Tempos atrás um produtor de camarão declarou nas páginas da Panorama da Aqüicultura, que não tinha dúvidas quanto a chegada do vírus da mancha branca (WSSV) ao Brasil. Disse ainda, que isso era apenas uma questão de tempo e que a sua única dúvida, era “quando” iria acontecer e qual a extensão do estrago que a doença causaria. Para muitos isso soou como uma urucubaca, e teve até gente correndo pra bater três vezes na madeira. Afinal, Deus é brasileiro, e basta “virar essa boca pra lá” pra que nada nos atinja.
Mesmo que tenha sido de alguma forma anunciada (e não era preciso ter bola de cristal para isso), a surpresa da chegada do WSSV foi enorme, igual a que teria sido se o Brasil fosse o primeiro país a ser atacado inesperadamente por essa praga. Nem o setor público (MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), nem o setor produtivo, mostraram qualquer preparo para lidar com a nova situação. Nem mesmo as severas pancadas sofridas recentemente com as expressivas perdas decorrentes da presença do vírus da mionecrose infecciosa (IMNV), foram capazes de gerar discussões frutíferas para que produtores e autoridades sanitárias brasileiras pudessem lidar de frente com as inevitáveis enfermidades que a carcinicultura mundial convive. Mas, para muitos, só vale colocar cadeado depois do ladrão entrar…
Ainda é muito difícil prever o impacto do vírus e impossível quantificar os produtores que ficarão pelo meio do caminho. A única coisa certa é que o setor sobreviverá caso o vírus se espalhe Brasil afora, pois foi assim também nos mais de 20 países onde a mancha branca se instalou.
Quase dois meses após o anúncio oficial da presença do WSSV no país, poucas foram as medidas tomadas para avaliar a extensão do problema. Pelo andar da carruagem, importantes perguntas, entre elas, se o vírus já estava entre nós, ou se teria sido introduzido, ainda levarão muito tempo para que sejam respondidas.
A atuação dos órgãos públicos, no caso da mancha branca, tem sido desastrosa. É total o despreparo do MAPA para lidar com as enfermidades relacionadas aos cultivos aquáticos. Como a “Síndrome da Mancha Branca” é uma doença de notificação obrigatória ao OIE – Escritório Internacional de Epizootias, o MAPA está sendo obrigado a atuar através da sua Secretaria de Defesa Agropecuária, entretanto, nenhuma eficiência foi vista até agora.
Alarmada, a grande imprensa anunciava, duas semanas após a confirmação do vírus, barreiras sanitárias impedindo que todos os pescados da aqüicultura catarinense fossem transportados para fora do estado, como se os piscicultores do Alto Vale do Itajaí tivessem algo a ver com o infortúnio dos carcinicultores do município de Laguna. Por sorte, alguém com juízo foi ouvido e a desastrosa barreira sanitária revogada 24 horas depois deixando, obviamente, estragos na imagem dos peixes e moluscos criados no estado.
Para completar a trapalhada, as análises virais para serem reconhecidas oficialmente, somente podem ser feitas em um dos três LARAs – Laboratórios Regionais de Apoio Animal do Ministério da Agricultura existentes no Brasil, ou em algum eventual laboratório credenciado pelo Ministério. Até o fechamento desta edição, os resultados das análises das amostras de larvas coletadas, ainda em janeiro, nos laboratórios catarinenses de larvicultura, bem como de camarões moribundos de várias fazendas interditadas, ainda não haviam sido liberados pelo LARA de Porto Alegre, RS. Urgência é algo que dá a entender que não existe.
Outro fato curioso é que a notificação oficial obrigatória ao OIE, feita pelo MAPA, foi baseada em amostras analisadas no exterior, que não foram, até o momento, validadas em seus laboratórios. E mais: vale lembrar aqui, que a comercialização dos camarões da região afetada foi, em 28 de fevereiro, liberada para todos os estados brasileiros. Assim, espalhar o vírus da casa pode. Só não podem os vírus vindos do exterior, já que as fronteiras estão fechadas. É isso mesmo?
Esses exemplos dão a dimensão da falta de suporte que a aqüicultura, e neste caso específico a carcinicultura, padecem no Brasil. Mas, apesar de ter sido sempre assim, esses fatos recentes mostram que é necessário muito mais para dar suporte a uma atividade produtiva já responsável por cerca de 30% de todo o pescado produzido no Brasil.
Nesta edição o leitor vai encontrar, além da abordagem dos temas ligados ao WSSV, ótimas matérias sobre a produção de híbridos de tilápia, de cultivo de mexilhões offshore, uso de plantas aquáticas na aqüicultura, piscicultura ornamental, qualidade de produtos de pescado e muito mais.
A todos uma boa leitura,
Jomar Carvalho Filho
Biólogo e Editor