Em terra de arroba quem tem peixe morre na praia

Por: Christiano Lobo*

Não é novidade que possuímos uma das maiores reservas de recursos naturais do mundo. Mas a notícia que certamente é nova para muitos é que somos insignificantes no comércio mundial de pescados. Participamos com apenas 0,69% das trocas globais de produtos de pescados, que atingem anualmente aproximadamente 130 bilhões de dólares, contra, por exemplo, 50 bilhões de dólares da carne bovina. Diante desse quadro, o Brasil dá as costas para essa fonte alimentar de riqueza mundial.

Com políticas públicas bem-sucedidas e estímulos centenários voltados para o incremento da produção e consumo de produtos cárneos (aves/bovinos/suínos), o brasileiro consome hoje apenas 11Kg de pescados por ano.

Em comparação a países que adotam essa fonte de proteína como base para uma alimentação saudável e fonte de geração de emprego e renda, o Brasil se coloca diante de mais um enorme desafio e incontestes oportunidades.

Para que se tenha como paralelo, na França o consumo per capta atinge cerca de 35Kg e no Japão ultrapassa os 70Kg por habitante. A pergunta que inevitavelmente nos fazemos é o porquê de tamanha inexpressividade e desatenção com essa riqueza socioeconômica e ambiental.

Talvez a resposta possa ser encontrada em uma frase popular que diz que para quem tem martelo tudo é prego, ou seja, damos as costas para esse setor pelo simples fato de irmos bem em outros, anulando um potencial incrível e desperdiçando oportunidades que poderiam produzir enormes ganhos sociais e econômicos.

Chegou a hora de gestores públicos, do novo presidente da República, ministros e técnicos enxergarem nos pescados uma fonte de alimentação saudável para os brasileiros e, principalmente, de riqueza para a nação.

Devemos questionar a exclusão do setor na pauta de prioridades do Ministério da Agricultura e nos perguntar até quando atuaremos com políticas públicas unidimensionais que fortalecem os fortes e enfraquecem os fracos. Novamente citando a França, em recente mudança de conceito, o nome da pasta de agricultura do governo francês passou a se chamar Agrimer para abarcar os produtos da agricultura e do mar. Nos últimos anos, o Brasil e, evidentemente, o setor de pescados assistiu a uma disputa de cabo de guerra política por aqueles que se julgavam capazes de gerir a secretaria que cuida em âmbito federal da aquicultura e pesca.

O Partido Progressista (PP), do atual Ministro Blairo Maggi, disputou intensamente com o Partido Republicano do Brasil (PRB) pelo comando do órgão. Se houve vencedor não podemos dizer, mas, certamente, quem perdeu foi o setor de pescados brasileiro e a nação, que, mais uma vez, assistiu à politização interferir em um setor que deveria ser questão de soberania nacional pela capacidade contributiva para segurança alimentar da população brasileira e pela capacidade de auxiliar a Marinha do Brasil na guarda de nossas águas jurisdicionais.

Sobre o Brasil de 2019, muito se especula sobre a nova estrutura do Governo Federal diante da Presidência de Jair Bolsonaro. Para o setor de pescados, que hoje está sediado na Presidência da República, o retorno ao novo Ministério do Agronegócio, se assim a Pasta for redesenhada, é mais do que salutar, é esperado por todos. Entretanto, deve o novo gestor encrustar em seu DNA do agro o setor de pescados com sua crescente aquicultura e captura, e sua importantíssima indústria de processamento. Não podemos ser incorporados para, como outrora, sermos tratados como filhos bastardos do agronegócio brasileiro, mas devemos ser encapados para sermos, sim, a esperança de mais empregos e mais riqueza para toda nação.

E ainda sobre a França, infelizmente, estamos longe da realidade que lá se encontra, de gestores que reconhecem as potencialidades e contribuições do setor de pescados. A bem da verdade, estamos há quase um ano impedidos de exportar produtos de pescados para aquele país, assim como para os outros 27 Estados-membros da União Europeia. Por essas e outras fica fácil de concluir que em terra de arroba quem tem peixe morre na praia, e assim, o Brasil se consolida como um dos maiores exportadores de produtos cárneos do mundo e um dos menores de pescados.

*Christiano Lobo, diretor para Assuntos Governamentais da Associação Brasileira da Indústria de Pescados (Abipesca)

Fonte: Estadão