Editorial – Edição 149

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Nos últimos anos a vida não tem sido muito fácil para os moradores de Jaguaribara, pequeno município cearense do vale do Jaguaribe.

Em 2003, não tiveram outra escolha a não ser recolher os pertences, abandonar suas casas, quintais, os cenários da infância, roçados e árvores, e mudar com o que sobrou na bagagem, para uma cidade novinha em folha, recém nascida de uma prancheta, e que, não por coincidência, também foi batizada de Jaguaribara. A Nova Jaguaribara, surgiu às margens do açude que, para ser construído, inundou ruas, igrejas e o cotidiano da velha Jaguaribara. Mesmo sendo do tamanho do mundo, como dizem, o açude do Castanhão, precisou de apenas 40 dias para ser enchido. Além de controlar as cheias do rio Jaguaribe, foi concebido para criar oportunidades, gerar riqueza, trabalho e muita vida com uma fartura de água nunca vista que atende a 3,5 milhões de pessoas.

Não demorou muito para que os moradores enxergassem na piscicultura a verdadeira vocação da Nova Jaguaribara. O cenário do Castanhão não poderia ser melhor para a produção de tilápias, não tardando para que os primeiros tanques-rede surgissem, e logo se multiplicassem, tanto em Jaguaribara como nos municípios vizinhos de Jaguaribe, Jaguaretama e Alto Santo. Fornecedores de insumos e especialistas voltaram suas atenções para o espelho do açude, atraídos pela vitalidade dos cultivos. O sucesso dos empreendimentos se repetiram por anos seguidos e em 2014, eram contabilizados 3 mil empregos diretos e 2 mil indiretos, gerados para os moradores da região, em um resultado comemorado com as 18 mil toneladas de tilápia produzidas. O burburinho dos trabalhadores do peixe deu vida ao comércio e as ruas de Jaguaribara se acostumaram a conviver com veículos transportando alevinos, rações, peixes e com o vai e vem dos aquicultores na lida diária dos tanques-rede. A nostalgia da velha Jaguaribara foi carinhosamente guardada nas gavetas e nos corações, que voltaram a pulsar movidos pela alegria do trabalho e dos seus frutos.

Mas a estiagem prolongada dos últimos anos, enfim trouxe com ela uma conta cara e amarga a ser paga. Na madrugada de 15 de junho, com apenas 19% da sua capacidade e, consequentemente, com a qualidade da água já comprometida, apareceram os primeiros peixes mortos. Era só o início do que seria a maior mortalidade de peixes cultivados da história da aquicultura brasileira. As causas exatas ainda estão sendo apuradas, mas até o momento que escrevo, já se falam em perdas de pelo menos 3.600 toneladas, ou praticamente todo o peixe que estava sendo engordado.

Da noite para o dia o chão fugiu debaixo dos pés desse grande exército de trabalhadores. O burburinho que outrora preenchia o ar de vida, deu lugar a um forte odor de peixe em decomposição. Há quem diga que a cidade quebrou. O olhar descontraído e alegre das brincadeiras hoje se perde no nada – todos atônitos sem que consigam entender como tamanha tragédia pode ter acontecido. Sem terem mais de onde tirar recursos, os produtores ainda tiveram que pagar caro por horas de máquinas para a remoção e transporte dessa quase inimaginável quantidade de peixes mortos dentro de todas as gaiolas. Os prejuízos devem beirar os R$ 30 milhões.

Sem seguro aquícola, bancos e fornecedores terão que ter paciência até que alguma solução seja equacionada. Tanta tristeza e sofrimento têm que servir para algum aprendizado, para que possam renascer desse pesadelo. É muito cedo para tirar conclusões desse triste episódio. De certo é que a vida retornará ao seu ritmo normal e muitos, senão todos os tanques-rede, em algum momento, voltarão a produção. Por enquanto, todo cuidado é pouco.

O piscicultor de nova Jaguaribara não está sozinho em sua luta. Estamos todos torcendo para que todas as suas reivindicações junto aos Governos Federal e Estadual sejam ouvidas. O suporte das políticas públicas pode motivar esses piscicultores a superar suas dificuldades e prejuízos. Está aí mais um Plano Safra, com mais uma parte do bolo de crédito que bancos e instituições financeiras devem colocar à disposição de quem precisa, sem burocratização. Atividades zootécnicas estão sujeitas a todo tipo de intempéries, e para que possam minimizar prejuízos é preciso, além de crédito, ter acesso fácil também à tecnologia, aos resultados das pesquisas das universidades e a um bom programa de extensão aquícola.

Nesse sentido, trazemos nessa edição artigos que tratam de tecnologias e inovações, como, por exemplo, as desenvolvidas para a malacocultura catarinense, onde o Laboratório de Moluscos Marinhos (LMM/UFSC) tem um papel importante na cadeia dos moluscos bivalves, garantindo a sustentabilidade da atividade. Trazemos também o relato da experiência dos fazendeiros do Alabama que passaram a produzir tilápias e camarão em antigas áreas de produção de catfish, uma reviravolta tecnológica na indústria desse peixe. Em nossas páginas ainda informações técnicas sobre o cultivo de lambaris que podem viabilizar esta atividade promissora, e muito, muito mais.

Daqui, torço por cada um dos produtores, para que superem, que não desistam, que saibam interpretar corretamente tudo o que aconteceu, para que possam tirar lições que os façam ser ainda melhores no que fazem.

A todos, boa leitura,

Jomar Carvalho Filho
Biólogo e Editor