O oceanógrafo André Macedo Brügger acaba de assumir a Coordenadoria de Aqüicultura do recém criado Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura. Para tal, o niteroiense de 29 anos com mestrado em aqüicultura pela UFSC, deixou suas funções junto a Fishtec Consultores Associados apostando na possibilidade de alavancar a aqüicultura nacional através das parcerias bem sucedidas entre o estado e o setor privado.
Panorama: Como você está se sentindo ao ocupar o cargo de Coordenador do Departamento?
André: Bem. A despeito da pouca idade, tenho muita experiência e acredito que poderei responder às expectativas do setor privado, pois tive a oportunidade de conhece-lo bem. Por isso, sei reconhecer as necessidades que urgem para fazer a aqüicultura sair do papel. Para isso, precisarei contar com o apoio de muitas instituições para poder viabilizar todas as idéias e toda a política que estamos tentando montar através do departamento, porque sei que sem parcerias será muito difícil executá-las.
Panorama: Quais as dificuldades já encontradas? Aquelas esbarradas nos primeiros dias após assumir o cargo?
André: O Departamento está numa fase de implantação, como somos por enquanto apenas o Gabriel (Gabriel Calvazara Araújo – diretor do Departamento de Pesca e Aqüicultura, entrevistado na edição 48) e eu, temos uma série de coisas a resolver. O Gabriel está tendo dificuldades com a vinda do pessoal do IBAMA para cá. Ainda não se tem o coordenador de pesca e nem os nossos quatro assessores, que chamamos de Coordenadores de Projeto. A implantação do departamento é a maior dificuldade do momento.
Panorama: O que significa ser Coordenador de Aqüicultura e qual a abrangência do seu cargo?
André: Minha incumbência é a viabilização de parceiros e propor uma política nacional para o setor produtivo, que será chamado para conversar. Minha função é reconhecer essas instituições e viabilizar as parcerias que farão a Política Nacional da Aqüicultura ser executada.
Panorama: Qual o orçamento destinado à coordenadoria?
André: Não sei dizer ao certo, mas sei que já houveram cortes no programa de óleo diesel que o Gabriel citou à Panorama da AQÜICULTURA na última edição, e que provavelmente chegarão cortes ao nosso departamento. Estamos nos mobilizando para ter a quantia suficiente para colocar em prática tudo o que for necessário para alavancar a aqüicultura nacional.
Panorama: Qual a infra-estrutura material de que você dispõe?
André: Não temos muita coisa e esse é mais um motivo da necessidade de parcerias. Temos ao todo 4 salas, computador, fax, máquina copiadora. O Ministério dá um suporte muito bom em termos de assessoria jurídica, tributária, contábil; uma estrutura de um Ministério Federal por trás que é fantástica. O Departamento em si é pequeno, mas será suficiente. Com a reforma do governo, uma estrutura pode ser menor se o Estado estiver onde tem que estar. Um exemplo: vários projetos chegam para que eu avalie a liberação de recursos federais, para a implantação de grandes plantas de processamento para abater cerca de 5.000 toneladas de pescado por ano. Não é por aí. Nem a Sadia nem a Perdigão foram feitas com capital público. O Departamento seria micro se tivéssemos que cuidar da gestão de unidades como estas, porque teríamos o Estado onde não tem que estar. Precisamos de um Estado parceiro, viabilizador e normatizador, colocando as regras do jogo claras. Muitas vezes o setor privado fica marginalizado e na ilegalidade porque não conhece as regras nem sabe a quem recorrer.
Panorama: Você citou um exemplo de uma parceria que não deve acontecer. Qual a parceria que seria positiva tanto para o setor privado quanto para o Ministério?
André: As parcerias devem ser com o pequeno e com o micro produtor porque estes não têm condições de agregar valor ao produto deles. Deve se criar programas que permitam ao pequeno produtor ter uma central gerenciadora e permitir que, ao se formar uma cooperativa (porque isoladamente se tem pouco poder de ação), se tenha uma unidade pequena para agregar valor ao produto.
Panorama: Já existe algum programa desses em andamento?
André: O PRONAF Agroindústria foi lançado há dois meses aproximadamente, mas eu soube que não há nenhum projeto solicitando recursos na nossa área de aqüicultura, mas acredito que vá passar a ter vários. Isso é o Estado parceiro do pequeno e micro produtor. A função do Estado não é ser pai nem mãe dos pobres. O Estado vai ter que ser presente e parceiro e ver até o que é preciso para trazer o capital internacional para cá. Se é preciso isenção de ICMS, diminuição de alíquota, se querem terreno… O Estado não pode fazer a planta processadora que vai abater 10.000 toneladas de pescado/ano mas pode fazer aquela que vai abater 100 quilos/dia. Deve se mobilizar e ter capacidade política e administrativa para convidar grandes empresas nacionais e estrangeiras a entrarem no setor, e isso se consegue com regras claras e com política coerente.
Panorama: O que está sendo feito para isso acontecer?
André: Acho que o primeiro passo foi a própria vinda do Departamento para o Ministério da Agricultura. O segundo é a estruturação do departamento para colocar as ações em prática e que gerarão resultados a médio prazo, como por exemplo a revisão da formação de mão de obra para trabalhar no setor, tanto da aqüicultura quanto da pesca. Estão sendo convidadas pessoas experientes que façam com que tanto o profissional de nível médio ou superior quanto o que vai levar o conhecimento ao homem do campo estejam mais qualificados.
Panorama: Vamos falar agora das prioridades…
André: Pode se pagar um preço muito alto ao se estabelecer uma prioridade errada. Temos que agir na formação de mão de obra, liberação de crédito, agregar valor ao produto, distribuição, normatização e estatística. Temos consciência que temos tudo isso por fazer, mas estabelecer prioridades não é simples. Citei a formação de mão de obra porque já estava sendo feito um convênio com o Ministério da Educação, que é muito importante em qualquer setor da economia. Se isso é mais ou menos prioritário que rever a normatização de ocupação das águas públicas para uso na aqüicultura é difícil de responder, apesar de que certamente isso surtiria um impacto mais rápido. Esse aliás é um próximo passo a ser dado.
Panorama: Na sua opinião, quais as transformações básicas que beneficiariam de pronto o setor?
André: O estabelecimento de regras claras para o produtor estar cadastrado, licenciado e oficialmente regulamentado. Outra é fazer com que o crédito chegue mais rápido às suas mãos. É preciso desburocratizar.
Panorama: Mas e o registro de aqüicultor, vai ser feito no Ministério ou no IBAMA?
André: O registro de aqüicultor vai, seguramente, ser feito no Ministério e peço um pouco de calma a quem está querendo se registrar e quem o fizer certamente será beneficiado. Queremos também gerar estatísticas e, se soubermos quantos produtores existem numa determinada região e quanto isso gera, poderemos argumentar em favor deles.
Panorama: O produtor vai ter que continuar pagando para se cadastrar?
André: O ideal é que ele pague a menor taxa possível, apenas o suficiente para cobrir custos de papel, armazenamento, cópias, envio de e-mail ou outro canal de informação. Isso não vai ser feito aqui em Brasília, será através das Secretarias de Agricultura dos municípios. Por isso peço esse tempo aos produtores, porque precisamos implantar uma estrutura funcional.
Panorama: Como os 10 bilhões de dólares destinados ao financiamento da área agrícola pode beneficiar os aqüicultores?
André: Existe o crédito mas não existe a credibilidade da aqüicultura. É preciso conquistar esta credibilidade. O gerente do banco não vai financiar nenhuma atividade que ele não conheça ou que tenha determinada suspeita. Através de uma cooperativa é mais fácil porque um cooperado avaliza o outro. Um produtor as vezes não tem o próprio documento da terra e, se está descapitalizado, não tem nem como atender as garantias que o banco exige. Se um Governo de Estado ou um programa maior conseguir avalizar essa safra, o banco não terá problema nenhum em liberar o crédito para a cooperativa. Quando o crédito chegar às mãos do produtor que tenha uma assessoria técnica para por em prática o seu projeto, ele terá como pagar esse recurso. É um crédito muito fácil de pagar, com juros de 6,5 a 9,0% ao ano.
Panorama: Vamos falar da questão das leis das águas públicas?
André: Segundo resolução do CONAMA a aqüicultura é uma atividade poluidora e por isso, exige um licenciamento ambiental. Os órgãos que fazem esse licenciamento são os órgão filiados ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. O IBAMA tem poder de dar licenciamento ambiental em caráter supletivo, o que acontece quando o órgão ambiental do Estado não é presente. A aqüicultura tem que ser licenciada e se ela está sendo feita em águas públicas, está sendo feita num patrimônio da União, que se representa através da Secretaria de Patrimônio e regionalmente por suas delegacias. Quem vai dar a cessão de uso para um produtor ou uma cooperativa vai ser o Patrimônio da União, mas quem vai analisar o projeto é o Ministério da Agricultura.
Panorama: O que falta para o aqüicultor poder utilizar essas águas públicas?
André: Dos órgãos que têm que ser consultados, aquele que tem mostrado um maior preparo com relação a ocupação das águas públicas é a Marinha. Acredito que ela vai seguir respondendo as demandas que são mandadas para lá num tempo plausível. Na medida em que a relação entre o Patrimônio da União, Ministério da Agricultura e o Ministério da Marinha puder ser melhorada, é possível que consigamos imprimir um pouco mais de velocidade nisso.
Panorama: Existe algum texto final dessa normatização que possa ser divulgado?
André: O que foi feito por enquanto, foi retirar do texto o IBAMA e colocar o Ministério da Agricultura, e isso não resolve o problema. Mas não quero fazer críticas, até porque ainda não participei disso, mas espero vir a dar minha contribuição, e para ser justo, observei nesse decreto algo muito pertinente, que é a estipulação de tempo para que um determinado órgão emita um parecer. Isso são regras claras para o setor privado, que pode até vir a escutar um “não”, mas não quer mais ser tratado como uma criança que fica sem resposta, o que gera um sentimento de impotência e de fragilidade. Seria prematuro passar aqui algumas coisas do decreto porque ele ainda está em fase de amadurecimento, mas já vi coisas nele muito salutares. Panorama: O setor privado vai tomar conhecimento desse decreto antes de ser encaminhado ou ele vai ser gerido dentro do Ministério e mandado para aprovação? André: O Estado parceiro da forma como eu interpreto, jamais pode ter as suas ações camufladas e deve sempre conversar com o setor privado, mas também há de se entender que não temos nem recursos nem estrutura de chamar para discutir cada decreto. Nem daria todo mundo aqui, seria preciso um estádio de futebol, mas reconheço que é preciso estar ciente do que o setor produtivo está precisando.
Panorama: A Panorama da AQÜICULTURA está de páginas abertas para divulgar essas minutas e, quem sabe, dessa forma os interessados possam dar sugestões, entrar em contato com o Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério…
André: Agradeço e quem sabe possamos viabilizar uma ação como essa, afinal a Panorama sempre prestou excelentes serviços em prol do desenvolvimento da aqüicultura. Pensamos também em criar um conselho como o que existe na pesca (Conepe – Conselho Nacional das Empresas de Pesca), com empresas que se reúnem periodicamente e através de documentos encaminham ao governo as suas reivindicações. Na aqüicultura poderia ser formado por empresas de consultoria, prestadores de serviços, produtores de insumos e vendedores de equipamentos. Seria uma forma de ter o setor produtivo mais organizado e com poder de fogo. Um documento assinado pela associação dos empresários da aqüicultura na minha mão, certamente terá um peso muito grande em qualquer reunião que eu vá participar. A tendência é sempre a de criticar o setor público, mas agora que “passei de pedra a vidraça”, vejo a necessidade que o setor privado tem de se unir. As diversas empresas do setor certamente possuem algumas reivindicações comuns e temos que funcionar como um agente catalisador dessas idéias.
Panorama: Para finalizar, algo que você gostaria ainda de transmitir aos leitores da Panorama…
André: Estou vindo aqui para tentar fazer uma administração técnica e política baseada em clareza, em divisão de responsabilidades e metas para serem atingidas. Não vou dizer que vamos partir de 80.000 toneladas para 800.000 toneladas em um ano, mas podemos alcançar as 150.000 toneladas. Se é factível, vamos trabalhar, vamos agir e chegar lá.