Em junho próximo, a Capitã Aqüicultura Comércio e Exportação Ltda., a maior fazenda de cultivo de camarão de água doce do País encerrará suas atividades com o camarão Macrobrachium rosenbergii, concluindo um processo já iniciado com a parada do seu laboratório de produção de pós-larvas, no início deste ano.
Treze anos após o início de suas atividades, no município Alagoano de Coruripe, a Capiatã, paradoxalmente, sai de cena batendo todos os seus recordes de produção e produtividade, com despescas regulares de 20 toneladas mensais e produtividade invejáveis como a de dezembro último, de 4.750 kg/ha/ano.
Mas o que então levou a empresa, pertencente ao Grupo Tércio Wanderley, de tradicionais usineiros alagoanos, a tomar essa decisão que pega a todos de surpresa?
A comercialização do camarão de água doce, uma pedra no sapato de alguns produtores, com certeza não foi a causa. A empresa criou nesses últimos anos, uma bem montada rede de distribuidores para sua linha de produtos, capaz de colocar no mercado o que mais viessem a produzir. Os produtores Capiatã já tornaram-se tradicionais freqüentadores das gôndolas de diversas redes de supermercados de diversos estados, principalmente no Rio de Janeiro e de São Paulo, líderes de vendas.
Segundo fontes da própria empresa, a decisão de encerrar as atividades deve-se mesmo a intransigência do governo alagoano, que não cedeu com relação a cobrança do ICMS, imposto que em Alagoas é da ordem de 17%. Não é de hoje que a empresa solicita ao governo estadual mudanças nas bases desse cálculo, sem que seja atendida, ao mesmo tempo que produtores de camarões dos estados vizinhos vêm se beneficiando de percentuais mais generosos (tabela), o que, no entender da Capiatã, lhes reduz drasticamente o poder de competitividade.
Reflexos
A carcinicultura de água doce, praticada comercialmente no Brasil há cerca de 15 anos, já passou por diversas fases e enfretou inúmeros problemas, dentre eles a falta inicial de conhecimento acerca do manejo para engorda, a falta de rações específicas, dificuldades de comercialização aliada à forte concorrência do camarão marinho e hoje, depara-se com a falta de pós-larvas disponíveis no mercado face ao fechamento de quase todos os laboratórios existentes no país.
Apesar de tudo, a atividade se desenvolveu tecnicamente e o camarão de água doce é hoje um produto que o mercado já conhece, tendo conquistado paladares que o apreciam até bem mais que seu concorrente marinho.
Passados esses anos, à despeito de todos esses percalços, restam agora produtores que já aprenderam como manejar o Macrobrachium rosenbergii de forma a alcançar boas produtividades, mas que se vêem inseguros diante do fechamento da principal fazenda produtora de camarões de água doce.
A Panorama da AQÜICULTURA buscou a opinião de pessoas envolvidas com a atividade, a respeito da repercursão do fechamento da Capiatã e do rumo que a carcinicultura de água doce deverá tomar num futuro próximo.
OPINIÃO
O fechamento da Capiatã pode gerar um reflexo negativo muito grande na atividade, já que a Capiatã era a maior empresa de cultivo, com uma alta tecnologia, que ditava preço, classificação de produto, etc. É muito ruim, mas devemos tirar uma lição daí: o cultivo de alta tecnologia para o camarão de água doce é um risco grande. Fazer um investimento alto, para alta produtividade, parece que não é compensador. O ideal, é ter um cultivo de produtividade intermediária ou até com baixa produtividade, mas que seja lucrativo. Aqui em Jaboticabal, já percebemos que quando começamos a sofisticar demais, aumentado berçários, os custos sobem muito mais do que o benefício que traz. Na minha opinião, o problema da Capiatã foi o seu custo de produção muito elevado. O sistema que eles utilizaram não se mostrou eficiente, isso não quer dizer que a atividade seja inviável. Afinal, a carcinicultura de água doce cresceu 270% nos últimos dez anos. Wagner Cotroni Valente, UNESP – Jaboticabal
Todos tínhamos a Capiatã como um espelho, seu fechamento foi um golpe muito duro. A Capiatã cresceu muito e teve problemas com impostos que gerou a crise. Em nosso caso, embora as fazendas tenham relativamente o mesmo tamanho, trabalhamos de uma forma mais simplificada. Com relação à atividade, o futuro é incerto. Falando hoje no Banco do Nordeste sobre a perspectiva do camarão de água doce, vi que se já estavam assustados, agora estão ainda mais. De nossa parte, continuaremos investindo nesta área, embora passemos a trabalhar também com peixe. Há também a possibilidade de virmos a trabalhar com o camarão marinho, mas o carro chefe é o camarão de água doce. Aqui temos uma estrutura pronta para 50 hectares, sendo 10 em operação e uma meta de chegar aos 40 ha em funcionamento até o final do ano, para alcançarmos os 50 ha no próximo ano. Temos larvicultura, vamos partir para a produção de ração e estamos montando a unidade de processamento. Nós continuamos a acreditar na atividade e estamos estudando mais o mercado. Já conversamos com o pessoal da Capiatã, que não nos desestimulou. Nos falaram que ela era a menor empresa do Grupo Tércio Wanderley em termos de faturamento e rentabilidade, por isso se tornou desinteressante. Elias Alves Cordeiro – Companhia do Rio Preto, Aqüicultura, Comércio e Exportação – Santa Rita de Cássia – BA.
Nós possuímos o segundo maior projeto de camarocultura de água doce do Brasil, apesar de estar parado. Infelizmente, não estamos mais criando camarão, que em termos biológicos e técnicos foi um projeto de sucesso. Por problemas financeiros no final dos anos 80, tive que parar a atividade e agora vou retomá-la a longo prazo. São 33ha de lâmina d’água com tecnologia para engorda. Não temos larvicultura e comprávamos pós-larvas da Capiatã e de outros pequenos produtores. Agora, no novo projeto faremos policultivo deMacrobrachium com tilápia nilótica. Nesse tempo em que estive parado, concluí que uma empresa grande como a Capiatã era destinada ao insucesso. O camarão de água doce se caracteriza por um crescimento heterogêneo e isso requer contínuas despescas seletivas, que geram pequenas quantidades homogêneas. Por isso faz parte do novo projeto criar na minha região um pólo de cultivo de camarões para que tenhamos uma grande quantidade homogênea. Funciona no mundo todo e vai funcionar no Vale do São Francisco também. As condições climáticas são excelentes e, o mercado e tecnologia existem. É uma atividade que funciona e de futuro. A demanda mundial está crescendo em termos econômicos e é um bom negócio. Jean Pietro Vanoncini – Frutos Alfa Aquacultura – Sobradinho – BA
Existe um consenso mundial que o cultivo do camarão de água doce não se desenvolveu tanto quando o de camarão marinho, por problemas de mercado. Eu diria também que, mesmo com todos os avanços tecnológicos, o preço na fazenda, aliado à alta margem de lucro na intermediação, fizeram com que o preço do camarão de água doce não fosse interessante para o consumidor, principalmente se quando comparado com o valor de venda do camarão marinho.
É necessário reconhecer quer o M. rosenbergii, apresenta algumas desvantagens com relação ao camarão marinho, quais sejam: o cefalotórax é maior, o que representa menor rendimento da parte comestível; formato da cauda menos alongado que o camarão marinho; para alguns, pouco sabor característico de camarão; e, principalmente, a textura, que perde sua consistência após poucos dias de estocagem no gelo. Com estas desvantagens se conclui que necessariamente o camarão de água doce deva ser comercializado a preço inferior ao marinho.
Com o desenvolvimento da carcinicultura marinha, através do cultivo do Penaeus vannamei, cujo nível de produção já está provocando diminuição do preço de venda, verifica-se que o cultivo do M. rosenbergii somente terá futuro caso se desenvolva a nível de pequenos empreendimentos e sempre que estes tenham um mercado assegurado e próximo da fonte produtora. Raúl Malvino Madrid – IBAMA/GTCAD – Grupo de Trabalho sobre Camarão de Água Doce
EMBRAPA lança publicação sobre o camarão de água doce M. rosenbergii
A baixa oferta de pós-larvas de Macrobrachium rosenbergii é um dos grandes gargalos da carcinicultura de água doce. Sua produção em laboratórios envolve tecnologias sofisticadas com altos custos de produção. Em meio a crise que a atividade vive hoje, a pesquisadora Vera Lúcia Lobão, do Instituto de Pesca – SP, lança seu livro “Camarão da Malásia – Larvicultura” com técnicas de manejo de cultivo em sistema fechado, onde a água usada é reaproveitada. Editada pela EMBRAPA, a publicação é composta de 120 páginas ilustradas com fotos e desenhos. Os interessados poderão solicitá-la pelo telefone (061) 348-4236 e fax: (061) 272-4168.
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