Não sei se tem a ver com o fato do meu avô materno ter sido pescador, e ter tido outros pescadores na família, mas sempre achei que era furado aquele papo de que nunca faltariam peixes no mar e nos rios. Na minha lógica de adolescente já sabia, de alguma forma, que aquela equação ambiental não ia acabar bem. E não deu outra. Ainda no início da minha vida universitária, quando esse assunto me chamava cada vez mais a atenção, tive a oportunidade de presenciar as tentativas frustradas dos pesquisadores do PDP (Programa de Desenvolvimento Pesqueiro da SUDEPE/FAO), para estabelecerem os acordos para os primeiros defesos da sardinha e do camarão. Era de dar raiva a miopia do setor pesqueiro! Naquela época o único acordo que era possível com os armadores se restringia a uma parada da frota no final de ano, entre o Natal e o Ano Novo, uma espécie de defeso de meia tigela, regado a vinho, castanhas e bacalhau portugueses. Por essas e outras é que ficava cada vez mais claro pra mim que o cultivo era o caminho. A única coisa chata era ter que explicar aos familiares e amigos o significado da palavra aquicultura, fato que tive que me acostumar, já que ainda faço isso até hoje.
Ainda universitário, na década de 70, quase toda a literatura sobre cultivos vinha de fora, o que me motivou a aproveitar umas férias de final de ano, para fazer um estágio num laboratório que era a referência no cultivo de camarões, localizado na beira do Golfo do México, na cidade de Galveston, no Texas. Lá trabalhava o Cornelius “Corny” Mock, “o cara”, responsável, na época, pelos mais importantes artigos sobre desenvolvimento ovariano, desova e larvicultura do Penaeus aztecus, e sua parceira nas pesquisas, a Dra. Zoula Zein-Eldin, uma simpática senhora, que sabia tudo, ou quase tudo, da fisiologia desses bichos. O céu era lá: pesquisa, recursos, visão do futuro…
Aqui no Brasil, não se tinha muitas pesquisas sobre o cultivo aquático. Nessa época, quando a maturação do camarão em laboratório só existia quando a gente resolvia brincar de ficção científica, a Companhia de Cigarros Souza Cruz investiu numa instalação experimental para produção de pós-larvas, pequena e eficiente, e ainda na compra de um barco de pesca (o cigarro era muito lucrativo naquela época), somente para capturar as fêmeas ovadas para rodar o laboratório. Muitas pós-larvas foram produzidas naqueles dias, sem que existissem estruturas de engorda, ração, e tantas outras coisas indispensáveis para o cotidiano de um cultivo. A Souza Cruz, é claro, cansou de brincar e saiu do negócio.
Bem, essa história toda é pra dizer que há 35 anos, quando os estoques silvestres davam sinais de que estavam declinando, fui testemunha de que era praticamente impossível falar em preservação com o setor pesqueiro. Uma época onde os argumentos técnicos entravam por um ouvido e saiam pelo outro, e não sei até que ponto isso mudou hoje em dia. Não me cabe aqui comentar o que aconteceu com a pesca de lá pra cá. Mas com relação à aquicultura, muita coisa foi feita, e posso dizer que tive o enorme prazer de acompanhar bem de pertinho essa espetacular transformação. Entre esses prazeres, o de ter acompanhado a trajetória da Aquatec, uma empresa que dá orgulho a todos que estão envolvidos com a aquicultura brasileira, por tudo que construiu, pelo altíssimo padrão de qualidade com que sempre fez questão de impor às suas pós-larvas, pelos investimentos que nunca deixou de fazer para que isso acontecesse, tudo isso sob a batuta precisa da Ana Carolina Guerrelhas, a quem, de público quero parabenizar pelos 20 anos à frente desse belo empreendimento. À Ana, Werner e Maria Claudia, o meu grande abraço.
A todos uma boa leitura.
Jomar Carvalho Filho
Biólogo e Editor