Poucos piscicultores saberiam responder com desenvoltura à pergunta: “qual o custo do quilo do peixe produzido?” No entanto, todos diriam de imediato que a ração é o componente responsável pela maior parte desse custo.
A recente e grande desvalorização cambial que, se por um lado favoreceu as exportações, provocou uma súbita elevação do preço das “commodities” soja e milho, que até pouco tempo eram os principais ingredientes utilizados na formulação das rações, tornando inevitável o impacto da elevação desses preços no custo final de produção de peixes.
O objetivo desse artigo foi buscar, analisar e sugerir alternativas para a formulação, processamento de rações e manejo alimentar, de modo a reduzir os custos de alimentação na produção de peixes sem que haja perda de qualidade nutricional. Sua elaboração está baseada em um trabalho realizado para um exame de qualificação do programa de Pós-Graduação em Aqüicultura do Centro de Aqüicultura da Universidade Estadual Paulista (CAUNESP/UNESP), onde foram utilizadas pesquisas bibliográficas e aplicação de questionários junto a pesquisadores, produtores e técnicos ligados à industria de rações para a piscicultura.
Por: Leonardo Tachibana – Pós-graduando (Doutorado) CjAUNESP
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Newton Castagnolli – Castagnolli Aqüicultura Ltda.
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Ingredientes alternativos
O uso de ingredientes alternativos pode ser visto como uma das alternativas para reduzir os custos na produção de peixes, já que a substituição dos alimentos convencionais pelos alternativos permite diminuir consideravelmente os custos de produção da ração. Recentemente, as fábricas de ração substituíram grande parte dos ingredientes convencionais, tais como farelos de soja, trigo e milho, por alguns alimentos tais como farinhas de sangue e de pena, glúten de milho etc.. Tendo em vista esses fatos, a pergunta que flui naturalmente é: teria esta ração a mesma qualidade? Provavelmente não, pois, os produtos substitutos são considerados de menor qualidade e geralmente são utilizados apenas em caso de falta do produto original ou quando o preço desse produto está muito alto.
Logicamente, cada ingrediente alternativo apresenta peculiaridades relacionadas ao valor nutricional, componentes físicos e microbiológicos que podem determinar algumas limitações de uso. Podemos citar como exemplo a presença do gossipol, no farelo de algodão, especialmente em rações para reprodutores porque esse pigmento pode inibir a síntese de hormônios que atuam na reprodução.
Alguns ingredientes apresentam excesso ou falta de algum nutriente, como é o caso da farinha de sangue, que embora tenha um alto teor de proteína bruta, se caracteriza por possuir um desbalanceamento de seus aminoácidos. A farinha de penas, por sua vez, além de também possuir esse problema, se caracteriza por ter uma baixa digestibilidade.
Problemas físicos também estão relacionados ao processamento da ração, como é o caso dos ingredientes de origem vegetal que devido aos altos teores de fibra, têm a sua inclusão limitada. A fibra, no processo de extrusão, pode dificultar a passagem da massa de ração, provocando uma menor produtividade e, pode entupir as matrizes das rações de pequeno diâmetro. Como exemplos de alimentos ricos em fibra citamos: farelos de arroz e girassol, polpa cítrica, etc.
O excesso de lipídios contidos nas vísceras de frango faz com que a ração passe mais rápido pelo canhão da extrusora, podendo não ocorrer o aquecimento adequado, prejudicando a expansão dos grânulos. A rancificação dos lipídios reduz a palatabilidade e, como conseqüência, a ingestão das rações, dificulta o metabolismo.
Os problemas microbiológicos geralmente estão relacionados às micotoxinas (toxinas produzida por fungos) que podem causar mortalidade por serem neurotóxicos, a exemplo da aflatoxina produzida pelo fungo Aspergillus flavus, encontrada com maior freqüência no amendoim.
Levando em consideração que os ingredientes alternativos estão sendo utilizados pela indústria, pode-se dizer que a produtividade dos peixes criados, provavelmente, tem sofrido modificações no seu desempenho e que a observação deste parâmetro necessita de avaliação constante da relação benefício/custo dessas mudanças. Com certeza é necessário buscar a modificação dos alimentos utilizados, porém com muita cautela para não causar danos maiores a produção dos peixes.
Alguns novos alimentos estão sendo testados pelas instituições de pesquisa e pelas indústrias, para se conhecer a possibilidade de inclusão nas rações, como: hemoglobina, plasma sangüíneo, farelos de girassol, de amendoim e de canola, polpa cítrica e raspa de mandioca, etc.
Qualidade da ração
Muitos fatores podem influenciar na qualidade da ração, pois cada alimento incluído na formulação tem sua característica. As diferentes espécies apresentam diferentes exigências nutricionais, as quais nem sempre são atendidas pelas formulações existentes no mercado, que é suprido, basicamente, por rações para carnívoros, peixes tropicais e trutas. Na formulação de uma ração, além dos níveis adequados de nutrientes, são também importantes a granulometria dos ingredientes da ração, fonte lipídica, flutuabilidade, digestibilidade, etc.
A melhor maneira para se aferir a qualidade da ração é através do desempenho dos peixes. No entanto, o crescimento rápido nem sempre é sinal de uma boa ração. É necessária a verificação dos órgãos internos, principalmente o fígado, que pode se apresentar friável e com coloração anormal (esbranquiçada à parda). A qualidade da carcaça (avaliada pelo teor de gordura visceral principalmente) é outro indicador do bom estado nutricional dos peixes.
Dentre os nutrientes a proteína deve merecer maior atenção por ser formador do músculo e principal determinante do ganho de peso. A eficiência na assimilação protéica dependerá da qualidade da proteína da ração a qual depende do balanço dos aminoácidos, a unidade que a compõe. Infelizmente, até o momento, apenas carpa, tilápia e o bagre-de-canal são as espécies tropicais que já têm definidas suas exigências de aminoácidos.
Exigências nutricionais
A determinação das exigências nutricionais das espécies nativas, que são amplamente criadas no Brasil, tais como os “peixes redondos” (tambaqui, pacu, pirapitinga e seus híbridos), os bryconíneos (matrinxã, piraputanga e piracanjuba), os anastomideos (piauçu e piapara) e também os siluriformes (pintado, surubim e cachara), permitirá a formulação de rações mais adequadas a esses grupos de espécies que, com certeza, têm diferentes exigências nutricionais e que, atualmente, as fábricas de ração apenas consideram como sendo dois grupos: o dos carnívoros cujas formulações apresentam maior teor de proteína da dieta e todos os demais, considerados como “espécies tropicais”. Reconhecemos que, do ponto de vista de economia de escala, diversificar mais o número das rações para atender a tantas e variadas exigências nutricionais poderia onerar ainda mais o seu custo de fabricação. No entanto, formulações específicas permitiriam fornecer a quantidade ideal de nutrientes para cada espécie, diminuindo assim as perdas com a excreção do excesso dos nutrientes.
Além da falta de informações sobre as exigências nutricionais das diferentes espécies, ressalta-se que a maioria dos estudos realizados sobre nutrição de peixes são geralmente com alevinos e juvenis, sendo necessário estudos em outras fases de vida. O suprimento das exigências nutricionais das várias espécies, se por um lado aumenta o custo de produção, devido a falta de escala, pelo outro, proporciona melhor conversão alimentar e deve causar menores danos ao meio ambiente. Este é mais um desafio lançado à competência dos pesquisadores e fabricantes de ração.
Existem algumas estratégias na nutrição de peixes que visam adequar formulações que proporcionem maior eficiência nutricional, a qual é geralmente medida pela conversão alimentar.
Como a proteína é o componente mais caro na composição do custo das rações, maior número de pesquisas devem ser direcionadas ao efeito economizador desse nutriente. Nessa linha de raciocínio procura-se evitar o uso da proteína como fonte de energia dietária, mesmo que os peixes, de uma maneira geral, digerem e assimilam eficientemente a energia contida na fração protéica das rações. Assim, devem ser priorizadas as fontes mais baratas de energia para reduzir o seu custo final.
Outro dado importante e que não tem merecido atenção dos fabricantes de ração, está relacionado com a digestibilidade dos nutrientes. Estes dados não estão disponíveis para as espécies nativas, no entanto, não se justifica a sua não utilização na formulação de rações para a tilápia.
O conceito de proteína ideal, que é a formulação da ração com base na composição em aminoácidos do próprio peixe, pode ser um grande avanço na formulação da ração, ajustando corretamente o balanceamento dos aminoácidos, como mencionado anteriormente.
Aditivos
Os aditivos são microingredientes adicionados às rações com as funções condicionadora, profilática e também de melhorar a eficiência na absorção dos nutrientes.
A utilização de aditivos reduz a mortalidade e melhora o desempenho e, como conseqüência, reduz o custo do quilo de peixe produzido. Podemos citar a levedura (desidratada) e derivados do seu processamento, tais como polissacarídeos da parede celular, utilizados com a finalidade de melhorar a saúde dos animais e promover melhor crescimento. Dependendo do seu processamento, a levedura. pode atuar de forma positiva na microbiota intestinal, diminuindo a população de bactérias patogênicas, enquanto que o polissacarídeo b-glucano, responde como imunoestimulante, melhorando a resistência do animal. A fitase por exemplo é um aditivo muito utilizado em rações para aves suínos e ruminantes, disponibilizando o fósforo complexado nos quelatos (fitato) que fixam o fósforo, reduzindo a sua biodisponibilidade.
Algumas pesquisas já estão sendo realizadas com alho, própolis e outros fitoterápicos e muitas outras deverão ser objeto de interesse dos pesquisadores.
A indústria nacional tem utilizado principalmente a levedura desidratada nas rações para peixes, pois é um ingrediente disponível no mercado e produzido pelas usinas de processamento da cana-de-açúcar. Os outros aditivos citados estão sendo estudados nas universidades para avaliar a possibilidade de inclusão nas rações. O grande avanço na área de aditivos para alimentação animal mostra que estes produtos serão amplamente utilizados na nutrição de peixes, no futuro próximo.
Manejo Alimentar
O manejo alimentar na criação de peixes é de suma importância para a máxima eficiência do aproveitamento do alimento fornecido, especialmente nos sistemas intensivos, como nos tanques-rede e, também, nos “race-ways”, utilizados principalmente na criação de trutas. Muitos produtores oferecem ração em demasia, causando diminuição na eficiência alimentar e, como conseqüência, prejuízo.
Existem ainda manejos diferenciados para se reduzir o custo de produção de peixes, como por exemplo sugerem De Silva e Anderson (1995), com a chamada “estratégia mista de alimentação” que consiste em alimentar os peixes variando os níveis protéicos da ração, diariamente. Este manejo não afeta o desempenho dos peixes e resulta em sensível redução no custo de produção. Santiago e Laron (2002) obtiveram uma redução acima de 34% no custo da ração utilizando sistema que alternava diariamente rações contendo 25% e 40% de proteína bruta, em experimento realizado com reprodutores de tilápia do Nilo e não resultou em perda da eficiência produtiva de ovos.
A comercialização da ração a granel (sem as sacarias), como é praticado nos Estados Unidos, pode ser também uma alternativa para redução de custos. Os produtores, no entanto, precisariam instalar silos em suas propriedades para armazenamento da ração, o que acarretará novos investimentos, além da necessidade de utilização de um manejo diferenciado para o fornecimento da ração. As indústrias de ração, por sua vez, alegam que a atual demanda ainda não compensa o investimento nesta forma de comercialização.
Rações caseiras
Rações fabricadas na propriedade, utilizando produtos regionais, embora resultem em um custo mais baixo de alimentação, podem tornar-se menos remuneradoras devido a queda da produtividade, com a perda da qualidade da água e redução do índice de crescimento dos peixes, como foi apresentado por Kubitza em artigo publicado em edição anterior desta revista. No entanto, é viável em locais distantes das fábricas de ração, em que se aproveitam alguns ingredientes “alternativos caseiros” (mandioca e a abóbora, etc.) disponíveis na região, com o uso do núcleo (fonte protéica e suplemento vitamínico e mineral) fornecido por algumas indústrias. Com o balanceamento desses ingredientes e os núcleos é possível a formulação de rações que podem proporcionar um bom desempenho aos peixes, como já vem sendo praticado no Tocantins e no norte do Mato Grosso.
Preço x qualidade
Finalizando, seria importante a conscientização do produtor para que a escolha da ração, não seja pelo preço, nem pelo teor de proteína bruta e sim pelo desempenho que ela proporciona, o qual dependerá, em última instância, de sua qualidade.
Existe sim a possibilidade de redução de custos na alimentação dos peixes sendo a utilização de novas tecnologias desenvolvidas e a possibilidade de inclusão de novos alimentos nas rações os principais fatores a contribuir para tal.
Neste artigo não pretendemos solucionar todos os problemas ocorridos com a desvalorização cambial, mas sim despertar para busca de soluções dos problemas da criação do peixe, tanto por parte do criador que deve exigir a qualidade da ração, quanto para as indústrias de ração que devem se preocupar com a eficiência nutricional do alimento que vendem sob a forma de rações.
Referências bibliográficas
DE SILVA, S.; ANDERSON, T.A. Fish nutrition in aquaculture.1 ed. London: Sena S. De Silva & Trevor A. Anderson, 1995. Ed. Chapman & Hall, London, 1995.
SANTIAGO, C.B.; LARON, M. Growth and fry production of Nile tilapia, Oreochromis niloticus (L.), on different feeding schedules. Aquaculture, Amsterdam. v. 33, p. 129-136, 2002.