Aspectos bio-ecológicos
Por: Júlio César Avelar – Oceanógrafo
Projeto Martin Pescador – Caraguatatuba
A mitilicultura, cultivo de mexilhões, caracte-riza-se em diversos países como uma atividade produtiva de forte poder econômico. No Brasil, encontra-se em franca expansão mas muito aquém de suas possibilidades.
A denominação “mexilhão” refere-se aos moluscos bivalves da família Mytilidae, dos gêneros Mytilus, Perna e Modiolus. Dependendo da região, são conhecidos como “marisco”. O termo “sururu” é aplicado às espécies do gênero Mytella. Atualmente, doze são explotadas comercialmente a nível mundial. No Brasil, a espécie mais consumida e de interesse para a maricultura é o Perna perna, encontrada naturalmente em todo o litoral das regiões Sul e Sudeste. Os mexilhões são comumente utilizados na alimentação humana, possuindo excelente qualidade nutritiva e valor biológico, caracterizando-se como fonte de proteínas, vitaminas e sais mi-nerais. Em cada 100 g de carne de mexilhão comumente encontramos 12% de proteínas, 1.3 a 1.9% de sais minerais, 4% de glicídeos e 1.4% de lipídeos. Dos sais minerais destacam-se o Ca, Fe, K, P, Mg e as vitaminas C, B1, B2, carotenóides e provitamina A em alta proporção.
BIOLOGIA
O corpo do mexilhão apresenta-se comprimido lateralmente, encerrado por duas valvas (conchas). Fixam-se ao subs-trato através de um conjunto de filamentos córneos (conchiolina) denominado bisso, secretado por glândulas especiais da cavidade bissógena. Essas glândulas permanecem ativas durante a vida do animal, permitindo refixar-se várias vezes. O mexilhão Perna perna pode ser encontrado desde regiões de mar aberto até estuários de água salobra. Fixam-se à uma grande variedade de substratos, mas geralmente são encontrados nos costões rochosos do litoral, desde a faixa intertidal até uma profundidade de dez metros.
A espécie, embora considerada eurialina, não suporta salinidades inferiores a 19% e superiores a 49%, encontrando-se sua faixa ótima entre 34 e 36%. Da mesma forma, por resistir a grandes variações de temperatura, podemos considerá-la como uma espécie euritérmica, resistindo de 5 a 30ºC e possuindo como faixa ótima o intervalo de 21 a 28ºC. As brânquias dos mexilhões apresentam-se muito desenvolvidas e possuem dupla função: respiração e alimentação. Portanto, são animais filtradores que retiram da água do mar o alimento necessário à sua sobrevivência. Cada animal filtra, em média, 0.5 a 4 l de água por hora, dependendo do seu tamanho e das condições do meio.
As partículas alimentares filtradas constituem-se principalmente de detritos orgânicos (75%), microalgas e bactérias (25%). Não há seletividade no processo de filtração, sendo que o tamanho da partículas varia de 1.0 micron a 4.0 mm. Por ser um animal filtrador, o mexilhão possui uma grande capacidade de concentração de microorganismos, ca-racterizando-se como transmissor em potencial de patógenos. Devido a isto, é de fundamental importância conhecer a procedência do produto e o mitilicultor monitorar a qualidade microbiológica da água e dos animais de cultivo. A reprodução dos mexilhões é sexuada, com fecundação externa e desenvolvimento indireto. Não apresentam dimorfismo sexual, mas os sexos são facilmente reconhecidos através da coloração das gônadas, que é esbranquiçada nos machos e alaranjada nas fêmeas A eliminação de gametas ocorre o ano todo com picos de desova e determinadas épocas do ano, variando sazonal e regio-nalmente.
Após a fecundação, originam-se larvas trocóforas que derivam no mar por aproximadamente 30-40 dias, quando já se encontram como larvas véliger, fixando-se a um substrato através do bisso. Após cinco a oito meses de crescimento o animal atinge a sua primeira maturação, estando apto a reproduzir-se. A reprodução ou desova é estimulada por diversos fatores físico-químicos, que interagem entre sí. Os picos de maior assentamento das larvas se dão na primavera e verão. Para o mitilicultor é importante conhecer o regime de reprodução do mexilhão na região de cultivo, para definir e otimizar as épocas de captação de sementes. Como a maioria dos animais, vários são os fatores que influenciam o crescimento dos mexilhões. Como principais, podemos destacar a temperatura, a salinade, a luz, grau de exposição ao ar, quantidade de alimento, competidores e parasitas. A exposição ao ar é significativa no seu desenvolvimento, uma vez que fora d’água o animal se fecha e fica impedido de alimentar-se. O mexilhão chega a resistir mais de 24 horas fora d água, em condições moderadas de temperatura e umidade. O cultivo suspenso tem como vantagem não sofrer influência deste fator.
Estudos realizados com a espécie Mytilus edulis indicam que luminosidade excessiva prejudica o desenvolvimento do animal. Não realizou-se pesquisa sobre o assunto com o P. perna. A disponibilidade de alimento na água é fundamental para o desenvolvimento do mexilhão, constituindo-se num importante parâmetro para seleção da área de cultivo. No Brasil existem poucas informações sobre o assunto, dificultando-nos correlacionar a quantidade de alimento com a taxa de crescimento. A título de ilustração, temos que na região de Cabo Frio o teor de clorofila gira em torno de 3.0 mg/m3 e a taxa de crescimento do mexilhão é de 0.6 cm/mês, enquanto que no Congo (África) o teor de clorofila é de 58 mg/m3 e a taxa de crescimento é de 2.0 cm/mês para a mesma espécie (P.perna). Esses animais podem sofrer competição inter-específica pelo espaço e competição com outras espécies por espaço e alimento, como é o caso dos cirripédios (cracas), briozoários, hidrozoários, poríferos e ascídeas.
Em locais de forte assentamento de competidores a criação de mexilhão pode ser inviabilizada. Parasitismo em mexilhão não chega a ser significativo, existindo raros casos de grandes prejuízos devido a este fator. Todavia, uma incidência baixa é comum, destacando-se os trematódeos (Bucephalidae), poliquetos (Polydora), ciliados e esporozoários. Os mexilhões mais idosos são mais susceptíveis ao parasitismo. Existem ainda alguns predadores, sendo os mais importantes os gastrópodos (Thais), estrelas do mar (Asterias), caranguejos (Cancer e Carcinus) aves e peixes. Estima-se que a vida média do mexilhão é de três a quatro anos, podendo, em condições favoráveis, viver até 20 anos. Uma das grandes vantagens de se cultivar mexilhão é não necessitar-se arraçoamento. Por outro lado, pelo fato do cultivo ser realizado no mar, torna-se impossível alterar ou equacionar os parâmetros bioecológicos, recaindo na necessidade de efetuar-se uma escolha certa do local para garantir-se o sucesso do cultivo.
De uma forma grosseira, a seleção do local deve apresentar: condições de abrigo compatíveis com a atividade; profundidade propícia ao cultivo, tendo em vista o sistema adotado; isenção de poluentes químicos e nos limites aceitáveis de poluição orgânica; condições ecológicas e nutricionais favoráveis; concordância com as normas de segurança da navegação; compatibilidade com atividades pesqueiras e turísticas; e vias e condições de acesso.