Cultivo de Tilápias em Tanques-Rede em Ambiente Estuarino

Por: Leonardo Dell”Orto – Bahia Pesca S.A.,
e-mail: [email protected];
Mónica Morais e Denise Soledade
Dell’acqqua Consultoria, e-mail: [email protected]


O Programa de Maricultura Artesanal do Estado da Bahia, que tem como parceiros a BAHIA PESCA, SEBRAE/BA e IDES – Instituto de Desenvolvimento do Baixo Sul, desenvolveu um projeto experimental de cultivo de tilápia em tanques–rede em ambiente estuarino nas localidades de Barra do Serinhaém e Canavieiras, ambas na Baía de Camamu. Os experimentos, coordenados pela Bahia Pesca e executados pela empresa de consultoria Dell’acqqua, foram iniciados em dezembro de 2001, com o objetivo de avaliar a viabilidade técnica e econômica do cultivo de tilápias em ambientes estuarinos. Os experimentos objetivam também fornecer subsídios básicos sobre a performance de cultivos de linhagens e híbridos de tilápia nas condições testadas, inclusive com análise econômica preliminar da viabilidade do cultivo para módulos familiares, a serem conduzidos por pescadores e marisqueiras reunidos em associações. Pelo fato de existirem poucas referências bibliográficas a respeito de cultivo de tilápias em estuários, foram utilizadas como base as estruturas e o manejo de cultivo em tanques-rede adotados no complexo de barragens de Paulo Afonso – BA.

Os peixes testados no experimento foram machos sexualmente revertidos da Tilápia Nilótica (Oreochromis niloticus) da linhagem Chitralada e um híbrido vermelho, denominado comercialmente de Red Jamaica, resultante do cruzamento das espécies Tilápia Nilótica (Oreochromis niloticus); Tilápia Zanzibar (Oreochromis urolepis hornorum); Tilápia Moçambique (Oreochromis mossambicus) e Tilápia Áurea (Oreochromis aureus).

Os locais selecionados, Barra do Serinhaém e Canavieiras, apresentam condições ambientais distintas, como pode ser visto na tabela 1. Durante o experimento os parâmetros físico-químicos da água como a velocidade das correntes, transparência, temperatura, pH, salinidade e oxigênio dissolvido, foram avaliados mensalmente na enchente, vazante e maré morta.

O processo de condicionamento dos alevinos às condições de salinidade do estuário foi realizado em tanques de fibra de vidro com capacidade de 1.000 L, em sistema de água parada com aeração, com densidade de estocagem de 2 alevinos/L. A elevação da salinidade variou de 7 a 10 ppm ao dia, durante três a cinco dias, a depender do destino dos alevinos (Canavieiras = 20 ppm; Barra do Serinhaém = 28 ppm) e da variedade de tilápia (Chitralada = 5 dias; Vermelha = 3 dias). Neste período, a alimentação foi oferecida duas vezes ao dia em uma quantidade diária de 2 a 3% da biomassa. A limpeza dos restos de ração e fezes foi feita diariamente, por sifonamento, com a troca de 30 a 50 % do volume de água.

Estruturas de Cultivo

Cada bateria de cultivo experimental foi composta por dois tipos de tanques-rede: 1 tanque-rede de 4 m3 destinado à fase de alevinagem, construído em tela de seda de poliéster revestida de PVC, medindo 2,0 x 2,0 x 1,2 m, com malha de 4,0 mm e 3 tanques-rede de 4 m3 cada, destinados à fase de engorda, construídos nas dimensões de 2,0 x 2,0 x 1,2 m com tela de seda de poliéster revestida de PVC com malha de 17,0 mm .

Os tanques-rede de engorda possuem uma tampa móvel com recinto de alimentação, formado por um cilindro vazado de 120 cm de diâmetro e 60 cm de altura, com malha de 4,0 mm armada sob a tampa. Essa estrutura facilita a tarefa de alimentação dos peixes, minimizando perdas com ração.

Foi adotado o sistema bifásico de cultivo (alevinagem/engorda), sendo estocados inicialmente no tanque-rede de alevinagem 5.000 alevinos de tilápia macho de 1,0 – 3,0 gramas até atingirem o peso de 25 – 40 gramas. Após esta fase os juvenis foram classificados por tamanho, contados e estocados em três tanques-rede de engorda numa densidade de 185 peixes/m3 até atingirem o peso médio de 700 g. Foram utilizados dois métodos de arraçoamento no experimento: método da saciedade, descrito por Schmittou (sem data), em Produção de Peixes em Alta Densidade em Tanques-rede de Pequeno Volume e método do percentual da biomassa, este último baseado no programa alimentar adotado nos cultivos no município de Paulo Afonso – BA.

Resultados

Os dados biométricos, consumo de ração e mortalidade, tanto de alevinagem quanto engorda, nesta primeira fase dos experimentos forneceram os subsídios para inferir sobre a performance de cada variedade de tilápia nas diferentes condições ambientais em que foram realizados os experimentos, inclusive na análise econômica preliminar de viabilidade do cultivo para a montagem do módulo de cultivo familiar.

Alevinagem

Os módulos instalados na localidade de Canavieiras apresentaram resultados superiores aos de Barra do Serinhaém. A performance de cultivo em Barra do Serinhaém, onde as condições de correnteza e valores de salinidade são maiores foi inferior, possivelmente, em decorrência do aumento do gasto energético, elevando a conversão alimentar. Além disso, o estresse fisiológico debilitou os peixes, reduzindo a imunidade e favorecendo o aparecimento de doenças e elevando a mortalidade (tabela 2).

Comparando os resultados obtidos em Canavieiras com os cultivos no município de Paulo Afonso, observa-se que os valores obtidos no ambiente estuarino foram semelhantes. Em Paulo Afonso, a duração desta fase gira em torno de 45 – 60 dias, com peso final entre 25 a 40 gramas e conversão alimentar 1,5 -1,8:1,0.

Em Barra do Serinhaém, o cultivo com nilótica chitralada foi interrompido e os juvenis sacrificados aos 64 dias, devido à elevada incidência de peixes acometidos por ulcerações.

Bioensaios de tratamento das infecções
No final da fase de alevinagem, as tilápias da variedade chitralada de ambas as localidades e as vermelhas de Barra do Serinhaém, apresentaram sintomas externos de infecção com ulcerações esbranquiçadas ou hemorrágicas por todo o corpo e com mortalidade crônica.
Foi coletada uma amostra de peixes com a sintomatologia e enviado para análise no Laboratório de Aqüicultura da Faculdade de Medicina Veterinária – UFBA. O resultado das culturas com material das lesões foi negativo não detectando presença de patógenos, sugerindo que as alterações apresentadas foram decorrentes de estresse fisiológico provocado pela alta salinidade e velocidade da corrente. Devido à impossibilidade de diagnóstico laboratorial, alguns bioensaios foram realizados para indicar a melhor forma de tratamento.

Bioensaio I (Barra do Serinhaém) – Foram utilizados dois tanques de fibra de vidro contendo água com salinidade de 25 ppm (com parâmetros físico-químicos estáveis), sem circulação de água, mas com aeração, contendo cada um 100 tilápias chitraladas com ulcerações. Os peixes foram submetidos a dois diferentes tratamentos. No primeiro tanque receberam administração oral de tetraciclina misturada à ração, na posologia de 50 mg/Kg de peso vivo, uma vez ao dia, durante 14 dias consecutivos. No segundo, administração oral da mistura, em partes iguais, de alho com limão (imunoestimulantes), na posologia de 3,0 g/Kg de peso vivo, uma vez ao dia, durante 14 dias consecutivos. Os resultados dos tratamentos foram semelhantes, com cerca de 95% dos peixes nos dois tanques curados das ulcerações, e 5% em processo de cicatrização.

Bioensaio II (Barra do Serinhaém) – Foram colocadas 50 tilápias chitraladas em um tanque circular de fibra de vidro, também contendo água com salinidade de 25 ppm, sem circulação de água e com aeração, aos quais forneceu-se apenas ração, sem qualquer tipo de tratamento. Com 15 dias, estes também apresentaram cicatrização das ulcerações.

Bioensaio III (Barra do Serinhaém) – Descartaram-se os peixes com ulcerações, de um tanque-rede, e administrou-se a mistura imunoestimulante de alho e limão, na posologia já descrita, ao restante dos peixes sem sintomatologia. Entretanto, estes peixes também desenvolveram as ulcerações após alguns dias.

Bioensaio IV (Barra do Serinhaém) – 50% das tilápias vermelhas de um tanque-rede apresentaram ulcerações. O tratamento utilizado foi com tetraciclina misturada à ração para que se observasse também se haveria cicatrização das lesões, mesmo com os peixes sendo submetidos às variações de parâmetros físico-químicos da água. Após dez dias de tratamento, cerca de 30% dos peixes continuaram com as ulcerações.

Bioensaio V (Canavieiras) – O tratamento das Chitraladas foi realizado com Permanganato de Potássio no tanque-rede, em forma de imersão, na posologia de 10 g/m3, durante cinco dias consecutivos. Para efetuar o tratamento utilizou-se um tanque de lona plástica de 2,20 x 2,20 x 1,20 m para revestir o tanque-rede, sendo o produto aplicado uma vez ao dia durante 5 -10 minutos ou até que os peixes mostrassem sinais de aflição. Houve redução no número de peixes infectados e na mortalidade, mas não houve cura total.

Os resultados dos bioensaios realizados sugerem que a causa mais provável da sintomatologia apresentada pelos peixes é resultado de estresse fisiológico provocado por condições ambientais desfavoráveis, principalmente os valores elevados da salinidade e velocidade de corrente, deprimindo o funcionamento dos mecanismos de defesa dos peixes contra parasitos patógenos e infecções oportunistas. Deste modo, alguns procedimentos que poderão ser vistos a seguir, serão adotados para a próxima fase dos experimentos:

– Os cultivos com as espécies testadas serão realizados somente em locais que apresentem condições físico-químicas da água próximas às encontradas na localidade de Canavieiras;

– Seleção de novas linhagens e/ou híbridos de tilápia mais resistentes às altas de salinidades;

– Testes de estruturas que diminuam a correnteza dentro dos tanques-rede, nos locais onde este procedimento se fizer necessário.

– Permanência dos alevinos em quarentena após a aclimatação, durante sete dias, para melhor adaptação e observação de possíveis enfermidades pré-existentes;

Engorda

Concluída a fase de berçário os juvenis foram selecionados e separados em três lotes com 740 peixes cada, de tamanhos diferentes: pequenos (21,2 -25,5 g), médios (37,9 – 36,5 g) e grandes (52,0 – 57,4 g), vindo cada lote a povoar um tanque rede de engorda. Os juvenis restantes foram descartados do experimento, cujos resultados são descritos a seguir, bem como estão resumidos na tabela 3 (abaixo).

Barra de Serinhaém (bateria de Red Jamaica) – Os juvenis selecionados foram separados por tamanho em três lotes, cada um com 740 peixes. Cada lote povoou um tanque-rede de engorda. Esta fase foi finalizada aos 146 dias de cultivo com uma conversão alimentar média de 3,93:1,0; peso médio final de 390,9 gramas e sobrevivência de 38,47%. A performance de cultivo foi muito abaixo do observado na localidade de Canavieiras devido as condições ambientais encontradas no local (forte correnteza e alta salinidade) o que levou ao acometimento da maioria dos peixes pelas ulcerações, pontos hemorrágicos e elevada mortalidade durante toda esta fase, de forma crônica. Os peixes deste cultivo foram sacrificados e descartados por apresentarem, em sua maioria, infeção com ulcerações.

Canavieiras (bateria de Chitralada) – A fase de engorda da Chitralada foi finalizada aos 142 dias de cultivo, com uma conversão alimentar média de 2,08:1,0 e peso médio final de 791,6 g. Em cultivos dessa variedade de tilápia na região de Paulo Afonso, este peso seria alcançado com cerca de 130 dias de cultivo, com uma conversão alimentar entre 1,6 a 1,8:1,0. A sobrevivência de 75,77% foi menor que a observada em cultivos de água doce, onde costuma ser em torno de 90%. A elevada mortalidade nesta fase ocorreu principalmente, no segundo e no terceiro mês, de forma crônica, quando os peixes apresentaram sinais de infecção (manchas e ulcerações cutâneas esbranquiçadas ou hemorrágicas pelo corpo e redução de apetite).

Como nos bioensaios realizados nenhum tratamento efetuado nos tanques-rede mostrou-se eficiente, optou-se por não realizar nenhum tratamento na fase de engorda e após o terceiro mês as ulcerações cicatrizaram e a mortalidade crônica cessou. Durante o quarto mês houve uma diminuição no ritmo de crescimento dos peixes, provavelmente devido às menores temperaturas (cerca de 25 oC) e excesso de chuvas no mês junho na região, o que estendeu o tempo de cultivo.

Apesar da elevada mortalidade apresentada pela tilápia nilótica chitralada neste primeiro cultivo e do atraso de crescimento, o custo de produção de 1,0 Kg de peixe em ração foi de R$ 1,59 (preço médio de ração = R$ 0,77), e o custo final por quilo produzido foi de R$ 2,30, considerando como itens de custos: depreciação, pró-labore, assistência técnica, amortização dos juros, alevinos, ração e transporte para um módulo produtivo com 02 tanques-rede de alevinagem e 10 tanques-rede de engorda, com produtividade de 120 Kg/m3.

Devido à elevada mortalidade e à variação de crescimento dos peixes em cada tanque, a produtividade final variou entre 97,9 a 131,4 Kg/m3. A maior sobrevivência (83,33%) foi registrada no tanque em que foram estocados os juvenis grandes, onde a produtividade final foi de 131,4 Kg/m3. A conversão alimentar ficou em 1,98:1,0 indicando a possibilidade de nos próximos cultivos serem testadas produtividades acima de 120 Kg/m3, o que deverá reduzir os custos de produção.

Canavieiras (bateria de Red Jamaica) – A fase de engorda do híbrido vermelho foi concluída aos 133 dias, com peso médio de 556,3 gramas e conversão alimentar média de 2,4:1,0, ficando abaixo do observado em cultivos deste híbrido em água doce, onde este peso é alcançado por volta dos 120 dias com uma conversão próxima a 2,0:1,0 (Gráfico)

A sobrevivência de 95,36% foi elevada, considerando a média encontrada nos cultivos em água doce, que é de 90%. A alta sobrevivência nesta fase em relação à nilótica chitralada provavelmente é decorrente da maior resistência destes híbridos aos cultivos em águas salinas.

Por volta do quarto mês de engorda, também houve diminuição no ritmo de crescimento e pequena incidência de peixes com ulcerações, provavelmente em função do aumento do nível de estresse provocado pela piora nas condições ambientais (diminuição de temperatura e aumento de chuvas), como nas tilápias niloticas as ulcerações também regrediram sem tratamento.

Apesar da elevada sobrevivência, ao contrário da tilápia nilótica chitralada, a alta conversão alimentar apresentada pelo híbrido vermelho neste cultivo elevou o custo de produção para R$ 2,60 por quilo de peixe produzido, considerando os mesmos itens de custo, produtividade e módulo de cultivo proposto para a tilápia nilótica. A produtividade final variou entre 76,2 a 117,9 Kg/m3, devido à variação de crescimento dos peixes em cada tanque (P, M, G), não havendo correlação entre a produtividade alcançada e mortalidade.

Gráfico 1 - Comparativo de desempenho de cultivo em tanques-rede de tilápias, linhagem Chitralada e Red Jamaica em barragens e no estuário
Gráfico 1 – Comparativo de desempenho de cultivo em tanques-rede de tilápias, linhagem Chitralada e Red Jamaica em barragens e no estuário

Tilápia Marinha

A primeira fase dos experimentos forneceu importantes indicativos do manejo, principalmente com relação às condições ambientais e às diferenças de performance das variedades de tilápia no ambiente estuarino.

Os peixes derivados destes experimentos foram apresentados às comunidades locais através de um Festival de Tilápia Marinha, onde a aceitação foi total, sendo sugerido um preço de venda por quilo, em torno de R$ 3,00 a R$ 3,50 para peixe inteiro, já que o sabor e a textura da carne se assemelha bastante aos peixes de água salgada capturados na Região cujo preço para o vermelho, por exemplo, é de R$ 5,00/kg.

A nova fase dos trabalhos para a continuação dos cultivos pilotos de tilápias em tanques-rede no estuário será realizada em comunidades que possuam condições ambientais semelhantes as da localidade de Canavieiras. Outras variáveis que provocam estresse nos peixes cultivados, em especial, as flutuações dos parâmetros físico-químicos da água provocados pelas marés estão sendo analisadas, visando identificar os locais mais adequados para a instalação dos cultivos comerciais.

Será também testado um novo programa alimentar com valores mais altos de proteína bruta na ração, utilizando quatro variedades de tilápias: chitralada, dois híbridos vermelhos (Red Jamaica e Saint Peter) e um híbrido cinza, resultado do cruzamento de O. niloticus x O. hornorum, desenvolvido pela Estação de Piscicultura da CHESF – Paulo Afonso. Da mesma forma, serão realizados testes para o desenvolvimento da estrutura dos tanques-rede em relação ao volume, abertura de malha, estruturas de flutuação, estrutura de quebra corrente e materiais de construção.