleto.

Os sintomas variam desde a redução no consumo alimentar com baixas taxas de crescimento até mudanças no comportamento (ocorrência de camarões sem movimentação na superfície d’água). Até o presente não existem vacinas comerciais para o tratamento do IHHNV. A prevenção consiste na aquisição de PL´s de boa procedência. Os cultivadores devem manter um rigoroso controle do plantel, do qual suas PL´s tiveram origem, observando o percentual de ocorrência do IHHNV na população cultivada. Estas estimativas devem ser encaminhadas para a larvicultura, a fim de que o plantel de reprodutores seja descartado conforme o nível de freqüência e ocorrência da enfermidade.

Outra enfermidade bastante comum são lesões bacterianas com coloração escura que ocorre no exoesqueleto (BSD – Bacterial Shell Disease). Nestes casos, a aplicação de oxitetraciclina (OTC) pode trazer bons resultados. OTC deve ser misturada ou introduzida a ração (50 ou 100 mg/Kg de biomassa de camarão/dia) e administrada a população infectada por 5-6 dias. Outros exemplos de antibióticos que podem ser utilizados são: Romet-B, Romet-30, Furacin e tetraciclina.