Aspéctos Técnicos e Ambientais para um Desenvolvimento Sustentável
Autor: Alberto J. P. Nunes, M.Sc.
GECMAR Grupo de Estudos de Camarão Marinho (LABOMAR/UFC) E-mail: [email protected] http://www.ucs.mun.ca/~anunes
Desenvolvimento sustentável é o manejo e conservação dos recursos naturais e a orientação de mudanças tecnológicas e institucionais, de tal modo a permitir o alcance e continua satisfação das necessidades humanas, de gerações presentes e futuras. Tal desenvolvimento é ambientalmente não degradante, tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente admissível.
Há apenas duas décadas atrás, a carcinicultura era vista como uma alternativa sustentável para as práticas industrializadas de pesca. Nos últimos anos entretanto, com a introdução dos métodos mais intensivos de cultivo, combinado com uma rápida expansão da industria nas Américas e particularmente no SE da Ásia, a sustentabilidade da atividade tem sido questionada. Apesar dos estudos nesta área ainda serem escassos e muitas das informações disponíveis de natureza especulativa, as conseqüências decorrentes da adoção de práticas intensivas de cultivo e de um crescimento desordenado são evidentes. Dentre estas pode-se citar o desmate de manguezais para construção de viveiros de camarão resultando na erosão de regiões costeiras e salinização de lençóis freáticos (Tailândia); o declínio da disponibilidade de pós-larvas em ambientes naturais (Índia, Bangladesh, Vietnã e Equador); a descarga de nutrientes, dejetos orgânicos e produtos químicos em regiões estuarinas, e; a introdução de espécies exóticas portadoras de patôgenos, potencialmente prejudiciais às populações nativas.
Nos últimos anos, a carcinicultura marinha brasileira tem exibido uma tendência de expansão, constituindo-se o momento ideal para a adoção de técnicas racionais de cultivo e o planejamento do uso de zonas costeiras, a fim de garantir a futura sustentabilidade da indústria. As informações apresentadas a seguir comentam sobre alguns dos aspectos técnicos e ambientais do cultivo de camarões marinhos, relacionados a um desenvolvimento sustentável.
Área de Cultivo
O cultivo de camarões peneídeos tem sido realizado quase que totalmente em viveiros situados em áreas de mangues. A conversão destas áreas para o uso em empreendimentos de cultivo, tem gerado polêmicas. Em algumas regiões do SE da Ásia (e.g., Java, Tailândia), estimativas indicam que cerca de 70% da área original de manguezais foi desmatada para a construção de viveiros de camarão e principalmente peixes (i.e., Chanos chanos). É importante ressaltar no entanto, que o cultivo de peneídeos é apenas uma das diversas atividades costeiras (e.g., extração de madeira, produção de sal, agricultura, piscicultura estuarina, especulação imobiliária, descarga de esgotos industriais e domésticos) que tem contribuído para perda de manguezais, ao contrário do que se tem afirmado. Em geral, calcula-se que apenas 6,2% da área mundial de mangue foi convertida para viveiros de camarão marinho.
A conservação destes habitats baseia-se em aspectos ecológicos e em alguns casos, socio-econômicos. Relata-se por exemplo, que a produtividade de pescado de certas regiões costeiras está correlacionada à área disponível de manguezais. Tais regiões reciclam e exportam grandes quantidades de material orgânico para águas costeiras. Estes ambientes também proporcionam um habitat rico em nutrientes para diversas espécies de peixes, camarões e caranguejos em fase inicial de crescimento, reduzem a erosão de regiões costeiras e restringem a passagem de água doce para águas próximas ao litoral, estabilizando a salinidade.
Antes de se considerar a conversão de manguezais para o cultivo de camarões peneídeos, deve-se comparar a perda em termos de produção de pescado em relação a produção de cultivos marinhos. Algumas regiões de mangue podem gerar entre 500-700 kg/ha/ano de peixes e crustáceos. Por outro lado, a produtividade dos cultivos semi-extensivos de camarão marinho no Brasil não ultrapassam os 500 kg/ha/ano. Em tais casos, o uso destas regiões para cultivos é questionável, tanto do ponto de vista ecológico como econômico. Estudos econômicos sobre os sistemas de produção de camarão marinho, indicam que os cultivos extensivos demonstram um longo período de retorno do investimento inicial, quando considerados os custos relacionados a limpeza da área (remoção de vegetação) e construção de viveiros.
Em condições semi-intensivas de cultivo, a produtividade pode atingir cerca de 3000 kg/ha/ano. Neste caso, as divergências concentram-se na sustentação de tal produtividade a longo prazo. Solos de mangue geralmente contêm pirita de ferro (FeS2), que uma vez exposto ao ar (e.g., após despesca de camarões), oxida-se, formando ácido sulfurico (substância tóxica para camarões e para fauna bentônica do viveiro). Solos com tais características possuem um pH baixo, i.e., menor que 3,5 (solos muito ácido-sulfatados exalam um odor desagradável, exibindo manchas amareladas), que após alguns anos de cultivo levam a um decréscimo na produtividade de camarões.
A partir deste ponto, a operação de cultivo passa a demonstrar uma menor rentabilidade, uma maior incidência de enfermidades e uma menor produtividade natural, principalmente em função das condições estressantes do meio. Tal problema é geralmente amenizado fazendo-se a secagem do solo, seguido de revolvimento e calagem. Entretanto, para evitar tais problemas, grande parte das fazendas estão sendo construídas em regiões adjacentes a manguezais (e.g., em salgados), onde os solos ácido-sulfatados não ocorrem.
Mesmo considerando que o Brasil detém a maior área de mangue do mundo, cerca de 2,5 milhões de ha, o uso de salinas desativadas, antigos viveiros de peixes e áreas de salgados que apresentem condições propícias ao cultivo, devem ser atualmente as regiões consideradas prioritárias para a expansão da atividade. Somente na Região Norte e Nordeste, estima-se que existam mais de 77 mil ha destas áreas ainda disponíveis. Atualmente apenas cerca de 4,3 mil ha estão sendo utilizadas para o cultivo de camarões marinhos. A conversão de manguezais para a carcinicultura deve ser avaliado nos casos em que ocorreu um reflorestamento natural de antigas salinas e viveiros de peixes e para abertura de canais para a captação de água de novos empreendimentos de cultivo.
Introdução de Espécies Exóticas
Historicamente no Brasil, a atividade comercial de cultivo de camarão marinho diversifica sua produção com espécies nativas (e.g., Penaeus subtilis, P. schmitti, P. brasiliensis e P. paulensis) e exóticas (e.g., P. vannamei, P. stylirostris, P. monodon, P. penicillatus e P. japonicus). Apesar das espécies indígenas ainda serem cultivadas semi-extensivamente em alguns Estados (e.g., Ceará, Pernambuco, Santa Catarina), grande parte da indústria passou a adotar o sistema semi-intensivo com o camarão branco P. vannamei. O melhor desempenho (em termos de crescimento e taxas de conversão alimentar) desta espécie neste sistema de cultivo, quando comparado às espécies nativas, provavelmente resulta de fatores técnicos durante a fase de engorda. Para a viabilidade do cultivo comercial de peneídeos nativos, como o P. subtilis, há a necessidade de pesquisas que se concentrem no desenvolvimento de estratégias de arraçoamento e rações formuladas específicas para esta espécie.
O transplante de espécies de camarão fora de sua região natural de ocorrência para o uso na aquicultura pode gerar efeitos ecológicos, variando da contaminação genética de espécies nativas e transmissão de enfermidades à redução ou desaparecimento de estoques naturais de organismos nativos. Nas Américas, a prática de introdução de espécies exóticas de peneídeos, para uso na carcinicultura, resultaram na disseminação de pelo menos quatro novos vírus. Embora existam poucos estudos sobre os efeitos ecológicos resultantes da introdução de camarões, sugere-se a implementação de serviços de inspeção e quarentena, tanto nos países de exportação, como no de importação, antes da autorização de qualquer transferência.
Infelizmente, os órgãos brasileiros competentes, apesar de bem intencionados, estão ainda desenformados sobre as particularidades da atividade de cultivo de camarão marinho, além de carentes de recursos materiais e humanos, pondo em questionamento a implementação de normas e (ou) programas de controle e inspeção por parte destes órgãos. Portanto, as ações preventivas, como a quarentena, ainda devem partir das próprias larviculturas e dos cultivadores.
Os procedimentos para controle da importação de camarões exóticos incluem a inspeção periódica (incluindo exames microscópicos) do estoque a ser importado, antecedendo seu transporte. O período de quarentena no pais importador envolve o monitoramento contínuo dos camarões, observando-se sinais externos para a detecção de fungos ou bactérias e aspectos comportamentais. Entretanto, as doenças viróticas são as que têm causado uma maior preocupação a indústria. No Brasil, já há relatos da ocorrência de enfermidades viróticas de grande significância econômica (Síndrome de Taura e IHHNV). Atualmente, os procedimentos para diagnóstico de tais doenças, concentram-se em métodos histológicos, associados a microscopia eletrônica. Estes métodos são demorados e dispendiosos, e em geral ainda não estão facilmente disponíveis.
O estabelecimento de bancos de reprodutores de peneídeos livre de patógenos específicos (ou SPF, Specific Pathogen Free) tem sido bastante discutido. A técnica consiste na captura (em ambiente selvagem) ou produção de reprodutores completamente livre de enfermidades. Entretanto, resultados favoráveis a nível comercial ainda não foram alcançados, indicando a necessidade de um refinamento dos métodos desenvolvidos em laboratório.
A introdução de novas espécies exóticas de peneídeos que apresentam bons prospectos para o cultivo comercial (e.g., Penaeus stylirostris) no Brasil, deverão ocorrer no futuro. As larviculturas, fazendas de cultivo e órgãos de pesquisa devem trabalhar juntos para o desenvolvimento de políticas de inspeção de reprodutores e de certificação da qualidade de pós-larvas. Considerando que atualmente, espécies exóticas como o camarão branco P. vannamei tem gerado perdas entre 5 e 30% da população cultivada em função de enfermidades como o IHHNV, a implementação de tais políticas devem trazer benefícios econômicos aos produtores e reduzir possíveis efeitos ambientais.
Poluição de regiões costeiras
O cultivo de camarões marinhos em viveiros produz um sedimento escuro, lamoso, o qual tem sido apontado em alguns países (e.g., Filipinas, Indonésia), como o agente causador da degradação de águas estuarinas adjacentes às fazendas de cultivo. O acúmulo deste material no centro dos viveiros e próximo às comportas de descarga d’água, pode variar de 20 a 165 ton/ha/ciclo (peso úmido), gerando uma redução significativa na profundidade dos viveiros e na qualidade da água de áreas adjacentes às fazendas.
Na prática, os cultivadores lidam com esse problema, construindo valas de até 1 m de profundidade, paralelas aos taludes ou instalando aeradores de palhetas em áreas periféricas do viveiro. Recentemente, descobriu-se que este sedimento origina-se principalmente da erosão dos taludes e do fundo do viveiro, e em menor proporção, da água de abastecimento. As taxas de sedimentação variam em função do tipo de solo utilizado para a construção dos viveiros, velocidade e direção dos ventos e do número de aeradores e posicionamento destes na área de cultivo. A erosão dos taludes e do fundo de viveiros, expõe solos com características ácido-sulfatadas, além de liberarem minerais nocivos aos camarões. Estes resultados sugerem que o design e a construção de viveiros, além das práticas de manejo utilizadas, influenciam de forma indireta a produção de camarões marinhos, e diretamente a qualidade da água do viveiro e dos seus efluentes.
O design de fazendas de camarão, geralmente seguem o contorno do terreno disponível para a implantação do projeto, maximizando assim, a utilização da área de cultivo. O posicionamento dos viveiros entretanto deve obedecer a direção predominante do vento e da entrada da água de abastecimento do viveiro, de forma a favorecer a remoção de material orgânico (i.e., fezes, ração não consumida), reduzir a erosão dos taludes e permitir uma renovação uniforme da água em toda área de cultivo. Atualmente os viveiros de produção devem ser construídos com cantos arredondados e com proteção dos taludes (enrocamento), principalmente nos lados de maior influência de ventos.
Preferivelmente, toda a água drenada em regiões estuarinos, oriunda de viveiros cia de ventos. Preferivelmente, toda a água drenada em regiões estuarinas, oriunda de viveiros de produção, deveria ser submetida a um tratamento prévio. As alternativas para o tratamento de efluentes incluem a construção de viveiros de sedimentação e policultivo com organismos filtradores. Estas alternativas têm sido exaustivamente discutidas, mas na prática pouco tem sido realizado. As restrições da aplicação de tais práticas envolvem a necessidade de uma grande área da fazenda (cerca de 10%), para um efetivo funcionamento dos viveiros de sedimentação e na diversificação da produção.
Os efluentes provenientes do cultivo de camarão marinho possuem também uma grande quantidade de excremento, material planctônico morto e restos de ração não consumida. Estima-se que sistemas semi-intensivos geram cerca de 9,7 kg de nitrogênio e 9,0 kg de fósforo por cada tonelada de camarão produzida. Calcula-se também, que 15% do total de ração distribuída em viveiros não é consumida diretamente por camarões, enquanto que dos 85% consumidos, 1/3 não é digerido (ver figura ). Os efeitos deste material, em regiões estuarinas e em viveiros de cultivo, iniciam-se com um aumento da produtividade primária, seguido de um incremento da biomassa de bactérias, acarretando uma maior demanda de oxigênio e uma redução da diversidade e abundância de comunidades bentônicas.
Em viveiros, tais condições podem gerar efeitos que variam de uma maior susceptibilidade a enfermidades por parte da população cultivada a altos níveis de mortalidade.
Especula-se que a descarga de efluentes provenientes de fazendas de camarão marinho em regiões estuarinas com baixa produtividade natural, é na realidade benéfica e que grande parte do material liberado pode ser diluído em regiões costeiras mais profundas. Em muitos casos no entanto, a descarga deste material ocorre em estuários com quantidade limitada de água e com baixa renovação, e em regiões onde já existe uma grande proliferação de fazendas de cultivo. Tais condições contribuem também para a disseminação de enfermidades e para um baixo nível de qualidade da água.
Atualmente, alguns empreendimentos estão reduzindo de forma significativa as taxas de renovação de água, sem que ocorra um decréscimo nos níveis de produtividade. Este procedimento permite que os processos de reciclagem de material orgânico nos viveiros ocorram naturalmente, reduzindo a carga de efluentes em regiões estuarinas.
A instalação de novos empreendimentos de cultivo em regiões onde já existam muitas fazendas em operação e onde se observam baixas produtividades, deve ser evitado. Deve-se também procurar manter distâncias específicas entre fazendas de cultivo a fim de reduzir a captação de efluentes liberados por outros empreendimentos. Estudos devem ser realizados para se estabelecer e regulamentar distâncias mínimas entre fazendas de camarão marinho. Também deve ser observado a concentração de partículas de solo suspensas na água de captação. Estas podem gerar uma alta taxa de sedimentação, principalmente nos casos em que a água é bombeada diretamente para os viveiros de produção.
Apesar de serem recentes as avaliações quantitativas, relacionadas aos impactos de efluentes de fazendas de camarão marinho, fica evidente que a redução destes materiais, em águas costeiras, depende primordialmente da adoção de técnicas de engorda, que resultem em uma mínima produção de material orgânico e inorgânico.
Recomendações
Alguns países como a Austrália, EUA, Nova Zelândia e Costa Rica, também em fase inicial de expansão da maricultura, estão adotando um plano integrado de desenvolvimento de zonas costeiras denominado ICZM (Integrated Coastal Zone Management), o qual permite a orientação de políticas e o desenvolvimento de estratégias de manejo, que abrangem questões do uso de recursos naturais e da intervenção humana no ambiente. O ICZM oferece ainda referências legais e institucionais sobre o planejamento e desenvolvimento ambiental, convocando vários órgãos a trabalharem por um objetivo comum.
Um dos exemplos na aquicultura, é a elaboração de modelos e programas de monitoramento com o objetivo de estimar a capacidade de sustentação de ambientes costeiros, em termos de assimilação e dissolução de nutrientes e material orgânico oriundos de fazendas marinhas de cultivo.
É importante enfatizar, que planos como o ICZM na carcinicultura, somente terão sucesso, caso estes estejam embasados em um completo conhecimento da dinâmica e interações existentes entre o cultivo de camarão marinho e o ambiente costeiro. Isto permitirá que tais estratégias de gerenciamento não sejam mal fundamentadas ou restritivas a um desenvolvimento da atividade. Seguem no quadro algumas recomendações: