Cultivo de Farfantepenaeus subtilis

Resultados das performances de engorda intensiva

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No início da última década, no nordeste do Brasil, como tentativa de incremento de produtividade no cultivo extensivo de camarões, foi dada atenção aos métodos semi-intensivos de cultura de espécies nativas. A tolerância dessas espécies às amplas variações de salinidade, o rápido processo de crescimento, a disponibilidade de fêmeas maduras e pós-larvas e, as facilidades de reprodução em ambientes confinados, encorajaram o processo de cultivo semi-intensivo de Farfantepenaeus subtilis. Essa é uma das espécies de camarão, nativas da costa brasileira e ocorre ao longo da costa atlântica da América Central e América do Sul; de Cuba até Cabo Frio, no Rio de Janeiro, sendo geralmente encontrada, em profundidades que variam de 1 a 192 metros.

Os camarões adultos da espécie F. subtilis habitam o ambiente oceânico e os juvenis, tanto podem ser encontrados em ambientes estuarinos, oceânicos e até hiper-salinos, preferindo fundos de lama, ou lama com areia e conchas. Desde 1960, um significativo esforço de pesca tem sido feito para capturas oceânicas entre a costa das Guianas e do Brasil, onde a espécie representa 95% de todo o camarão desembarcado.

Fêmeas maduras de F. subtilis são encontradas e distribuem-se por toda a costa do Nordeste do Brasil. A espécie é tolerante a uma larga faixa de salinidade e se desenvolve rapidamente sob condições de cultivo, especialmente em baixas densidades de estocagem, ou sob presença marcante de alimentos naturais de origem animal. O F. subtilis apresenta um hábito alimentar predominantemente carnívoro. A partir do estágio de sub adulto, sob condições de cultivo, entre as suas presas destacam-se os poliquetas, por serem o seu principal item alimentar.

Ao contrário do L. vannamei, o F. subtilis possui o telicum fechado, se acasala e matura facilmente em ambientes de confinamento, o que simplifica bastante, a produção de pós-larvas em laboratórios.

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Farfantepenaeus subtilis apresenta uma tendência mais carnívora em seus hábitos alimentares, se comparado ao Litopenaeus vannamei
Figura 1 - Performance do F. subtilis sob condições de engorda semi intensiva (< 15/ camarões/m2) na MARINE em 1993 e na COMPESCAL em 1997. As colunas coloridas se referem aos diferentes tipos de ração utilizados. Cada coluna representa um ciclo de engorda.
Figura 1 – Performance do F. subtilis sob condições de engorda semi intensiva (< 15/ camarões/m2) na MARINE em 1993 e na COMPESCAL em 1997. As colunas coloridas se referem aos diferentes tipos de ração utilizados. Cada coluna representa um ciclo de engorda.
 O vannamei

Nos últimos anos o L. vannamei tem tido um papel fundamental no excelente desempenho da produção de camarão no Brasil, permitindo que o país se destaque entre os principais exportadores de crustáceos. Seus bancos de reprodutores, porém, vêm perdendo suas aptidões, já que a dependência contínua de animais mantidos em viveiros por muitas gerações leva seguidamente à consangüinidade, resultando ao longo do tempo em perda gradual das características genéticas originais da espécie. Como resultado, já é possível perceber uma queda na performance dessa espécie através da baixa resistência à doenças, da elevação das taxas de conversão alimentar e do aumento do ciclo de engorda (tabela 1).

Tabela 1 - Histórico da performance comercial de L . vannamei no Brasil com dados referentes a um total de 603 despescas. Os números se referem a valores médios.
Tabela 1 – Histórico da performance comercial de L . vannamei no Brasil com dados referentes a um total de 603 despescas. Os números se referem a valores médios.

Um outro aspecto ligado a espécie também merece atenção e diz respeito aos preços do L. vannamei nos mercados internacionais, que têm estado sob pressão devido às grandes produções provenientes dos países asiáticos, e também a um intenso jogo de informações contraditórias, praticado pelos países importadores. Os dados apresentados na figura 2 são da Urner Barry Publications, Inc., e se referem ao histórico do índice de preços do camarão branco (Julho, 2003).

Por outro lado, os preços para os camarões marrom (F. subtilis) e rosa (P. brasiliensis), têm sido mais altos, se comparados aos preços do camarão branco (L. vannamei), o que pode ser observado na tabela 2.

Figura 2 (abaixo) - Histórico do Índice de preços do camarão branco até julho, 2003 (o índice de preços do camarão branco com casca é uma indicação do valor médio ponderado para todas as classes de tamanho, relativo ao “breakdown” importado pelos Estados Unidos, reportado pelo Departamento de Comércio).
Figura 2 (abaixo) – Histórico do Índice de preços do camarão branco até julho, 2003 (o índice de preços do camarão branco com casca é uma indicação do valor médio ponderado para todas as classes de tamanho, relativo ao “breakdown” importado pelos Estados Unidos, reportado pelo Departamento de Comércio).
O subtilis como alternativa

Mesmo sendo a melhor alternativa, como coadjuvante ou substituto, para o L. vannamei, a espécie F. subtilis não tem se adaptado bem às dietas comerciais disponíveis no Brasil. Entretanto, esses animais consomem muito bem os alimentos ministrados ao longo de todo o ciclo de cultura, o que tem resultado na elevação demasiada dos fatores de conversão alimentar.

Fonte:”Infopesca Shrimp Report (maio de 2003),  Tabela 2 - Preços de mercado para o camarão branco 80 – 100 (valores convertidos de libra para quilograma e de camarão sem cabeça para inteiro)
Fonte:”Infopesca Shrimp Report (maio de 2003),  Tabela 2 – Preços de mercado para o camarão branco 80 – 100 (valores convertidos de libra para quilograma e de camarão sem cabeça para inteiro)

Em busca de respostas aos diversos questionamentos sobre a viabilidade da cultura comercial de F. subtilis, um experimento de cultivo intensivo foi idealizado e desenvolvido na estação experimental da Fazenda Compescal, localizada em Aracati – CE. Para tanto, quatro viveiros de terra de: 0,43; 0,45; 0,37 e 0,33 hectares (foto), foram previamente preparados para garantirem o adequado suprimento alimentar natural, à base de organismos vegetais e animais. Neles foram estocadas 84,6 pós-larvas de P. subtilis por m2 produzidas no laboratório da própria empresa, a partir de reprodutores capturados em ambiente natural.

Os animais permaneceram nos primeiros 15 dias, em tanques berçários, antes de serem estocados nos viveiros de terra e nesse período, foram alimentados com biomassa de artemia e ração comercial. Os viveiros foram equipados com aeradores de palheta, numa razão de 34 HP por hectare e, durante a engorda, os camarões foram alimentados principalmente, com ração comercial, contendo 35% de proteína bruta.

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Tabela 3 – Resultados da engorda experimental do F. subtilis comparados com a performance do L. vannamei na mesma fazenda.
Tabela 3 – Resultados da engorda experimental do F. subtilis comparados com a performance do L. vannamei na mesma fazenda.
O Crescimento dos camarões

O período de engorda do F. subtilis variou de 197 a 200 dias. A despeito das baixas taxas de ganho de peso semanal, os camarões cresceram continuamente durante todo o ciclo de produção. Ao final, as taxas de incremento de peso semanais variaram de 0 a 1,4 gramas, quando comparadas às do L. vannamei cultivado nos viveiros comerciais da mesma fazenda e no mesmo período, conforme está demonstrado na tabela 3 e figura 3.

Figura 3 - Crescimento em viveiro de F. subtilis quando comparado com L. vannamei . (o L. vannamei foi engordado na mesma fazenda mas em viveiros maiores.)
Figura 3 – Crescimento em viveiro de F. subtilis quando comparado com L. vannamei . (o L. vannamei foi engordado na mesma fazenda mas em viveiros maiores.)

O crescimento semanal dos camarões não apresentou uma tendência uniforme. Observações realizadas em estudos prévios práticos, demonstraram que o crescimento de F. subtilis é prejudicado a partir do momento em que os camarões atingem 6 gramas. Esse fato pode estar relacionado com variações ontogenéticas ligadas ao metabolismo das enzimas digestivas, ou ainda ao aumento das necessidades nutricionais, em decorrência da redução da disponibilidade dos organismos animais que habitam o fundo dos viveiros e servem de presa.

Desempenho Final

Os camarões foram despescados após 28 semanas de cultivo e os parâmetros de crescimento, sobrevivência, produtividade e tempo de cultivo foram considerados satisfatórios quando comparados com a performance do L. vannamei, nas mesmas condições de alta estocagem. Com relação às taxas de conversão alimentar do F. subtilis, estas estiveram dentro dos patamares históricos relatados, apesar de terem sido mais elevadas quando comparadas com as obtidas para L. vannamei. Em densidades de estocagens maiores que 80 camarões/m2, a taxa de conversão alimentar esperada para o L. vannamei não deve ser superior a 1,8:1 a não ser nos casos em que os cultivos ultrapassem 180 dias de duração (tabela 4).

Tabela 4 - Parâmetros de tempo de cultivo, sobrevivência, taxa de conversão alimentar, produtividade e peso final do F. subtilis em experimento de cultivo intensivo.
Tabela 4 – Parâmetros de tempo de cultivo, sobrevivência, taxa de conversão alimentar, produtividade e peso final do F. subtilis em experimento de cultivo intensivo.

Durante a despesca dos viveiros experimentais, confirmou-se que pelo menos 10% da população obtida, pertencia à espécie Farfantepenaeus brasiliensis, resultado da inclusão de algumas fêmeas dessa espécie, na ocasião dos processos de captura no ambiente natural e da desova no laboratório. Tal espécie é conhecida como “camarão rosa”, que em ambiente natural atinge grandes tamanhos e sob condições de cativeiro, demonstra um comportamento carnívoro ainda mais intenso, o que possivelmente deve ter contribuído para o comprometimento parcial da performance total da espécie principal em cultivo: F. subtilis.

A análise dos resultados desse estudo possibilita as seguintes conclusões:

• A atratibilidade das rações comerciais empregadas foi positiva, posto que todo o alimento ofertado nas bandejas foi totalmente consumido durante todo o processo de engorda.
• Quanto a adaptação da espécie às rações, existe a necessidade de melhorias, uma vez que, o crescimento ocorreu linearmente até que os animais atingissem o peso médio de 5 a 6 gramas, decrescendo de modo mais significativo após atingirem 6 a 8 gramas.
• A adaptabilidade da espécie ao sistema de engorda intensiva foi bastante positiva, indicando a possibilidade concreta da sua cultura em densidades de estocagem semelhantes às praticadas para L. vannamei.
• As taxas de conversão alimentar foram excessivamente altas em comparação às obtidas para L. vannamei indicando a necessidade de estudos específicos sobre as exigências nutricionais de F. subtilis, como fundamentos para a formulação de dietas adequadas para a espécie, possibilitando a viabilização do seu cultivo em escala industrial.