“Um ano após sua estreia na Bolsa de Valores (B3), a Brasil Aqua, gigante brasileira do aquanegócios, com faturamento de R$ 5,5 bilhões em 2020, aguarda para os próximos dias o resultado da auditoria independente que definirá seu atual Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3). Esse índice, criado pela B3 há mais de uma década, mostra o grau de adequação das empresas de capital aberto às agendas ambiental, social e de boa governança corporativa (ESG). Investidores e gestores de fundos seguem dando preferência aos papeis das empresas que possuem os mais altos ISE B3. A meta da Brasil Aqua para 2030 é despescar 4,2 milhões de toneladas, um volume 6,6 vezes maior que a sua produção atual, para atender ao consumo de 20,5 quilos per capita de pescado. Para isso, a empresa espera atrair recursos para aplicar em pesquisa, aperfeiçoamento e expansão dos seus atuais processos sustentáveis de produção. A Brasil Aqua também planeja aumentar sua presença no varejo de pescado dos EUA, UE e alguns países asiáticos, mercados que já abriram portas aos seus produtos graças às boas práticas de ESG.”
ara quem desconfiou, confirmo aqui que a Brasil Aqua é uma empresa fictícia que acebei de criar. A notícia acima mistura ficção com boas doses de verdade, para que possamos refletir sobre os rumos do nosso setor. Quando citei um faturamento anual de 5,5 bilhões, usei o mesmo valor apurado pelo IBGE para toda a aquicultura brasileira em 2020. Portanto, o tamanho dessa empresa inventada é o mesmo do atual setor aquícola brasileiro, e como ela, nosso país vai precisar multiplicar por 6,6 a sua produção aquícola para que em 2030 possamos consumir dentro da média mundial, apurada pela FAO em 2018.
É real também o foco das grandes empresas, principalmente as de capital aberto, nas práticas ESG, um dos fenômenos mais desafiadores do nosso tempo. ESG vem da sigla em inglês para “Environmental, Social and Governance”, ou “Ambiental, Social e Governança”. Quando uma empresa é reconhecida por suas ações de ESG, na prática significa que, no âmbito ambiental, adota processos que combatem a depreciação do clima e do meio ambiente. No social, leva em conta ações de promoção da diversidade, dos direitos humanos e de proteção ao consumidor. E sobre a governança, a análise passa pela salvaguarda dos direitos dos acionistas, prevenção de práticas ilegais como fraude e suborno (compliance), práticas contábeis transparentes, etc. Sob essas três letras está se organizando uma nova e desafiadora economia e não teremos como fugir disso, diz o especialista em ESG e presidente do Conselho da Endeavor, Fábio Barbosa. As empresas que hoje praticam o greenwashing, ou seja, fazem propagandas e campanhas ecologicamente corretas sem aplicar os conceitos na gestão, estão sendo as primeiras a serem “canceladas” pelos investidores.
Barbosa, lembra que estão chegando simultaneamente ao mercado consumidor e ao comando das empresas, integrantes de uma geração que como o gaulês Asterix, caiu no caldeirão de ESG e não se conforma em viver num mundo igual ao construído por seus pais. O jornal inglês Financial Times calculou que a geração ESG controlará uma economia de US$ 30 trilhões até o fim desta década. Uma geração que aprendeu na escola a não desperdiçar água, separar o lixo, questionar a origem dos alimentos que consome e a dar valor a coisas que até então não eram valorizadas, como árvores em pé, por exemplo. Uma empresa do porte da fictícia Brasil Aqua, certamente estaria dando ouvidos ao que dizem esses novos futuros consumidores.
Diante disso, vale questionar qual é a aquicultura que queremos para o final desta década. Seremos capazes de crescer de modo a atender nossas necessidades por proteína de boa qualidade? Nosso pescado será proveniente de operações que irão satisfazer a uma nova e exigente geração de consumidores? As pesquisas em aquicultura no país estão em consonância com o futuro que desejamos? Quais serão os sistemas produtivos capazes de assegurar o abastecimento de pescado, mesmo em meio a crises hídricas decorrentes das evidentes mudanças climáticas? Que mudanças serão necessárias para reduzir o impacto ambiental dos atuais sistemas de produção? Quando teremos rações que entregam conversões abaixo, ou até bem abaixo, de 1? São muitas as perguntas se queremos de verdade dobrar nosso consumo per capita de pescado até o final desta década, sem depender de outros países.
Acredito que rever os passos dados pela tilapicultura nos últimos 30 anos e que nos levaram a ser o quarto produtor mundial desse peixe, é uma forma de apurar nosso olhar para mirar com mais clareza o futuro que está a apenas 8 anos diante de nós. Nessa edição Fernando Kubitza registra as evoluções tecnológicas que ocorreram na tilapicultura brasileira ao longo desse período, e traz à tona os desafios que o setor ainda precisa enfrentar. A coluna Sanidade Aquícola nos atualiza sobre a presença do vírus ISKNV na tilapicultura, e também são apresentados os dados da produção aquícola de 2020 apurados pelo IBGE, além de muitos outros temas de grande interesse do setor.
A todos uma boa leitura!
Jomar Carvalho Filho
Biólogo e Editor