“Em uma descoberta de enorme transcendência, pesquisadores da Universidade do Arizona (EUA) identificaram o agente causador de uma enfermidade misteriosa que vem dizimando os cultivos de camarões na Ásia”. Foi com esse tom emocionado que a FAO informou ao mundo a importantíssima descoberta feita pela equipe do Dr. Donald Lightner. A enfermidade, conhecida como Síndrome da Mortalidade Precoce (EMS na sigla em inglês) ou Síndrome da Necrose Hepatopancreática aguda (AHPNS) provocou, nos últimos anos, mortalidades massivas em vários países asiáticos onde, segundo a FAO, pelo menos um milhão de pessoas dependem do cultivo de camarões para o seu sustento. A EMS apareceu inicialmente em 2009 e, em 2010, os surtos se converteram em séria ameaça. Em 2011, na China, a produção em Hainan, Guangdong, Fujian e Guangxi sofreram perdas de quase 80%. Na Tailândia, devido a enfermidade, a previsão da produção de camarões para 2013 é de 30% do volume produzido no ano passado. Oficialmente a EMS foi notificada na China, Malásia, Tailândia e Vietnã e afeta as duas espécies de camarões que se cultiva habitualmente em todo o mundo – Penaeus monodon e Litopenaeus vannamei. Os viveiros infectados experimentam níveis extremamente altos de mortalidade na fase inicial de crescimento, que chega a ser de 100% em alguns casos e, até o momento, a causa da enfermidade havia confundido cientistas, autoridades sanitárias e criadores, dificultando a prevenção e tratamento.
Um passo importante foi dado com a identificação do agente causador da EMS, que vem a ser uma cepa de uma bactéria que se encontra habitualmente nas águas costeiras e salobras de todo o mundo: o Vibrio parahaemolyticus. Uma equipe de pesquisadores da Universidade do Arizona conseguiu isolar esta cepa e a utilizou para infectar camarões saudáveis com a doença, num procedimento conhecido como postulado de Koch. “Tivemos êxito ao conseguir isolar um cultivo puro da cepa de V. parahaemolyticus e conseguimos reproduzir a doença em nosso laboratório” disse o professor Donald V. Lightner, acrescentando que “a grande virulência deste agente nos camarões é devido a um bacteriófago que afeta em particular esta cepa de V. parahaemolyticus”. Este agente bacteriano é transmitido oralmente e coloniza o trato gastrointestinal e aí produz uma toxina que causa a destruição dos tecidos e disfunções no órgão digestivo do camarão, conhecido como hepatopânceras.
Comer camarões infectados com a EMS não afeta a saúde de humanos, disse Lightner, explicando que apenas algumas cepas de V. parahaemolyticus podem causar enfermidades gastrointestinais nos seres humanos através do consumo de camarões e ostras cruas ou pouco cozidas. Somente cepas que possuem dois genes específicos causam problemas em humanos e, dentre as cepas silvestres, somente 1,2% de V. parahaemolyticus contem esses dois genes. Segundo Lightner, a cepa identificada responsável pela EMS não figura entre elas.
Muitos países além da China, Malásia, Tailândia e Vietnã estão seriamente ameaçados. Qualquer país que cultive o P. monodon ou L. vannamei está sob risco em potencial, e aí se inclui a maior parte da Ásia, grande parte da América Latina e países africanos dedicados a esta atividade como Madagascar, Egito, Moçambique e Tanzânia. A propagação da enfermidade parece estar relacionada com a proximidade dos cultivos já infectados e com o transporte de camarão vivo infectado, que em geral são juvenis utilizados para repovoamento.
A equipe do Dr. Lightner, no entanto, não conseguiu reproduzir a EMS utilizando amostras de camarão congelado e depois descongelado, o que sugere que o congelamento mata a bactéria responsável. Dado que o comércio internacional de camarões se dá principalmente na forma de congelados, aparetentemente não existe ou é muito baixo o risco de transmissão da enfermidade por meio desses produtos.
Os pesquisadores da Universidade do Arizona estão agora desenvolvendo teste de diagnóstico rápido para a detecção da EMS que irá permitir a melhoria do manejo nas larviculturas e viveiros, além de colaborar com a obtenção de uma solução de longo termo para esta enfermidade. Esse teste também permitirá uma melhor avaliação dos riscos associados com a importação de camarões e outros produtos de países afetados com a Síndrome da Mortalidade Precoce.