Controles e Rastreabilidade na Aqüicultura

Por: João Lorena Campos, M.Sc.
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O que fazer para realizar a potencialidade do Brasil e colocar os pescados aqui produzidos no exigente mercado externo? A qualidade dos produtos e a segurança de um alimento são pontos muito importantes e cada vez mais exigidos atualmente, principalmente quando falamos de exportação para a Europa, Estados Unidos e Japão. Neste ensaio, está um pouco da minha experiência junto ao processo de abertura de mercados para o pintado no exterior, onde o sistema de garantia da qualidade foi o primeiro questionamento após a aprovação das qualidades organolépticas deste peixe praticamente desconhecido lá fora.

Os países interessados em importar nossos produtos costumam enviar longos questionários sobre a descrição do sistema de qualidade. Não são raros os casos de visitas in loco para assegurar todos os aspectos do fornecimento, bem como a garantia de qualidade do produto de interesse. Mesmo aqui no mercado interno brasileiro, já temos visto uma crescente exigência sobre este tema por parte de algumas redes de supermercados. Isso não é exclusividade do pescado, mas uma grande preocupação de todas as cadeias produtivas de carnes, assunto que podemos acompanhar quase que diariamente em diversos jornais e revistas.

Por qualidade do alimento entendem-se todos os aspectos biológicos (presença de microrganismos patogênicos, parasitas, etc.), físicos (presença de partículas estranhas, terra, etc.), químicos (contaminações por pesticidas, antibióticos, etc.) e de ordem econômica (peso incorreto, rótulos inadequados, etc.) relacionados ao produto. A segurança do alimento diz respeito a todas as medidas tomadas ao longo de toda a cadeia de produção do pescado e às garantias que o consumidor tem de que o produto que ele está consumindo possui todos os atributos de qualidade necessários. Para que se tenha segurança alimentar é fundamental a rastreabilidade do produto, sendo possível verificar todo o histórico e passos que cada produto em particular percorreu ao longo de todos os elos da cadeia, provando sua qualidade.

A nova legislação americana (Public Health Security and Bioterrorism Preparedness and Response Act – 2002) já exige informações dos produtores (e que estes mantenham informações sobre seus fornecedores) e rotulagem nos pontos de venda com indicações do produtor, país de origem e modo de produção (pesca x aqüicultura), além de todas as novas exigências burocráticas impostas pelo FDA para a entrada de pescados. A Comunidade Européia possui uma legislação que entrou em vigor a partir de 01/01/2005 (EU No 178/2002)*. Essa nova legislação passa a tratar todas as cadeias de produção de alimentos, da produção primária até o consumidor, como uma coisa contínua (o que inclui também a produção de rações animais). Isto torna obrigatória a rastreabilidade de todos os alimentos, incluindo o pescado, da fazenda ao consumidor. O cerco da qualidade está se fechando e quem não conseguir provar que produz um bom produto vai ficar de fora dos principais mercados mundiais. Para atender à crescente exigência mundial desse tema, só existe uma saída: controle e registros.

O que todos precisamos entender é que a qualidade e segurança do produto não são responsabilidades exclusivas dos frigoríficos exportadores, mas obrigações que começam já na fazenda de produção. Desde o momento do nascimento do peixe, camarão ou molusco, precisamos controlar e manter registros de tudo o que se passa nas diferentes fases de cultivo, além de observar as Boas Práticas de Produção (BPP).

As BPP são um conjunto de regras que define como se deve proceder à criação dos organismos aquáticos e que todo produtor deve obedecer como não utilizar produtos proibidos no cultivo, evitar contaminações por produtos externos à piscicultura (pesticidas, etc.), observar prazos mínimos de carência após a realização de tratamentos com medicamentos ou produtos químicos, etc.

Para se ter controle é fundamental que os produtores, tanto de larvas e alevinos quanto os que se dedicam à engorda dos diversos organismos aquáticos, passem a trabalhar com o conceito de “lote”. O lote é um conjunto de organismos que possuem características semelhantes (espécie, tamanho, fornecedor do alevino/larva, etc.) e que sofreu os mesmos tratamentos durante o cultivo (viveiro onde foram estocados, alimentos e medicamentos fornecidos, etc.). Cada lote deve ser identificado com um número ou código que segue com os animais do momento da estocagem até a saída da fazenda e chegada no frigorífico. Todas as operações de manejo, como alimentações diárias, tipo de ração fornecida, tratamentos com medicamentos, dados de qualidade de água, etc. devem ser registradas em fichas adequadas e arquivadas de maneira organizada. Os registros devem ser mantidos mesmo após a venda dos lotes, pois são fontes importantes de referência para futuros cultivos e também porque a história de cada lote não termina quando este sai da fazenda, mas segue até o momento do seu consumo, já na ponta do varejo.

Chegando ao frigorífico, cada lote proveniente da unidade de cultivo deve ser mantido segregado e receber uma nova numeração de lote que vai acompanhar o produto durante todas as fases de processamento até o consumidor final. É vital que o frigorífico se certifique que ele possa provar através dos seus registros a rastreabilidade dos produtos processados de volta até a fazenda. O frigorífico também tem obrigação de possuir todo um sistema de controle de qualidade, normalmente baseado no sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), mantendo sempre todos os registros de produção e do sistema de qualidade de modo a criar um histórico da indústria. Também é importante manter a cadeia rastreada através dos distribuidores e revendedores, até a chegada no consumidor final.

Idealmente, a rastreabilidade de um produto proveniente da aqüicultura deveria dar ao consumidor final condições de saber, por exemplo, que alimentos consumiu, em que tanque foi engordado, se foi tratado com algum medicamento ou não, data de abate, temperatura da câmara durante a estocagem, etc., do peixe/camarão que se encontra em um pacote em um supermercado em qualquer lugar do mundo.Todos os procedimentos de cultivo devem ser registrados, de modo que deveríamos ter pelo menos os seguintes registros para cada lote de organismos aquáticos cultivados:

• Estocagem (espécie, data, fornecedor, número do lote de origem (dado pelo fornecedor), quantidade, tamanho, estado geral, viveiro estocado)
• Qualidade da água (níveis dos diferentes parâmetros analisados, data, condições climáticas)
• Alimentação (quantidade diária fornecida, especificações da ração, número do lote do fornecedor, data de fabricação e chegada na fazenda, veículo de transporte)
• Doenças e mortalidade (número diário de mortos, sinais clínicos, análises realizadas)
• Tratamentos com produtos químicos / medicamentos (data, tipo, dose, método de aplicação, razão para aplicação)
• Transferências internas (espécie, lote, viveiro de origem e destino, data, número e peso médio, estado geral)
• Despescas (espécie, lote, viveiro, número e peso médio, estado geral, data, veículo de transporte)
• Análises realizadas (ração, qualidade de água de abastecimento, efluentes, doenças, qualidade da carne do pescado – contaminações, etc.. O ideal é manter os registros e possuir uma programação anual das análises que serão realizadas).

A grande maioria dos aqüicultores já faz registros de boa parte dos itens acima, mas muito poucos controlam todos esses itens. Obviamente, quando falamos de qualidade do pescado, alguns dos registros acima têm mais peso que outros, mas não existe meio controle ou meia qualidade, ou você faz ou não. A grande preocupação atual, especialmente na Europa, concerne aos resíduos de antibióticos e produtos químicos usados no tratamento de doenças e contaminações por pesticidas e metais pesados. Análises destes parâmetros são frequentemente pedidas antes do envio de qualquer produto ao exterior.

O alimento utilizado durante o cultivo também é motivo de preocupação devido a inúmeros problemas ocorridos na Europa com dioxinas, vaca louca, transgênicos, etc.. O fato de normalmente não termos estes problemas aqui, nada significa para o importador, o que importa é a análise e o seu registro. Infelizmente nosso país não tem tradição em pescados e é subdesenvolvido, o que sempre gera uma desconfiança a mais por parte do comprador externo e fazendo com que o grau de exigência seja ainda maior do que o cobrado dos produtores locais, conforme pude atestar em várias ocasiões.

Montar e manter um sistema de controle de qualidade dá trabalho e gera custos, de modo que é imperativo que o produtor que atende a estes requisitos seja mais bem remunerado por seus produtos do que aquele que não controla sua produção. É função de quem processa e comercializa “marketear” estes aspectos de qualidade, valorizando os produtos e o trabalho do aqüicultor profissional.

* Mais detalhes sobre esta ou outras peças de legislação da CE sobre segurança alimentar/rastreabilidade pode encontrar no seguinte endereço: http://europa.eu.int/eur-lex/en/index.html ou no site: www.tracefish.org.