Ciclo de Palestras da Ranicultura traça Painel da Atividade

Nos dias 18 e 19 de outubro passado, ranicultores, pesquisadores e fornecedores de insumos e serviços vindos de vários estados brasileiros, e até do exterior, lotaram o auditório do IP – Instituto de Pesca, na capital paulista, para assistir ao I Ciclo de Palestras sobre Ranicultura. O evento, organizado por Claudia Maris Ferreira, pesquisadora responsável pelo Setor de Ranicultura do IP, foi marcado pela objetividade com que os representantes dos principais ranários brasileiros trataram os assuntos que atualmente influenciam no desenvolvimento da atividade.


Dorival Fontanello, ex-Chefe do Setor de Ranicultura do IP (e hoje desfrutando a sua merecida aposentadoria), deu as boas vindas aos participantes do I Ciclo de Palestras sobre Ranicultura. Fontanello, um dos precursores da ranicultura comercial no Brasil, aproveitou a ocasião para relatar fatos curiosos acerca da comercialização das rãs quando ainda eram caçadas na Baixada Santista e no Vale do Paraíba com a finalidade de abastecer, principalmente, as mesas da grande colônia italiana radicada em São Paulo. Ainda vivas, eram estocadas pelos caçadores em instalações precárias, até que fossem levadas para o destino final, num arremedo do que seriam os futuros ranários. Aproveitou para lembrar aos presentes a importância das pesquisas científicas ao longo de todo o percurso da atividade, e exemplificou destacando o avanço que representou o uso da “larva de mosca a milanesa”, numa alusão às pesquisas de Samuel Lopes Lima, também presente ao evento, com larvas de moscas misturadas à ração como forma de condicionar as rãs ao alimento artificial. Essas e outras formas de manejar o cultivo de rãs foram conquistas presenciadas por Fontanello em sua trajetória profissional, já que foi um dos grandes responsáveis por muitos dos avanços hoje implantados no cotidiano dos ranicultores. No segundo dia do evento, num momento solene, Dorival Fontanello foi justa e carinhosamente homenageado pelos seus ex-colegas sob os aplausos de todos os presentes.

Gustavo Braga, da Universidade Estadual de Santa Maria, na Bahia, apresentou os resultados da sua viagem a China e a Tailândia, ocasião em que pode ver de perto o manejo das baias inundadas e a forma determinada com que os ranicultores desses países comercializam seus produtos. Os detalhes da viagem de Gustavo já foram publicados em artigo na Panorama da AQÜICULTURA de setembro/outubro de 1999, tendo despertado grande interesse entre os leitores. Entre os diversos temas explorados durante a sua visita, mereceu destaque o relato do aproveitamento integral da rã feito pela culinária chinesa. Em um dos pontos altos da palestra, Gustavo contou sobre o convite irrecusável que recebeu de seus anfitriões para degustar um prato típico de rã em um restaurante local, onde a pele da rã lhe foi servida como iguaria. Estômagos embrulhados à parte, Gustavo surpreendeu a todos com o tamanho da indústria da ranicultura praticada na Ásia e a grande disposição que têm em continuar a crescer e atender a grande demanda já identificada em todo o mundo.

Carlos Alberto Lima dos Santos, médico veterinário e consultor para qualidade e inocuidade de alimentos, apresentou aos participantes do evento o seu trabalho recém publicado pela FAO/Globefish cujo título original é “The world market for frog legs” ou “O mercado mundial para as coxas de rãs” (ver seção Lançamentos Editoriais). Além de Lima dos Santos, Rui Donizete Teixeira e Silvia Pereira Mello também participaram da elaboração deste trabalho, que consumiu 14 meses de pesquisa. Segundo os autores, ainda é muito difícil fazer considerações concretas sobre a oferta e demanda atual do mercado de coxas de rãs, tampouco falar a respeito das suas tendências, por serem limitados e muitas vezes inconfiáveis os dados estatísticos disponíveis. Sabe-se, porém, que aproximadamente 95% da demanda mundial é suprida por rãs oriundas da caça, o que reaquece as preocupações com os riscos de extinção dos estoques naturais. Tal fato vem gerando pressões cada vez maiores por parte de grupos ambientalistas, visando a suspensão desse comércio baseado nas capturas. Isso, sem dúvida, dá aos ranicultores uma grande oportunidade de conquistar fatias cada vez maiores de um mercado que, somente em 1998, envolveu 30 países, 11.000 toneladas de carne e gerou 49 milhões de dólares. O estudo elaborado pelos técnicos brasileiros para a FAO mostrou também que existem oscilações anuais do volume de carne comercializada, justamente por tratar-se de produto da caça. Da mesma forma, detectaram que a produção mundial pode ser facilmente afetada caso haja algum fato político ou econômico nos países onde são caçadas. O fornecimento irregular detectado, também é acompanhado por variações de preço. Os mais caros foram apurados no Japão e o mais baratos na Indonésia e variaram de US$ 1.50 a US$ 8.00. O estudo da FAO/Globefish mostrou que a parte sanitária do mercado internacional de rãs é extremamente precária, com contaminações por bactérias patogênicas, principalmente por Salmonella. Carlos Alberto Lima dos Santos destacou a grande oportunidade que os ranicultores têm num futuro próximo, por serem capazes de suprir o mercado com constância, qualidade e inocuidade, impedindotambém as oscilações de volume e preço.

Claúdia Maris Ferreira, do Instituto de Pesca, Heloísa Maria Guimarães da Faculdade de Medicina da USP e Fernando Maiorino da UNIABC de São Paulo apresentaram algumas das suas pesquisas onde as rãs desempenham um importante papel. Claudia Maris utilizou girinos como “animais sentinelas” num trabalho que avalia a toxicidade do cobre, que é largamente utilizado como fungicida (verde de malaquita) e algicida (sulfato de cobre). Para se ter uma idéia da importância desse trabalho, basta lembrar que a Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, antes de preparar suas águas para consumo humano, joga três toneladas/mês de sulfato de cobre na Represa Billings. As rãs, por terem sua sensibilidade ao cobre avaliada pelo trabalho de Cláudia, poderão servir de “sentinelas” ao serem capazes de sinalizar concentrações nocivas do cobre para os consumidores. Os resultados desse trabalho também sugerem que os ranicultores tenham muito cuidado, ou mesmo procurem orientação profissional, já que freqüentemente utilizam soluções profiláticas a base de cobre nos ranários. Os resultados de Cláudia Maris apontam para uma CL50 (concentração que causa letalidade em 50% dos organismos testes), verificada para girinos, da ordem de 2,4 mg Cu/L.

Marta Verardino De Stéfani da Unesp de Jaboticabal – SP, foi a convidada dos organizadores para falar sobre a alimentação das rãs, o assunto considerado por muitos o mais importante da indústria. Atualmente são utilizadas rações comerciais que, segundo Marta De Stéfani, são formuladas e balanceadas a partir do conhecimento das exigências nutricionais de peixes, uma vez que não se dispõe de informações suficientes sobre as necessidades nutricionais das rãs. No entanto, segundo De Stéfani, a tarefa de conhecer essas necessidades vem sendo feita por um número expressivo de pesquisadores brasileiros. A professora lembrou que as rações utilizadas na alimentação de girinos e rãs têm, como principal fonte de proteína de origem animal, a farinha de peixe, que normalmente tem apresentado baixa qualidade nutricional e contribui para elevar o custo dos alimentos. Entretanto, problemas como estes vêm sendo tratados objetivamente por pesquisadores brasileiros a exemplo das pesquisas realizadas por Edney Secco da Unesp, citadas por ela, que demonstraram que é perfeitamente possível substituir 50% da farinha de pescado da ração de girinos pela silagem ácida produzida a partir de resíduos de filetagem de tilápias, sem interferir no crescimento e na composição corporal dos animais. De Stéfani também falou de seu trabalho com o metabolismo de carboidratos, onde verificou que a presença de altas concentrações de carboidratos (40-50%) nas rações foi uma excelente fonte de energia disponível para a rã-touro. Essa concentração pode possibilitar uma queda nos preços da ração já que economiza nos custos com proteínas para o crescimento dos animais, não promovendo acúmulo de gordura na carcaça. Sobre as vitaminas, Marta Verardino De Stéfani falou da conclusão recente de uma avaliação de suplementação com vitaminas C e E para girinos e observou que 500mg de vitamina C por quilo de ração melhora sobremaneira a sobrevivência dos animais nessa fase.

Adriana Sacioto Marcantônio, outra pesquisadora da Unesp de Jaboticabal presente ao evento, abriu sua palestra sobre os trabalhos de citogenética que realiza, de uma forma surpreendente, perguntando aos produtores presentes o tempo que estavam trabalhando sem renovação do plantel de reprodutores. Pelas respostas ficou claro que esse importante “detalhe” ainda não faz parte do leque de preocupações dos ranicultores brasileiros, da mesma forma que preocupa os criadores de gado, frango e, mais recentemente, peixes. Contribuindo sobre o tema, José Carlos Barbério, ex-presidente da Cooperran – Cooperativa Agropecuária dos Ranicultores do Estado do Rio de Janeiro, hoje trabalhando em São Paulo, disse que quando estava à frente do abate da cooperativa, ao longo do tempo, percebeu que era possível fazer um seleção fenotípica caso houvesse interesse. Segundo ele, no abate diário não é nada complicado identificar os produtores que têm melhores rendimentos de carcaça (até 58%) de outros (50%) que utilizam a mesma ração e métodos de cultivo. A única diferença fica por conta do plantel desses ranicultores. O fato é que os primeiros e únicos 300 casais de Rana catesbeiana chegaram ao País em 1935 e, de lá para cá, nenhum sangue novo entrou para dar robustez às rãs cultivadas, o que tornou ainda mais oportuna a pergunta de Adriana Marcantônio, bem como sua pesquisa.

Silvia Mello apresentou dados da pesquisa que vem desenvolvendo com as baias inundadas, um tema que também foi bem detalhado na palestra de Gustavo Braga, quando falou da metodologia utilizada pelos chineses. Silvia Mello desenvolveu, junto ao biólogo e ranicultor Walmir Telles de Lima, um sistema de baia inundada utilizando mantas plásticas. A vantagem desse sistema é que pode ser montado, desmontado e remontado em outros lugares com grande facilidade. Os resultados obtidos por Silvia Mello já foram publicados na edição 59 da Panorama da AQÜICULTURA. Novos desenhos de baias estão sendo testados atualmente com sucesso no ranário de Walmir Telles, localizado em Xerém, no Rio de Janeiro. Além de permitirem uma grande economia de mão-de-obra, essas baias, segundo os técnicos, utilizam a água da forma mais racional possível e são capazes de manter um padrão de higiene muito superior aos sistemas tradicionalmente utilizados, aí incluindo também outros sistemas inundados.

Fotos: Ranário Rãmazon
Fotos: Ranário Rãmazon

Segundo Maria de Lurdes de M. Velly, Coordenadora de Pesquisa da Associação Oisca-Brasil, uma ONG japonesa que vem desenvolvendo pesquisas com a pele da rã, é surpreendente a forma como o ranicultor se contenta em ganhar alguns reais com a carne e, jogando fora a pele, um produto extremamente nobre e valioso. O ranicultor quando põe fora a pele da rã, não sabe que a queratina em pó extraída da pele dessa espécie é muito valiosa e que o Brasil a importa pagando US$ 110.00 o quilo. Outro produto também muito valorizado e que tem um similar vendido no mercado nacional, é a queratina em lâmina, que serve como tecido regenerativo de proteção para pessoas queimadas. A epiderme da rã, segundo Maria de Lurdes, contém os mesmos aminoácidos que são essenciais ao ser humano e já é usada há mais de seis anos por um hospital de Goiânia para tratar pessoas queimadas, podendo ser utilizada diretamente sobre a carne viva desprotegida. A Oisca-Brasil pesquisa a extração da queratina, um material translúcido que permite a passagem da energia luminosa e impede o crescimento de bactérias anaeróbicas, além de possuir uma permeabilidade que permite a saída de líquidos da região queimada e impede a formação de casca. Segundo Maria de Lurdes, o Hospital da Aeronáutica já está testando a queratina extraída da pele da rã com sucesso no Rio de Janeiro, onde o produto também é tema de tese de doutorado. Para a pesquisadora os couros representam a parte mais rentável de muitas atividades zootécnicas e ilustra com os dados das exportações da carne bovina, que no ano 2000 renderam ao país 760 milhões de dólares, muito pouco se comparado às vendas externas de couros e seus manufaturados, que somaram 2 bilhões de dólares. O aproveitamento integral da rã é uma das propostas da pesquisadora. A carne, todos já sabem que é nobre e cada 100 gramas contém 16,58 gramas de proteína, 0,31 gramas de lipídios, 0,80 gramas de matéria mineral, 83,68 gramas de umidade e apenas 88 calorias. Mas Maria de Lurdes faz questão de frisar que, além da carne, os ranicultores podem também comercializar a pele, matéria prima nobre para a extração da queratina em lâminas para atender a área médica; a queratina em pó para a área de cosméticos; o colágeno para a área de alimentos e, a gordura, que serve também para a área médica pelo seu alto poder de cicatrização. De quebra, diz ela, ainda sobra a derme curtida (pele da rã curtida) para usar em peças de vestuário, que faz o maior sucesso.

Samuel Lopes Lima da Universidade Federal de Viçosa – MG, fez uma análise dos problemas que afetam a cadeia produtiva da ranicultura. Destacou, entre tantos, o alto preço final do produto. Para Samuel, o que se observa é que tanto o consumidor efetivo, como o potencial, considera o produto caro. O varejista alega que pratica preço elevado, porque a oferta é irregular e o produto tem baixo giro na prateleira. O ranicultor argumenta que sua margem é pequena, porque o preço da ração (principal insumo) é elevado. A indústria de rações justifica dizendo que pratica preço elevado, se comparado a outros produtos que fabrica, porque a demanda de ração para rãs ainda é pequena. Uma coisa puxando a outra. Comentou também sobre a capacidade ociosa nas unidades de criação e nas de abate. Em alguns ranários, o motivo é a dificuldade que o ranicultor encontra, na comercialização de seu produto, geralmente feita porta a porta. Por outro lado, os abatedouros especializados também encontram dificuldades em escoar sua produção, pela concorrência desleal dos próprios produtores, que fazem o abate clandestinamente na propriedade. Em conseqüência, falta produto nas prateleiras, e quando é encontrado, o preço não é atrativo para o consumidor. Samuel disse que há interesse de empresas distribuidoras de carne fresca, congelada e processada, em atender à demanda do mercado externo. Somente um importador europeu compraria toda a produção brasileira, desde que houvesse preço competitivo e regularidade de oferta. O custo de produção de rãs de cativeiro é superior ao produto oferecido no mercado internacional, que é fruto do extrativismo (caça) praticado por países orientais. Samuel disse que os importadores estão conscientes de que o produto brasileiro é de qualidade superior e estão dispostos a investir em marketing para divulgar um produto diferenciado (de cativeiro), desde que haja regularidade no fornecimento e na qualidade higiênico-sanitária, itens que o Brasil tem condições de atender, se organizar a produção. Quanto à oferta regular, isso somente poderá ser atendido com o aumento da produção, disse Samuel.

João Donato Scorvo Filho do Instituto de Pesca, mediou uma mesa-redonda com o setor produtivo. José Carlos Barbério foi o primeiro convidado e falou sobre a Cooperran-Rio, a Cooperativa Agropecuária dos Ranicultores do Estado do Rio de Janeiro, em funcionamento desde 1996, localizado em Itaboraí- RJ. Barbério fez uma avaliação rápida do perfil dos produtores do Estado e comentou que a produção do maior ranicultor fluminense não ultrapassa 1.000 kg de carne por mês. Sobre a Cooperativa, disse que o frigorífico opera com Inspeção Federal e já tem aprovado seu plano de APPCC – Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle, comercializando rãs congeladas principalmente no Estado do Rio de Janeiro e “alguma coisa” com a Argentina. Nos últimos anos, a Cooperran-Rio vem abatendo cerca de 23 toneladas anuais e pretende chegar ao final de 2001 com 26 toneladas abatidas, provenientes de produtores do próprio Estado do Rio, do Espírito Santo e também da Bahia. Hoje a Cooperran-Rio conta com 30 produtores associados, produzindo a um custo que varia de R$ 4,50 a R$ 5,50, recebendo da Cooperativa R$ 9,00 pelo quilo de carne abatida. A Cooperran-Rio já elaborou “rãburgueres” e croquetes e, segundo Barbério, há um consenso de que a rã inteira, congelada e embalada tal e qual vem sendo comercializada, é um produto ultrapassado, já que o consumidor atual aponta seu interesse para pratos prontos, nuggets e outras apresentações que podem ser elaboradas com a carneda rã.

Rolando Mazzoni representou na mesa-redonda a Ranajax Comércio Importacão & Exportação Ltda., empresa com sede em Goiânia – GO, operando há mais de 20 anos na Região Centro-Oeste. A produção da Ranajax é realizada em granjas próprias e de produtores integrados, com o processamento, embalagem e congelamento realizados em frigorífico com SIF e APPCC. Da estrutura integrada da empresa faz parte o Ranário Fujioca, construído em 1988 (ainda hoje o maior do Brasil), o Ranário Laranjeiras, especializado na produção de girinos (3 milhões de girinos por mês) e um grupo de integrados que fazem o trabalho de engorda a partir de imagos. Até o final de 2001 a Ranajax espera abater cerca de 90.000 rãs vivas para fechar o ano com a produção ao redor de 25 toneladas de carne que, segundo a Ranajax é produzida a um custo entre R$ 3,00 e R$ 3,50 o quilo. Sobre a atividade, Mazzoni opina que os ranicultores brasileiros pecam por não estarem organizados para que seus ranários sejam especializados somente em uma ou duas das diferentes etapas do processo: matrizes, desovas, eclosão,girinos, metamorfose, engorda e venda. O modelo do ranicultor brasileiro é aquele que quer fazer tudo “se possível ele mesmo curtir a pele, fazer o sapato, vender carne e tudo mais…”. Para Rolando Mazzoni, o Brasil está produzindo pouco e mal, atestado pelo fato de todos os ranários estarem trabalhando bem abaixo de 50% da capacidade produtiva ao longo do ano. Diminuir o otimismo, falar a verdade, tecnificar e planejar a produção seria um ótimo início para uma mudança de atitude por parte dos ranicultores, atesta Mazzoni, que gosta sempre de lembrar aos seus pares que não devem esquecer de que os consumidores de rãs não são ranicultores.

Sérgio da Costa Viana representou a Rãmazon – Ranário da Amazônia S.A., na mesa redonda do I Ciclo de Palestras da Ranicultura. Através de fotos, vídeos e folders distribuídos aos presentes, Sérgio Viana apresentou um ranário industrial cujas instalações ocupam 12.000 m2, com 2000 m2 exclusivos para o setor de matrizes que geram de 8 a 10 desovas por dia e perfazem um total de 1 milhão de girinos a cada mês. No setor de eclosão, bandejas com 500 ovos cada (aproximadamente 20 bandejas por desova) permitem a empresa alcançar uma taxa de eclosão ao redor de 60%. Piscinas de 500 m2 abrigam 100 mil girinos G2 e um setor de engorda, funcionando no sistema anfigranja, ocupa uma área de 7.000 m2. Na fase inicial são engordados até 100 animais por m2 e na fase final a densidade cai para 25-30 por m2. Segundo Sérgio é mínima a perda (5%) entre imagos e o final da engorda. Grande parte das rãs produzidas são comercializadas fora do Estado do Pará, e a muitas delas seguem para que sejam exportadas vivas através da Ranajax de Goiânia, para onde embarcam em caixas de papelão num caminhão frigorífico próprio, com temperaturas ao redor de 5 a 8oC. Segundo Sérgio, são mínimas as perdas já que as rãs viajam em jejum e vão hibernando nesta temperatura. A Rãmazon é o ranário de Márcia Centeno, esposa do Senador Jader Barbalho, que ocupou recentemente os noticiários do País acusado de servir para desviar verbas da extinta Sudam. Durante o evento o representante da empresa distribuiu aos participantes um impresso com o título “Ranário Rãmazon: A verdade sobre o financiamento da Sudam”. Nele a empresa nega que tenha recebido os R$ 9,6 milhões da Sudam, afirmando que tudo não passou de um grande erro e precipitação de um veículo da imprensa para divulgar um “furo de reportagem”, que foi seguido pelos demais veículos que repetiram incansavelmente o valor sem que se apontasse a fonte de informação. “A verdade é que o financiamento que a Centeno & Moreira S/A recebeu da SUDAM soma a quantia exata de R$ 407.778,67, equivalente a 738.693,3678 UFIRs. A verdade está e sempre esteve nos dados da Relação de Movimentação Financeira, fornecida pela própria Sudam” afirma o documento elaborado e distribuído pela Rãmazon durante o evento no Instituto de Pesca na capital paulista.

Francisco Hickishi, proprietário da Aquamar Aquacultura Cultivo e Comércio Ltda., de Ubatuba-SP, esteve presente à mesa redonda para dar suas impressões sobre a atividade que exerce desde 1977, quando iniciou em Juquitiba-SP seu primeiro cultivo em tanque ilha. Lembrou aos presentes que, na ocasião, uma safra demorava 18 meses e as rãs não passavam de 150 gramas, já que eram alimentadas com larvas de mosca porque não existia ração. O primeiro abatedouro Hickishi construiu em 1980 e hoje em dia a empresa se especializou no comércio de carne fresca e resfriada, ao contrário dos demais que a fazem congelada. Sobre o mercado, lembrou com nostalgia a época do governo Sarney, quando, segundo ele, era muito fácil vender carne de rãs. “Hoje em dia, o Carrefour, que já comprou 500 kg por semana, não compra nem um quinto desse volume”. Disse também que a comercialização piorou com a crise do apagão (apesar de vender produto fresco que dispensa freezer). Sobre o futuro, o desejo de Hickishi é que os pesquisadores invistam para melhorar o índice de produtividade, salientando que o máximo que se consegue hoje é usar 50 rãs por m2 para obter animais de 250-270 gramas. Mostrou também uma ponta de desconfiança nos novos sistemas de cultivo, e insistiu que os produtores não devem confiar em tudo, principalmente nos criadores que falam que em seus ranários não morre nenhuma rã. Em tom de brincadeira disse: “se você conseguir 50% de perda você já é o melhor criador”. Na sua opinião os ranicultores têm que se conscientizar de que precisam exportar, já que o mercado interno está saturado. Por fim, criticou os ranicultores por não estarem unidos “porque se continuar como está, com um querendo estragar a criação do outro nunca vai dar certo”. Para Hickishi é difícil entender a mentalidade empresarial dos brasileiros, pois não existe cooperativismo. A Aquamar tem um custo de produção de R$ 3,50 e deve fechar o ano com uma produção total de 9,6 toneladas, um volume menor que as 11 toneladas produzidas em 2000 e bem menor que as 16 toneladas produzidas em 1999.

César Memolo, do Ranário Atibaia Produtos Alimentícios Ltda, de Atibaia – SP, falou de sua empresa, que atualmente não está criando rãs, apenas atuando no abate e na comercialização de cerca de 60 ranicultores. Para ele, de nada adianta ter técnica, processamento, ração, etc., se não existir eficiente comercialização. Memolo luta neste momento para que seja fortalecida a Aresp – Associação dos Ranicultores de São Paulo, para que se possa também investir em propaganda. Segundo ele, é preciso difundir “que rã não é sapo, e que é comestível, gostosa e saudável”. Na opinião de Memolo é preciso haver uma união para solucionar problemas e ilustrou isso ao lembrar que o supermercado Pão de Açúcar cobra R$ 4.000,00 para que se faça uma degustação em uma de suas lojas. “Se dividirmos por todos sai barato”. O Ranário Atibaia comercializou 17 toneladas em 1999, 14,7 toneladas em 2000 e até julho deste ano já havia comercializado 8,8 toneladas.

Amilton Hentz, da Aquavale Produção e Comércio Ltda., de Jundiaí – SP, está atuando na atividade desde 1977, tendo fundado a empresa em 1988. Amilton iniciou sua participação comentando que ninguém vive exclusivamente da ranicultura e “eu também não, pois se vivesse morreria de fome”. Desta forma, a sua propriedade plurifuncional abriga um colégio, horticultura orgânica, empresa de alimentos industriais, e a Aquavale propriamente dita, que desenvolve todas as fases da ranicultura, tendo inclusive um abatedouro que vence a ociosidade trabalhando também para outros ranários. O mercado onde a Aquavale atua é o da Grande São Paulo e região do ABC, com vendedores também atuando na Baixada Santista e na região de Campinas e Jundiaí. Na opinião de Amilton os subprodutos da rã (fígado, pele, etc) são de boa qualidade e precisam ser aproveitados. Amilton foi o único participante da mesa-redonda que disse investir em propaganda, dizendo-se satisfeito com o pequeno retorno que já consegue ter. Investe em publicidades em revistas distribuídas em hotéis, bares e restaurantes e tem como parceiro, para abaixar os custos, o Ranário Beija Flor, de André Castilho. Amilton é um dos que insistem em que deve ser modificada a forma de apresentar a rã ao consumidor, que na sua opinião não gosta dessa forma de “sorvetinho congelado” como vem se apresentando. Sugere que sejam comercializadas cortadas em partes. Os ranicultores, segundo Amilton, não gostam muito dessa idéia, mas a dona de casa não quer ver a rã inteirinha da forma como vem sendo comercializada. Por fim, aproveitou para fazer coro em prol da união e da profissionalização dos ranicultores, afirmando que chegou a hora de cessar as intrigas entre um e outro produtor.

Vitório Cassiano, presidente da COORÃVAP – Cooperativa dos Ranicultores do Vale do Paraíba, de Tremembé-SP, fechou a mesa redonda do I Ciclo de Palestras Sobre Ranicultura do Instituto de Pesca. A Coorãvap, fundada em 1997, fez o seu primeiro abate em 1999 e hoje conta com 15 funcionários. É um pólo de ranicultura com 87 cooperados dos Estados do São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Goiás. A produção da Coorãvap vem crescendo ano após ano desde a sua fundação em 1999, quando produziu 7 toneladas. Já em 2000 foram 15,2 toneladas e em 2001 há uma estimativa de produção de 17 toneladas e de uma comercialização de 16 toneladas. O custo médio de produção situa-se ao redor de R$ 5,00 para o quilo da rã abatida (média de 7 rãs/kg), estando incluídos todos os gastos fixos e transitórios. O custo médio da rã viva fica por volta de R$ 4,00 o quilo, o que compreende aproximadamente quatro rãs. Segundo Cassiano, a Cooperativa opera hoje com 30% da sua capacidade, que é de 10 toneladas de rãs/mês. Além da Coorãvap, Cassiano ocupa também o cargo de presidente da recém fundada Aresp – Associação dos Ranicultores de São Paulo. Com um misto de tristeza e decepção, Cassiano falou dessa sua nova e triste experiência denunciando a falta de interesse dos ranicultores em se organizar. Já na segunda reunião da Aresp somente 15 pessoas compareceram, na terceira 12, na quarta 8 e na quinta haviam somente 3 associados. Segundo ele “o produtor brasileiro gosta de comer pronto e de preferência quente”. Vitório associou esse péssimo comportamento a outro, que também gera grandes problemas para a atividade, que é a falta de dedicação dos proprietários dos ranários que, na maioria das vezes, só os visitam uma vez por semana. No desabafo de Vitório, o triste perfil do setor produtivo nacional. Decepções à parte, Vitório trava, neste momento, uma grande batalha junto a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, e já conseguiu entregar pessoalmente ao Governador Geraldo Alkimim, uma solicitação para que o comércio de rãs tenha total isenção do ICMS nos próximos cinco anos. O ICMS cobrado no estado é de 18% e está tirando o fôlego do produtor. Essa redução vai trazer ao ranicultor paulista o oxigênio que está precisando, afirma Vitório. “Nossas batalhas têm que ser para massificar a venda das rãs, assim como ocorre com as vendas de frango, e estamos longe disso, principalmente porque os preços estão desorientando os consumidores”. E detalhou aos presentes o grande absurdo que caracteriza os preços da ranicultura já que o custo médio da rã abatida é de US$ 1.76. A seguir é vendida para o revendedor por US$ 7.85 e chega ao consumidor final com preços entre US$ 11.21 e US$ 17.03, isto é, R$ 30,00 e R$ 46,00. Dessa forma, o desejo de Vitório de ver massificação das vendas ainda está muito distante. E terminou afirmando que “é preciso tirar a ranicultura do pedestal, pois só assim conseguiremos alguma coisa”.