A Biologia Relacionada à Engorda
Autor: Alexandre Alter Wainberg
De maneira geral, poucos carcinicultores conhecem a fundo a biologia do animal que lhes garante o sustento. O conhecimento do ciclo de vida dos camarões na natureza, reprodução, alimentação, fisiologia, ecologia e outros ramos da biologia ajuda bastante mas não é necessário que o fazendeiro tenha uma formação científica complexa. O sucesso da difusão da carcinicultura industrial está muito mais relacionado com a difusão dos métodos de cultivo do que com o conhecimento sobre a biologia do camarão.
Vários aspectos da biologia interferem de maneira importante no cultivo e não se pode engordar o animal sem conhece-los.
O carcinicultor iniciante terá necessidade de algum conhecimento biológico nas diversas etapas necessárias para o sucesso do seu empreendimento tais como na locação, projeto e construção, operação e comercialização. Alguns exemplos são citados a seguir, todos relacionados com a biologia do Penaeus vannamei, que na prática é a espécie selecionada pela indústria de carcinicultura no Brasil.
1 – Localização das Fazendas
Esta é a primeira etapa na construção de uma fazenda de camarões. A escolha do local adequado é imprescindível para o sucesso ou fracasso. Fazendas mal construídas podem ser reformadas e cultivos mal orientados tecnicamente podem ser corrigidos através da introdução dos métodos adequados.
Uma fazenda inadequadamente localizada não pode ser transferida. Dentre os fatores biológicos que interferem na localização das fazendas, os principais estão relacionados a forma que os parâmetros ambientais do local interferem com o camarão:
· O camarão cresce melhor com a temperatura da água entre 28 e 30 oC. Existem fazendas comerciais de camarão em uma faixa que ao norte chega a Carolina do Sul (EUA) e ao sul chega a Santa Catarina. No entanto, o risco econômico é menor quando o clima se aproxima das exigências do animal.
Fazendas comerciais fora desta faixa só são bem sucedidas quando outras vantagens são consideradas, tais como menor custo de frete, mercado local favorecido por turismo, etc. Assim sendo, os melhores locais são aqueles de clima equatorial e tropical, como o encontrado nas regiões Norte e Nordeste.
· O camarão cresce melhor em águas salobras (10-30 ppt). O regime de chuvas da região é importante pois interfere na salinidade da água.
Em muitos estuários do Nordeste, em uma faixa que vai do norte da Bahia ao Piauí, a salinidade dos viveiros pode variar de quase zero nos invernos muito fortes a quase 50 ppt durante as secas prolongadas. Assim sendo, a escolha da área determina a salinidade dos viveiros.
· O camarão vive no fundo do mar, em contato com o solo. O crescimento do camarão é negativamente afetado por solos ácidos e/ou com conteúdo excessivo de matéria orgânica. Camarões engordados sobre solos com estas características são mais suscetíveis a doenças.
A qualidade do solo da fazenda atua de forma importante na qualidade do meio ambiente de cultivo.
2- Projeto e construção
Nesta etapa, a área escolhida é adaptada para as necessidades do cultivo industrial. São projetados e construídos os viveiros, sistemas de captação e drenagem de água e outras estruturas.
· O camarão é uma animal sem controle da temperatura do seu corpo. Ao contrário do ser humano, quer faça sol ou caia neve, sua temperatura é sempre controlada em cerca de 36,5 oC. A temperatura do corpo do camarão é sempre igual a do meio ambiente.
A velocidade do crescimento está diretamente relacionada com a temperatura. A faixa ideal situa-se entre 28 e 30 oC. Um ou dois graus abaixo ou acima ainda é aceitável por curtos períodos. No nordeste, em viveiros muito rasos, a temperatura pode chegar a 33 oC restringindo a área disponível para o camarão, que foge para as partes fundas do viveiro. Na Bahia, alguns invernos são suficientemente frios para reduzir o crescimento. Atualmente as fazendas são construídas com viveiros de profundidade mínima de um metro na área mais rasa do viveiro. O maior volume de água favorece o controle da temperatura.
3- Operação
Uma vez que a fazenda já está locada e construída, chega a hora de engordar o camarão. Nesta etapa, o conhecimento da biologia do animal é ainda mais importante.
Diversas propriedades biológicas do animal interferem na forma com que este cresce, se alimenta, e se mantém saudável.
A seguir alguns exemplos:
· O camarão possui uma casca externa, tal como a armadura de um guerreiro medieval. Para que ele possa crescer é preciso trocar essa armadura por outra maior. Durante este processo, o camarão é mais suscetível ao estresse ambiental, ataque de predadores e doenças.
Camarões menores trocam de casca com mais freqüência que os maiores e no período em que fazem a muda, os camarões não se alimentam.
· Durante toda a fase de engorda o camarão permanece no fundo do viveiro, em íntimo contato com o solo.
A manutenção de condições adequadas nesse solo reduz em muito a incidência de estresse dos animais. Isto é alcançado através de secagem ao sol, calagem, revolvimento, e remoção dos sedimentos anóxicos (sem oxigênio);
· Na natureza o camarão é omnívoro, alimentando-se de detritos, animais e algas presentes no solo.
Nos viveiros povoados com mais de 2-4 camarões por metro quadrado, o alimento natural se esgota e obriga o uso de ração suplementar.
Mesmo com a presença da ração suplmentar, o alimento natural corresponde a cerca de 70-80% do volume no trato digestivo. Deste modo, a manutenção de níveis altos de produtividade natural no viveiro contribui significativamente para economia do cultivo através da redução do consumo de ração.
· O camarão é um animal de trato digestivo muito curto e ele come durante o tempo todo. Apesar da atividade dos camarões ser maior à noite, se o alimento for ofertado durante o dia, ele também aceitará e comerá. Portanto, é sempre melhor dividir a porção de ração diária em duas ou mais ofertas.
· O consumo de ração pelo camarão está relacionado ao ciclo de muda, oxigênio, temperatura, amônia e outros parâmetros. No entanto, traçar com perfeição esta relação e prever a oferta diária necessária é praticamente impossível.
A oferta de ração nas bandejas de alimentação é a melhor forma de conhecer o consumo real;
· O manejo do oxigênio é o fator mais importante durante o cultivo de camarões, e o ideal é que esteja sempre acima de 4 mg/l. No entanto, na prática, acima de 2 mg/l o camarão se alimenta normalmente.
Esta “folga” é muito importante pois é mais difícil manter o oxigênio alto em viveiros hipersalinos (>40 ppt) e em temperaturas altas (>30 oC), situação comum no nordeste, pois o ponto de saturação é rapidamente alcançado.
Para entendermos o que é o ponto de saturação do oxigênio na água, podemos comparar com a mistura de açúcar em um copo de água. Vamos colocando colheres e mais colheres até o ponto que não adianta mais colocar o açúcar, pois ele não se dissolverá mais e irá para o fundo do copo, ou seja, foi alcançado o ponto de saturação.No caso do oxigênio, quanto mais salgada e quente for a água, menor o ponto de saturação;
4 – Abate e comercialização
· Na natureza as pós larvas e juvenis do camarão vivem no interior dos estuários e migram para o mar para reprodução. Ao contrário dos peixes, que nadam contra a correnteza e para serem pescados é necessário cerca-los com redes, o camarão nada a favor da correnteza.
Estas características favorece muito a colheita dos camarões pois ao esvaziar o viveiro, o camarão vem com a água sendo coletado facilmente na comporta de drenagem do viveiro.
· Como foi dito anteriormente, o camarão troca de casca para crescer, e fica mole durante algum tempo após a muda, até que a casca nova endureça. Camarões moles tem valor comercial reduzido (principalmente para exportação) e é necessário acompanhar o ciclo de muda para determinar o melhor dia para pesca;
· Imediatamente após a morte tem início o processo de decomposição. Isto é inevitável e não pode ser detido. A única forma de contornar o problema é baixando a temperatura do camarão com gelo para garantir a qualidade do produto.
Os órgãos digestivos encontram-se na cabeça do camarão e, após o abate, é esta parte do corpo apresenta os primeiros sinais de deterioração.
A redução da temperatura reduz a velocidade da multiplicação das bactérias responsáveis pela deterioração. Deste modo, o camarão deve ser abatido e mantido no gelo até o seu consumo ou congelamento.
Os exemplos citados não cobrem todas as interações entre a biologia e o cultivo industrial. Seria necessário todo um livro para fazê-lo. A intenção foi somente iluminar alguns pontos para salientar a necessidade que terá o criador iniciante de conhecer minimamente alguns aspectos da biologia do animal antes de entrar na atividade.
Os próximos temas a serem abordados nesta seção objetivarão esclarecer:
(3) localização, projeto e construção;
(4) melhores métodos de manejo (3M’s);
(5) fazendo contas; e
(6) enfrentando os problemas.
Estes artigos “para os iniciantes“ serão restritos à fase de engorda, uma vez que a produção de pós larvas não é absolutamente coisa para iniciantes.
Boa produção!
* Alexandre Alter Wainberg é biólogo marinho, carcinicultor, proprietário do Sítio São Félix com 42 hectares de viveiros, vice presidente da COOPERCAM e secretário da ABCC – Associação Brasileira dos Criadores de Camarões. Alexandre Alter Wainberg Caixa Postal 36 Goianinha, CEP 59173-000, Brasil Phone/fax +55 084 502 2345 email: [email protected]