O MOMENTO DO BRASIL
Felipe Suplicy, MSc Doutorando (CNPq) na University of Tasmania
Diretor da Fishtec Consultores Associados para a Região Sul do Brasil.
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A mitilicultura brasileira está pronta para amadurecer e, para que os resultados sociais alcançados até agora não sejam perdidos, uma nova e importante fase da atividade deve ser bem planejada. O mexilhão brasileiro foi apontado em 1996 pela FAO como uma das espécies mais promissoras da aqüicultura mundial, mas o crescimento do seu cultivo, na forma como é praticado hoje, tende a ficar estagnado se não apresentar bons índices de produtividade. O produto final deve ter qualidade, sua distribuição deve ser eficiente e é preciso desenvolver um forte marketing de vendas. A história de sucesso da mitilicultura na Nova Zelândia pode ser um bom exemplo para o Brasil. O mexilhão neozelandês, resultado da união de produtores, indústrias pesqueiras e demais elos da cadeia, é hoje uma referência mundial no que diz respeito aos rígidos padrões de qualidade exigidos pelos mercados americano e europeu. Pelas limitações que a pesca extrativista tem mostrado frente à crescente população mundial e sua demanda por pescado, o ingresso da indústria pesqueira não só na mitilicultura, mas na aqüicultura brasileira como um todo, é inevitável. Em breve esta indústria despertará para as vantagens naturais do nosso mexilhão cultivado e os lucros que isto pode significar. É preciso estar preparado.
As técnicas de cultivo de mexilhões empregadas atualmente no Brasil são relativamente rudimentares e remontam da época em que foram propostas, visando a introdução da atividade junto às comunidades de pescadores artesanais. Muitos pescadores passaram gradativamente a maricultores de tempo integral, reinvestindo e aumentando seus cultivos. Com o passar do tempo também adentraram neste tipo de empreendimento, profissionais liberais, principalmente biólogos, agrônomos e oceanógrafos, fazendo com que, aos poucos, esta atividade deixasse de ser vista apenas como uma alternativa para pescadores. Este ingresso também aumentou o profissionalismo na criação dos moluscos.
No que tange a rentabilidade deste agro-negócio, o cultivo de mexilhões difere do de ostras em alguns fatores. A ostra tem um valor mais elevado no mercado e necessita de menos mão-de-obra, porém, exige mais investimento em equipamentos e aquisição de sementes. A maioria dos profissionais liberais que ingressaram na maricultura iniciou suas atividades com a criação de ostras e têm conseguido manter micro empresas. A escala de produção destes empresários os colocaria numa posição intermediária entre um produtor artesanal e um produtor industrial. No cultivo de mexilhões esta escala de produção intermediária se torna inviável tendo em vista o baixo preço unitário do produto e a alta demanda de mão-de-obra nas etapas de colheita e semeadura.
Atualmente a atividade só é viável em Santa Catarina, pois vem utilizando o modelo de pequena produção rural, onde se emprega a mão-de-obra familiar e obtêm-se uma renda que reflete em melhoras no padrão de vida, mas que não permite maiores re-investimentos no negócio. A luta dos pequenos produtores para atingir algo mais do que uma complementação de sua renda é maior a medida que a renda da maricultura suplanta a da pesca. Muitos chegam a produzir, beneficiar, distribuir e comercializar seus produtos, atuando em todas as etapas da cadeia produtiva.
O salto de pequeno produtor para médio ou grande produtor é difícil, pois a melhor maneira de se reduzir os custos seria através da mecanização e aprimoramento das técnicas de cultivo, o que representaria investimentos significativos, que não seriam viáveis para os pequenos produtores num primeiro momento. Se estes investimentos fossem feitos por grupos de produtores reunidos em associações ou cooperativas, estas criariam novos entraves, pois com um maior volume de produto, seria necessário uma melhor estrutura de beneficiamento e logística de comercialização/distribuição. Onde venderiam este produto se o mercado nacional ainda está subdesenvolvido e necessitando de uma campanha de marketing de alcance internacional? Como distribuir rápida e eficazmente esta produção considerando as enormes distâncias do mercado doméstico e mundial? Como exportar e atender os padrões de qualidade do exigente mercado externo sem ter, ao menos, o monitoramento bacteriológico e toxicológico das áreas de cultivo?
Enquanto os produtores, organizados em associações ou não, não encontram soluções, os entraves vão, gradativamente, limitando a expansão da indústria. Um efeito claro causado pela limitação do mercado é a redução do preço pago ao produtor, que de R$ 1,50 – R$ 2,00/kg praticado no início da atividade, chega agora em 2001 a um valor de até R$ 0,40/kg de mexilhão fresco.
Apesar de já movimentar R$ 8,4 milhões apenas em Santa Catarina, o desenvolvimento do cultivo de mexilhões no Brasil é extremamente tímido frente ao potencial desta indústria e a cadeia produtiva possui diversos entraves que dificultam o aproveitamento total deste potencial.
Entre os principais entraves colocados em discussão no Primeiro Workshop Nacional da Plataforma do Agronegócio do Cultivo de Moluscos Bivalves, realizado neste ano em Florianópolis, estão: • Inexistência de estratégia de marketing visando estimular o consumo de moluscos no Brasil. • Necessidade de se implantar programas de monitoramento da qualidade bacteriológica das áreas de cultivo. • Falta de insumos e equipamentos (bóias, redes, máquinas e barcos) próprios para maricultura. • Produção de sementes em quantidade suficiente para suprir a demanda, tanto dos produtores existentes, quanto dos novos ingressantes na atividade. |
Estas considerações mostram os entraves que a mitilicultura nacional precisa ultrapassar. Na verdade a indústria pesqueira brasileira, bem como a de produção de insumos e equipamentos, ainda não despertaram para esta atividade reconhecendo-a como uma excelente opção de investimento. A grande maioria destas indústrias não está a par do desenvolvimento do setor fora do Brasil. Para ilustrar o potencial adormecido deste setor, basta observar os dados de produção dos maiores produtores internacionais como a Nova Zelândia, Holanda, Espanha e China ( Figura 1), e compará-los aos do Brasil (Figura 2).
O cultivo de mexilhões é uma realidade em diversos países e, em alguns deles, surgiu como uma excelente opção para a indústria pesqueira, antes dependente apenas da imprevisível captura. Vale lembrar que em nenhum destes países o mexilhão atinge o tamanho comercial em menos tempo do que no Brasil.
O exemplo da Nova Zelândia
Dentre os países que iniciaram a mitilicultura comercial mais recentemente (em menos de três décadas) merece destaque a Nova Zelândia. Diferentemente da Espanha, onde as tranqüilas “Rias” (baias) permitem o cultivo em balsas enormes, na Nova Zelândia são utilizados espinhéis de superfície, semelhantes aos empregados atualmente no Brasil. Pode-se se dizer que os neozelandeses adaptaram a mecanização das balsas espanholas para o cultivo em espinhéis.
Existe uma grande vantagem no fato de uma indústria estar num estágio inicial de seu desenvolvimento, que é a de poder planejá-lo. Os neozelandeses perceberam logo que não havia sentido em repetir os mesmos erros pelos quais as indústrias de mexilhões de outros países passaram, como a China, a Espanha e a Holanda. Ao contrário destes, que tiveram sua produção estável ou decrescente na última década, a indústria neozelandesa teve um crescimento constante. O mexilhão tornou-se o terceiro produto pesqueiro mais exportado pelo país. Em 1988, as exportações de mexilhão já geravam US$ 24 milhões (FOB), mas, em 2000, 90.000 toneladas de mexilhão geraram aos cofres neozelandeses US$ 170 milhões (FOB). Nos últimos 12 anos este aumento foi de 708% (Figura -4). Atualmente estão em produção neste país, 605 fazendas com uma área marinha totalizando mais de 2.850 hectares, cerca de 30 vezes maior que a área instalada no Brasil.
Pode-se notar pelas diferentes taxas de crescimento entre o volume e o valor das exportações no gráfico abaixo, que os neozelandeses sabem vender muito bem seu produto, que inclusive é encontrado em algumas lojas especializadas nas grandes cidades brasileiras. O segredo desta história de sucesso foi a união dos pequenos produtores, indústrias pesqueiras e demais elos da cadeia, para usar e apoiar a marca Greenshell® que identifica mundialmente o mexilhão de concha verde cultivado nas águas límpidas da Nova Zelândia.
A história do Greenshell®
Para alcançar estes resultados, os neozelandeses planejaram e estruturaram cuidadosamente sua cadeia produtiva. Em 1972, o “New Zealand Fishing Industry Board” iniciou um programa de pesquisa e desenvolvimento que durou nove anos. Este programa resultou numa tecnologia de cultivo mecanizado, conhecido como “sistema contínuo”. A indústria começou a florescer quando todos os produtores optaram por abandonar os velhos métodos de plantio e colheita manual e adotaram o novo método que reduziu o trabalho e aumentou a produtividade. Atualmente este país é tido como uma referência mundial por apresentar os maiores índices de produtividade praticados no cultivo de mexilhões.
A indústria neozelandesa passou, também, a fixar os padrões pelos quais se mede a eficiência e a produtividade. É importante salientar que eles não chegaram ao nível atual de mecanização sem o engajamento dos interessados no desenvolvimento desta indústria, mas, sim, através de um trabalho de diversas indústrias, instituições e indivíduos atuando em conjunto.
O sistema de cultivo tradicional
O avanço que a mudança do sistema tradicional para o sistema contínuo proporciona, pode ser compreendido quando observamos o trabalhoso processo de semear e colher que foram utilizados na Nova Zelândia no início da atividade e que ainda são empregados no Brasil. No sistema tradicional, os mexilhões pequenos são semeados dentro de uma rede tubular com a ajuda de um pedaço de cano de PVC. O tempo para se preparar uma corda de cultivo de 2 metros é de 3 a 5 minutos.
Na ocasião da colheita as cordas são despencadas e desgranados em mesas-peneiras com as mãos, no chão ou com a ajuda dos pés (Figura 4). O rendimento deste processo é de 200 a 300 kg de mexilhões/dia/homem.
O sistema de cultivo contínuo No sistema contínuo as cordas de cultivo, que no sistema manual não passam de dois metros, dão lugar a uma corda de 500 a 1000 metros de comprimento. Estas são penduradas no cabo principal do espinhel em alças de até 10 metros. O advento da mecanização leva a um melhor aproveitamento do local de cultivo, uma vez que permite utilizar melhor a coluna de água, ao invés de apenas sua porção superior. Quando é chegada a hora da colheita, o espinhel é colhido inteiro e de uma só vez, ao mesmo tempo em que os mexilhões pequenos são ressemeados (Figura 5).
O sistema de cultivo contínuo
No sistema contínuo as cordas de cultivo, que no sistema manual não passam de dois metros, dão lugar a uma corda de 500 a 1000 metros de comprimento. Estas são penduradas no cabo principal do espinhel em alças de até 10 metros. O advento da mecanização leva a um melhor aproveitamento do local de cultivo, uma vez que permite utilizar melhor a coluna de água, ao invés de apenas sua porção superior. Quando é chegada a hora da colheita, o espinhel é colhido inteiro e de uma só vez, ao mesmo tempo em que os mexilhões pequenos são ressemeados (Figura 5).
Ao invés de utilizar uma rede externa o sistema mecanizado semeia os mexilhões em volta de uma corda especial, envolta apenas por uma malha de algodão biodegradável. Desta forma, não existe o risco dos mexilhões não conseguirem sair da rede, já que assim que a malha de algodão se degradar eles já estarão fora da corda. A cada ½ metro de corda é introduzido um palito ou disco de plástico para impedir o despencamento dos blocos de mexilhões quando estes já estiverem próximos do tamanho de serem colhidos.
Também os espinhéis passaram por um aperfeiçoamento e bóias específicas para o setor foram desenvolvidas. A experiência e os conflitos resultantes da poluição visual guiaram este processo, resultando em robustas bóias pretas rotomoldadas com 344 kg de flutuação que são utilizadas em espinhéis duplos (Figura 8). Uma vez que estas bóias consistem a maior parte do investimento nos espinhéis, sua utilização é otimizada num sistema de rodízio. Quando recém semeadas, as cordas de cultivo exigem pouca flutuação e portanto, as bóias são acrescentadas ao espinhel à medida que os mexilhões vão crescendo e a corda vai ficando mais pesada. Os espinhéis são usados em pares, de forma que um deles sempre estará recém semeado e o outro em fase final de engorda.Durante o manejo, a corda é colhida na popa do barco onde é mecanicamente despencada tendo os grumos de mexilhões desgranados. Os mexilhões adultos são separados dos menores que já saem ressemeados pela proa (Figura 9). Este sistema mecanizado permite fazer em horas o trabalho que levaria pelo menos uma semana no método tradicional. A capacidade da máquina debulhadora é de 4.000 kg/hora e a semeadora produz 1 metro de corda de cultivo por segundo.
Os barcos de 23 pés com capacidade para 2-3 toneladas utilizados inicialmente na indústria mexilhoneira também passaram por aperfeiçoamentos e novos barcos foram projetados especificamente para colheita, alguns com capacidade para mais de 100 toneladas (Figura 9). Para manusear grandes volumes de mexilhões, a indústria emprega sacos especialmente projetados para carga que permite que os mexilhões que ficam na porção de baixo não sejam esmagados.
Os pequenos produtores e suas associações passaram a ser integrados à indústria e consultores imparciais foram contratados para avaliar os custos de produção, indicando um preço justo a ser pago ao produtor por tonelada produzida. Foi criada, ainda, uma nova opção para investidores na forma de “produtor ausente”, na qual qualquer pessoa interessada poderia ter uma fazenda que seria operada pela indústria, não precisando estar presente para gerenciar seu negócio.
Além da tecnologia de cultivo, o produto neozelandês é uma referência no que diz respeito à padrões de qualidade, atendendo as rígidas exigências do mercado americano e europeu. O foco no mercado externo foi apoiado numa campanha de marketing que criou a marca registrada Greenshell®, utilizada e promovida por toda a indústria nacional e que se refere à cor esverdeada das conchas do mexilhão local.
Um programa de monitoramento bacteriológico e toxicológico das áreas de cultivo foi implantado com base nas diretrizes do FDA americano e o custo deste programa foi repassado aos produtores na forma de taxas cobradas por hectare utilizado, juntamente com as taxas já pagas pela cessão da área no mar.
Assim como no Brasil, existem épocas mais propensas à desova do mexilhão, entretanto, estes podem desovar em qualquer época do ano. Por isto, amostras são analisadas antes de colher um espinhel para garantir que os mexilhões estão gordos e suculentos antes da colheita. Os operadores de máquinas de colheita são experientes neste julgamento e sempre informarão ao criador sobre a condição de seu cultivo. A indústria é extremamente cuidadosa para garantir que apenas mexilhões na sua melhor condição entrem na cadeia de processamento e cheguem ao mercado, seja este doméstico ou internacional.
Ao contrário dos principais produtores mundiais que vendem a maior parte de seu produto na forma enlatada (Figura 10 ), a indústria do Greenshell® apostou em outra forma de apresentação, que aderiu mais valor ao produto: o mexilhão congelado na meia concha. Mesmo tendo o meia concha como principal produto, a indústria aprendeu que o tamanho do mexilhão requerido varia de acordo com o mercado. Mercados diferentes exigem tamanhos específicos, ou formas diferentes de apresentação, ou ambos, e conseqüentemente, o tamanho é importante na decisão de colheita de uma área de engorda. Geralmente mexilhões destinados para o mercado de meia concha são colhidos antes dos destinados ao de carne desconchada individualmente congelada (IQF).
Os mexilhões Greenshell® são processados com a mais alta tecnologia disponível atualmente, em plantas que operam dentro de exigentes padrões de controle de higiene e qualidade. As normas que regem o processamento foram fixadas por órgãos fiscalizadores governamentais neozelandeses baseados nos padrões internacionais para processamento de alimentos. Inspetores do governo realizam vistorias periódicas e cada planta processadora possui seu próprio programa de controle de qualidade.
Os mexilhões são processados nas mais diversas formas e independentemente do produto final a passagem pela linha de processamento é muito rápida. Todo o processo leva pouco mais do que trinta minutos da chegada do produto à planta, até a embalagem. Dependendo do mercado os mexilhões são processados em ½ concha, desconchado, fresco com concha, congelado com concha ou carne individualmente congelada (IQF). Todas as plantas usam sistema de congelamento extremamente rápido e a maioria dispõe também de pesagem e embalagem automatizada.
A venda de mexilhões meia concha representa mais de 70% das exportações da Nova Zelândia, posicionando o país como o maior exportador de mexilhões desta forma. Atualmente o mexilhão neozelandês é exportado para 55 países em todos os continentes. O EUA é o principal mercado do Greenshell® e as exportações para este país têm crescido 15% ao ano.
A virada da indústria brasileira
Na forma como é praticada hoje no Brasil, a mitilicultura continuará crescendo um pouco mais, entretanto, devido aos vários entraves existentes em todas as etapas da cadeia produtiva, cedo ou tarde, haverá um ponto em que a atividade ficará estagnada por não apresentar bons índices de produtividade e qualidade do produto final ou por não ter desenvolvido esquemas eficientes de distribuição e marketing. A origem simples e o baixo grau de instrução da grande maioria dos produtores torna extremamente difícil o equacionamento e resolução de todos estes entraves.
Um exemplo prático do que foi dito são as unidades de beneficiamento que foram doadas às associações catarinenses pelo governo brasileiro. Das quatro unidades construídas, apenas uma tem conseguido operar com sucesso. As outras três têm operado ocasionalmente devido a problemas como falta de capacidade gerencial-administrativa, desunião entre membros de uma mesma associação e opiniões divergentes sobre se os produtores devem ou não terceirizar serviços na planta processadora.
Na unidade que está em atividade, a única forma de apresentação dos mexilhões é a desconchada resfriada com prazo de validade de uma semana e não existe um esquema de distribuição e marketing do produto. Em muitos locais que não foram contemplados com unidades de beneficiamento os produtores ainda desconcham mexilhões em seus ranchos de pesca e vendem seu produto localmente.
O ingresso da indústria pesqueira não só na mitilicultura, mas na aqüicultura como um todo, é inevitável, até mesmo pelas limitações que a pesca extrativista tem mostrado frente à crescente população mundial e sua demanda por pescado. O que acontece é que na maioria das vezes o setor não está ciente desta oportunidade e nem do que ela representa em outros países. Trata-se, apenas, de uma questão de tempo para que a indústria desperte e comece a estudar com mais interesse as vantagens naturais do nosso mexilhão e os lucros que isto pode significar. Cabe lembrar que o mexilhão brasileiro foi apontado em 1996 pela FAO como uma das espécies mais promissoras da aqüicultura mundial.
O importante é que esta nova fase da mitilicultura brasileira seja bem planejada e articulada entre as instituições gestoras, os produtores e suas associações e as indústrias que ingressarão, para que os resultados sociais alcançados até aqui não sejam perdidos.
Com certeza, haverá sempre relutância de alguns, até porque isto faz parte da natureza humana, mas na aqüicultura mais do que em qualquer outro agribusiness, a máxima que diz que o que aprendemos ontem provavelmente irá mudar amanhã, tem muito de verdade, até mesmo devido ao seu surgimento relativamente recente como atividade industrial. Isto significa que devemos aceitar as mudanças ao invés de brigar contra elas uma vez que elas são parte da indústria. Foram muitos os casos na história humana em que a exploração de novas formas de incremento da produção foi recebida com uma oposição generalizada.
Para aumentarmos nossa eficiência teremos que mecanizar a produção e isto pode custar alguns empregos, entretanto, um número dez vezes maior de empregos será gerado em outras etapas.
O pequeno produtor também poderá aumentar seus lucros se ele se integrar a um grupo maior e se concentrar apenas em dar manutenção nos espinhéis durante a engorda e assim poderá produzir duas ou três vezes mais. Quando o mexilhão estiver no tamanho de colheita, a indústria ou uma empresa especializada em plantio e colheita (esta terceirização é um nicho que floresce na Nova Zelândia) é chamada e em uma tarde colhe toda a produção e já a semeia para um novo ciclo. Com o aumento do número de espinhéis instalados, os trabalhadores que antes estavam na semeadura e colheita poderiam ser realocados para dar manutenção nas estruturas, diluindo o custo da mão-de-obra em um volume maior de produção.
Um ponto importante que precisa ser inteiramente compreendido é que esta mudança para a mecanização significa abandonar métodos e equipamentos antes utilizados e recomeçar, sem vícios. É preciso estar alerta para o fato de que uma adaptação parcial pode fracassar. Uma integração parcial já se mostrou ineficaz nos EUA. A utilização do sistema contínuo só é boa se tivermos todo o equipamento adequado para instalá-lo e operá-lo. Apesar disto, esta transição será difícil para o pequeno produtor brasileiro e, por isto, é recomendável que utilizemos equipamentos em módulos de forma que os produtores possam optar por dar um passo de cada vez neste processo.
O setor necessita de indústrias brasileiras que se interessem em investir neste novo ramo de negócios e que passem a produzir equipamentos e insumos (barcos, máquinas, cabos especiais, etc). Muitas indústrias do setor têxtil, plástico e metal mecânica, já dispõe de grande parte do maquinário necessário, portanto, os investimentos para eventuais adaptações visando um produto específico não seriam muitos elevados. O ideal seria que a indústria pesqueira, de equipamentos e de insumos entrassem juntas na atividade.
Insumos básicos como bóias e cordas especiais são indispensáveis e a indústria não poderá depender constantemente de importações. No Brasil todos os cultivos utilizam galões plásticos reciclados como flutuadores. Estas bóias foram vantajosas no período inicial da atividade em vista do perfil do produto, de suas limitações para investimento e por falta de opções no mercado, entretanto, estas bóias não possuem os requisitos necessários em um equipamento de aqüicultura numa escala industrial. Equipamentos próprios para maricultura podem custar mais caro, mas pagam muitas vezes seu valor na redução da mão de obra e aumento da produtividade, além de garantir a segurança das instalações. Apesar de serem baratos, alguns galões plásticos tem baixa resistência à água salgada e ação dos raios solares e acabam por rachar com o tempo. Um outro aspecto é que por não ser projetada para este fim, as bóias presas com cabos ou capas de rede à corda principal do espinhel, acabam se soltando com o tempo, aumentando consideravelmente a manutenção e os riscos de perdas. Além disso, devido à enorme variedade de cores e formas, a poluição visual é enorme e muitas vezes o aspecto de um cultivo no mar leva-nos a perguntar se um caminhão de lixo reciclado não teria descarregado ali. A poluição visual foi responsável por grande parte dos conflitos de uso do mar no desenvolvimento da indústria de moluscos de outros países.
Aumentar a produção é uma meta, mas ainda não é o objetivo. Como já foi falado, o objetivo deste aquanegócio é o lucro e, para atingi-lo, precisaremos também de qualidade. Nesta indústria, assim como em muitas outras, quantidade e qualidade somadas é que geram lucros. É necessário que observemos continuamente as mudanças que estão acontecendo no mercado externo e entendamos como o futuro irá afetar a indústria. Até mesmo se os produtores quiserem vender apenas no mercado interno terão que se adaptar, ou algum outro país que atingiu os objetivos de quantidade e qualidade irá invadir esse mercado.
Qualidade é um atributo que pode ter várias definições dependendo de como ou quem a está observando. O desejo dos consumidores finais é que deve guiar esta decisão sobre o que é qualidade e o produtor precisa compreender isto se pretende trocar seu produto pelo dinheiro deles.
No caso de moluscos bivalves, a qualidade desejada é invariavelmente obtida através do atendimento das quatro premissas básicas listadas na pirâmide abaixo (Figura 11). Como pode ser observado, a certificação sanitária das áreas de cultivo é a base da pirâmide de qualidade e a não observância deste requisito seria um erro primário. Moluscos podem ter uma excelente campanha de marketing, embalagens atrativas e cheias de informações para o consumidor; apresentação apropriada para a preferência do mercado alvo; com HACCP, ISO 9000 e outras certificações, mas se não tiver sua qualidade bacteriológica assegurada, este produto não sairá nem da planta processadora. Começar a pensar em qualidade seguindo a ordem inversa desta pirâmide, seria o mesmo que fazer o terceiro andar de uma casa antes mesmo de terminar suas fundações.
A certificação das áreas de cultivo depende de um programa de monitoramento que ainda está por ser implantado no Brasil. Tal monitoramento deveria ser apenas uma das responsabilidades previstas em um sonhado “Programa Nacional de Qualidade dos Moluscos Bivalves” cuja função seria também de: ditar padrões aceitáveis para o consumo, aprovar e fiscalizar plantas processadoras e depuradoras, estabelecer normas para o transporte interestadual e internacional, cadastrar produtores e distribuidores, manter registros de cada lote de moluscos colhido, divulgar boletins periódicos sobre os programas de monitoramento, assessorar a indústria em programas voltados para exportação, treinar inspetores e agentes, além de outros aspectos que estejam direta ou indiretamente relacionados com a qualidade bacteriológica e toxicológica dos moluscos cultivados.
Um programa desta envergadura exigirá o envolvimento de diversos ministérios como o da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde e toda uma legislação própria para dar suporte ao programa e a indústria precisará ser criada. A legislação atual pertinente ao assunto é incompleta e não abrange diversos fatores inerentes à atividade. Além disso, a legislação existente não é cumprida podendo-se assumir que esta é a situação em todos os estados brasileiros.
O setor necessita de um órgão regulador com autoridade legitimada por lei, e que possa regularizar e supervisionar a origem, o transporte, etiquetagem, armazenamento, depuração, desconche, embalagem e reembalagem de moluscos. Esta autoridade deve ter o poder de certificar e descertificar atravessadores interestaduais, conduzir exames laboratoriais de moluscos e águas de cultivo, prevenir a venda de moluscos insalubres ou não certificados por meio de detenção, multa, embargo e destruição do produto, bem como de suspender certificados para comércio interestadual em casos de emergência e perigo à saúde pública.
Novamente a vantagem de começar depois dos outros está a nosso favor e exemplos de legislações, agências de controle e programas de monitoramento podem ser buscados. É imperativo que esta ação seja iniciada o quanto antes, até mesmo antes de qualquer investimento na instalação de novos laboratórios de larvicultura, desenvolvimento de novas tecnologias de cultivo e processamento ou planos de marketing. A revisão e criação de uma nova legislação é um processo extremamente lento e a implantação de acordos internacionais para o comércio de moluscos também é um processo demorado. Se não for iniciada nenhuma ação neste sentido, muito em breve certamente nos depararemos com enormes quantidades de moluscos no mar que não poderão ser colhidos por falta de um programa de qualidade que nos permita suprir a demanda dos grandes mercados internacionais.
Somente depois de atendidos os padrões de qualidade é que será necessário realmente abordar o fator quantidade. Grandes mercados podem ser perdidos se não for atingido o volume necessário para mantê-los. Atacadistas de frutos do mar precisam de volume para fazer dinheiro. Se a indústria não puder atingir este volume, eles não poderão se esforçar em promover nosso produto, por mais qualidade que ele possa ter.
Para finalizar, frisaria que o cultivo de mexilhões no Brasil só tem uma saída: crescer. A entrada da indústria do setor pesqueiro na atividade é a melhor forma de impulsionar este crescimento que, por sua vez, permitirá que programas objetivando melhoras na produtividade, qualidade e aumento de volume possam ser implantados, beneficiando todos que já estão atuando na cadeia produtiva e que se mantiverem em sintonia com seu avanço. Como nenhum vento é bom para um barco que não sabe para onde quer ir, a organização dos diversos atores da cadeia produtiva para definição e busca de um objetivo comum é fundamental para que um dia também possamos ter nosso Brownshell®.