Conferência no México Discute o Cultivo de Peixes Nativos

A I Conferência Latino Americana sobre Cultivo de Peixes Nativos, evento internacional que reuniu cerca de 150 especialistas vindos de várias latitudes, incluindo as mais austrais, ocorreu simultaneamente a III Conferência Mexicana sobre Cultivo de Peixes Nativos, realizada de 18 a 20 de outubro na cidade de Morelia, em Michoacán no México.

Entre os diversos apoios e patrocínios alcançados pelos organizadores, merece destaque o projeto Darwin Initiative, do governo britânico, que apóia a conservação de espécies e o desenvolvimento da aqüicultura do pescado blanco (Chirostoma estor estor) no México – um tipo de peixe-rei de águas doces, endêmico aos lagos de altiplano mexicano.

O projeto apóia a transferência de biotecnologia emergente para as comunidades ribeirinhas e divulga a importância da manutenção das espécies e estoques pesqueiros nativos através da educação ambiental, desenvolvendo aqüicultura em pequena escala de maneira sustentável e de forma a reduzir a pressão nos estoques nativos, assegurando um futuro para as espécies.
A conferência serviu para mostrar claramente quais são as espécies de peixes nativos que recebem, em seus respectivos países, os estímulos por parte do governo e dos programas de pesquisa.

Entre os diversos trabalhos apresentados, destacaram-se aqueles que abordaram o cultivo do pescado blanco e o catan (Atractosteus spatula) do México; o puye (Galaxias spp.) e o congrio-rosa (Genypterus chilensis) no Chile; o robalo (Centropomus paralelus), o tambaqui, pacu, pirarucu e surubim no Brasil e o peixe-rei (Odontesthes bonariensis) da Argentina. São peixes alvos de pesquisas científicas em diversas fases de andamento, e muitas vezes possuem, em seus respectivos países, preços elevados e boa apreciação por parte dos consumidores locais.

Não faltaram também palestras sobre espécies marinhas não restritas às bacias hidrográficas, como o linguado (Paralicthys orbignianus) e o bijupirá (Rachycentrum canadum).

O autor experimentando “tacos” de pescado blanco,  ladeado pelo cubano Luis Alvarez-Lajonchère, especialista  na reprodução de robalos (Foto: Luis André Sampaio)
O autor experimentando “tacos” de pescado blanco,  ladeado pelo cubano Luis Alvarez-Lajonchère, especialista  na reprodução de robalos (Foto: Luis André Sampaio)

A percepção de que a adoção preferencial no cultivo de peixes nativos é uma nova e crescente tendência na aqüicultura, pode ser entendida como um esboço de resposta ocasionada por avanços na educação ambiental, na valorização da biodiversidade, e também porque espécies introduzidas como as tilápias, carpas e trutas, nem sempre trazem apenas bons resultados. O “pacote tecnológico pronto”, sem dúvida, é um corta-caminho interessante e valioso, mas que comprovadamente já trouxe consigo males da introdução, incluindo parasitos e enfermidades de fora, além de conseqüências ecológicas até hoje mal compreendidas e potencialmente indesejáveis.

Estufa da Universidade de Michoacán, para pesquisas com larvicultura Pescado blanco. (Foto do autor)
Estufa da Universidade de Michoacán, para pesquisas com larvicultura Pescado blanco. (Foto do autor)

Por outro lado, do ponto de vista cultural e gastronômico, as espécies exóticas podem ter características diferentes, as quais as populações humanas nativas muitas vezes demoram a apreciar.

Biodiversidade, Ética, Tecnologia e Mercado

Um aspecto que chamou a atenção nos dias da realização da conferência foi o descontentamento dos tilapicultores mexicanos, decorrente da acirrada concorrência que estão enfrentando com a presença no mercado mexicano do filé de tilápia congelado proveniente da China. O produto está sendo considerado pelos restaurantes mexicanos como de alta qualidade, além de ter um preço bastante acessível, inferior ao filé de tilápia oferecido pelos produtores locais.

Nativa preparando "tacos" de pescado blanco, fritos. Um prato tradicional da gastronomia mexicana (Foto do autor)
Nativa preparando “tacos” de pescado blanco, fritos. Um prato tradicional da gastronomia mexicana (Foto do autor)

Isso nos faz pensar que num mercado cada dia mais globalizado, os custos de produção de espécies como a tilápia, que pode ser produzida em quase qualquer canto do planeta, refletem as regras da economia local, e que nem sempre são as mesmas para os aqüicultores de outros países. Um país, por exemplo, que pode não ter os melhores locais para a produção de tilápia, pode ter uma estrutura econômica, incluindo aí impostos, taxações, obrigações patronais e salário mínimo, que favoreçam seus cidadãos- produtores na competição pelo mercado internacional. Fica então a pergunta: esta competição é justa? É ética?

Calhas de larvicultura de Pescado Blanco (Foto do autor)

Calhas de larvicultura de Pescado Blanco (Foto do autor)Muitas outras perguntas também podem ser feitas se considerarmos o patrimônio das espécies nativas, tais como: O que pode estimular as populações locais a dar preferência aos peixes nativos cultivados de suas bacias hidrográficas? Isto garantiria a conservação das espécies nativas? Qual o seu potencial de geração de emprego? A criação de espécies exóticas ou alóctones em regiões com espécies locais adequadas para aqüicultura deveria ser banida?

As bacias hidrográficas poderiam ter programas de integração de seus recursos pesqueiros com empreendimentos aquícolas de modo a conservarem seu potencial de forma sustentável e ainda produzirem pescados através da criação racional?

Essas e outras perguntas deverão fazer parte das duas próximas versões do evento, que deverão acontecer em Mar del Plata, na Argentina em 2008 e, provavelmente, no Brasil, em 2010. E até lá, muita água deverá passar por debaixo dessa ponte.

Tanques de alevinagem de Pescado blanco, utilizando  sistema fechado de recirculação (Foto do autor)
Tanques de alevinagem de Pescado blanco, utilizando  sistema fechado de recirculação (Foto do autor)

 

Um pouco mais sobre a Primeira Conferência Latinoamericana sobre Cultivo de Peixes Nativos, e da Terceira Conferência Mexicana sobre Cultivo de Peixes Nativos.

Morelia foi a cidade-sede dos dois eventos, que ocorreram simultaneamente, entre os dias 18 a 20 de outubro, na Casa de Governo, em Michoacán-México.

As conferências foram motivadas pelo grande interesse que as espécies nativas com potencial para a aqüicultura têm despertado em todo o mundo. O Darwin Initiative do governo britânico e as agências estaduais e nacionais de fomento à pesquisa no México COECyT, e CONACyT e ainda a National Renderers Association patrocinaram o evento e a vinda de especialistas de outros países. Os eventos foram apoiados pela Universidade Michoacana e Universidade de Stirling.

O encontro incluiu pesquisadores de diversos países que discutiram a situação atual e o futuro potencial de inúmeras espécies nativas da América Latina para o desenvolvimento da aqüicultura.

Os principais organizadores do evento foram os Professores Lindsay G Ross (Stiring) e Carlos Martinez-Palacios (Michoacana). Compareceram brasileiros como Daniel Benetti (pesquisa nos EUA com bijupirá), Carlos Strüssman (pesquisa no Japão com peixe-rei); Gustavo Somoza (Argentina); Alfonso Silva (Chile); Roberto Mendoza Alfaro (México); Mônica Suzuki (robalos na UFSC), Luis André Sampaio (linguados – FURG) Luiz Murgas – CEMIG e Philip C. Scott (SIG – USU). Alfonso Mardones Lazcano (Chile); Luis Alvarez Lajonchére (Cuba), Dominique Bureau (Canadá).

Durante as conferências foram discutidos temas como a interferência das políticas do governo mexicano com relação ao peixe blanco, já que naquele país as autoridades fomentam o cultivo de outros peixes no lago de Pátzcuaro, o que segundo os especialistas, afeta o habitat do peixe blanco.

As espécies exóticas também foram tema do evento, sendo citada, inclusive que a introdução do “peixe diabo”, o limpa-vidro de aquários Hypostomus plecostomus, originário do Brasil, se converteu num sério problema, já que por não existir na região nenhum predador natural, acabam por se proliferar de forma massiva, o que afeta as espécies nativas. Além de não serem apreciados pela gastronomia local, foi mencionado de maneira um pouco cômica, que até se tornam incômodos “hóspedes” sobre os peixes-bois, pois passam o dia a raspar o perifiton que cresce sobre o couro dos mesmos…

Durante o evento foi enfatizado pelos pesquisadores que é preciso desenvolver mais pesquisas científicas sobre as espécies nativas locais com o objetivo de melhorar o manejo e a reprodução.

Os organizadores de ambas as conferências sustentaram que a aqüicultura mundial tem crescido enormemente nos últimos anos, em contraponto com a redução da pesca. Esta aqüicultura está baseada principalmente no cultivo de poucas espécies de peixes entre as cerca de 30 mil existentes. Nesse sentido, além da necessidade de expandir o setor aqüícola, cresce a importância e o interesse no cultivo das espécies nativas, pelo fato de muitos países terem que cumprir com as suas obrigações e as recomendações estabelecidas pela Convenção da Biodiversidade (CBD).

Em Michoacán, segundo a Comissão Estatal da Pesca, está se buscando uma forma de se ampliar os recursos para os projetos de aqüicultura, já que há espécies que se encontram em perigo de extinção no estado, entre as quais: o lagostim, o bagre e os charales, que são espécies de interesse comercial. Para a conservação das espécies nativas, se pretende realizar a reprodução artificial para o repovoamento de populações naturais em seus ecossistemas e também para o consumo, principalmente nas localidades ribeirinhas.

A certificação da origem de algumas espécies nativas é uma prática a ser brevemente utilizada no estado mexicano. Neste fórum sobre o tema, discutiu-se também o papel do estado, bem como o futuro potencial da maior parte das espécies de peixes para o desenvolvimento da aqüicultura na América Latina e, como se pode conjugar os pesquisadores latino-americanos e aqüicultores interessados em desenvolver a biotecnologia dos sistemas de cultivo dessas espécies.