Conversa franca sobre o Licenciamento Ambiental da Aqüicultura

Por: Marcelo Barbosa Sampaio
Oceanógrafo e Coordenador
Geral de Aqüicultura Continental da SEAP/Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca/
Presidência da República [email protected]


Quando o editor da Revista Panorama da Aqüicultura me convidou para falar aos leitores sobre a estratégia da SEAP/PR para promover a regularização dos empreendimentos de aqüicultura, com ênfase no licenciamento ambiental, percebi uma oportunidade, mas me deparei com o desafio de verificar se nós, aqui dos gabinetes de Brasília/DF, conseguimos transformar o que estamos fazendo, em uma conversa franca.

Para começar vou precisar fazer uma espécie de sobrevôo em assuntos que, apesar de maçantes, afetam a atividade e precisam ser conhecidos pelos aqüicultores. Primeiro é necessário dizer que a aqüicultura não está sob o manto de uma Lei – como aquelas votadas no Congresso Nacional – mas sim, de um conjunto de normas dispersas, baixadas por órgãos como a antiga SUDEPE, ou mais recentemente pelo IBAMA, CONAMA, DPA e SEAP/PR, sem falar em outras sopas de letrinhas que também acabam influenciando a nossa atividade. Isso torna tudo muito instável e de difícil compreensão.

Por não termos uma regulamentação unificada e específica, as normas que são usadas para a aqüicultura são fruto de um ajustamento de normas pré-existentes, criadas para outras atividades. É como se vestíssemos as roupas de outras pessoas, cujo porte físico fosse muitíssimo diferente do nosso… Em alguns casos, a diferença parece mesmo ser de gênero! Não que eu seja um legalista ou que queira regular tudo, muito pelo contrário, acho até que há normas de mais e eficiência de menos. Mas, no Brasil, onde vale o que está escrito, é necessário buscar, ao menos, que as normas percebam nossas peculiaridades, sob pena de sermos engessados e asfixiados.

Outra questão a ser considerada é a concentração da regulamentação no âmbito federal, o que ocorre pelo excesso de desconfiança sobre a capacidade, competência e susceptibilidade dos órgãos estaduais às pressões políticas. Fato é que: ao tentar perceber todas as realidades de um país continental aqui nas salas de reuniões da Capital Federal acaba-se por produzir uma série interminável de erros, ainda mais quando se trata de uma atividade com baixa representatividade.

Talvez alguns me critiquem por acreditar que cabe à esfera federal fazer a moldura, e aos demais entes da federação pintar o quadro. Neste sentido, mais recentemente, venho tendo mostras dos setores mais maduros da área ambiental, de que este é sim o caminho correto. Temos que lidar com a realidade e, na maioria das vezes, não adianta nadar contra a maré de um sistema consolidado. Tal constatação, nos levou a buscar ferramentas para melhor defender os interesses da aqüicultura, e a oportunidade veio com a criação da SEAP/PR, que nos deu musculatura política para buscar ocupar cadeiras no CONAMA, no CNRH, na CONABIO, na CTNBIO, além de outros colegiados, onde assuntos que nos afetam no dia-a-dia estavam sendo tratados, porém nossa capacidade de articulação era ínfima. Para este novo momento, fizemos uma avaliação crítica e percebemos que as nossas dificuldades não se encontravam apenas no arcabouço legal ou na interminável burocracia. Há também carências históricas de planejamento e de avaliações estratégicas que poderiam minimizar os custos do licenciamento ambiental, além de conduzi-lo a uma simplificação.

Na prática, temos duas linhas estratégicas principais a serem trilhadas. A primeira, diz respeito à formatação de Resoluções do CONAMA que estabeleçam critérios e referências para o licenciamento ambiental da aqüicultura. Estas deverão trazer parâmetros qualitativos que vão permitir enquadrar os empreendimentos conforme o seu potencial de impacto. Dessa forma, espera-se uma redução dos custos e da complexidade dos procedimentos de licenciamento para aqueles empreendimentos reconhecidamente de baixo e médio impacto, e por outro lado, possibilitar uma orientação clara aos empreendedores de maior porte.

Faz parte dessa linha de atuação, também, a resolução que irá tratar das espécies exóticas aquáticas, já que grande parte da aqüicultura nacional as emprega em seus sistemas de cultivo e, em geral, essas espécies têm alto potencial zootécnico (produtividade, rusticidade etc). A segunda linha de atuação trata de um modelo de planejamento estratégico que consiste de uma avaliação ambiental estratégica – AAE, setorial (específica para a aqüicultura) e de amplitude regional, como são os estudos para a demarcação de parques aqüícolas. Estratégia que merece algum aprofundamento.

Hoje, no Brasil, os órgãos ambientais aplicam com maior freqüência as avaliações de impacto ambiental – AIA, usando como base os Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA. Essas avaliações têm como foco os empreendimentos individualizados, com baixa eficiência para avaliar os reais impactos de empreendimentos múltiplos e impondo ao empreendedor o ônus de aportar todo um complexo conjunto de informações, que elevam os custos e tornam o procedimento complexo. Este modelo coloca o licenciador numa constante condição de desconforto e insegurança para a emissão das licenças, ou seja, complicando as análises.

Nos estudos de parques aqüícolas o poder público, através da SEAP/PR, chama para si a responsabilidade por aportar todo o conjunto de informações necessário ao licenciamento e planeja a atividade para um dado espaço geográfico, como por exemplo um grande reservatório de hidrelétrica ou uma enseada em águas marinhas. Este planejamento é concebido de maneira participativa, considerando fatores sócio-econômicos e culturais, além das aptidões técnicas e da capacidade de suporte dos ambientes. Tudo isso conduz ao licenciamento simplificado de grupos de empreendimentos e, principalmente, a uma maior segurança quanto à sustentabilidade ambiental.

Eu não poderia deixar de reconhecer que observamos certa guinada de pensamento sobre a aqüicultura, fato que credito à maior difusão de informações sobre a atividade, e que vem provocando nos distintos órgãos envolvidos no processo de regularização uma mudança de postura (para melhor!).
Esta uma parcela do trabalho que conduzimos. Deixo aqui o registro da necessidade de maior participação dos interessados para orientar as condutas da equipe de aqüicultura da SEAP/PR, no sentido de estarmos cada vez mais próximos dos reais anseios do setor.
Saudações aqüícolas.