Entrevista: Alexandre C. Spinola

O Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura tem no cargo de Coordenador-Geral de Aqüicultura, Alexandre Caixeta Spinola, um brasiliense de 28 anos, formado como administrador de empresas e engenheiro agrônomo com mestrado em agronegócio pela UNB – Universidade Nacional de Brasília. Alexandre Spinola veio da ABIPTI – Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica, onde participava da equipe do Projeto Agropolos. Para Alexandre, o agronegócio, que representa a moderna dinâmica da agropecuária, vem possibilitando sua inserção no mercado global de forma competitiva e sustentável, e vem ganhando força e destaque por representar uma nova visão de negócio dos produtos agropecuários. Na sua concepção, o principal entrave para a sua maior disseminação é a resistência da sociedade em incorporar o novo e até em certo ponto, desconhecido enfoque.

A Revista Panorama da Aqüicultura conversou com Spinola sobre suas atribuições e propostas frente as novas estratégias de trabalho e publicou na edição 72.


Panorama – O agronegócio desponta como o único setor da economia brasileira que apresenta superávits na balança comercial há mais de 10 anos, sendo responsável por 27% do PIB nacional em 2001. Com relação ao setor de pescados, como o MAPA – Ministério da Agricultura vê o Brasil e quais as perspectivas para a aqüicultura?

Alexandre – O setor de pescado para o ministério é um setor que apresenta resultados. Nesse sentido ele se torna estratégico, pois tem um grande potencial, pode exportar proteína animal e gerar empregos, principalmente a carcinicultura no nordeste, uma região com muitas dificuldades de renda, que o camarão muda esse cenário. Para o Governo Federal a aqüicultura brasileira é vista como “a bola da vez” no cenário internacional. Chegou a vez do Brasil. Os estoques pesqueiros chegaram num ponto de sustentabilidade atingindo seu patamar de 100 milhões de toneladas. A FAO projeta para 2010, um consumo de mais de 30 milhões de toneladas de pescados e a pesca não tem como responder a essa demanda. O Brasil é a nova fronteira do pescado mundial. Temos 12% da água disponível no mundo e 5 milhões e quinhentos mil hectares de reservatórios, além de um clima tropical em quase todo o país. Isso para o MAPA é muito importante, principalmente porque não tem mais aquela visão protecionista do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e sim de fomento. O DPA, apesar de ser um departamento novo de apenas 4 anos, tem uma boa credibilidade dentro do MAPA. E isso tem que ser creditado ao fato do Gabriel Calzavara, diretor do DPA, ter incorporado a perspectiva de cadeia produtiva, que vem de encontro ao discurso do próprio ministério. Isso deu visibilidade interna e com certeza o DPA está à frente da formulação de uma política para o pescado.

Panorama – Esse aumento da demanda mundial por pescados e a impossibilidade dos estoques naturais de atenderem a esta demanda já são constatações bem antigas, bem como a grande vocação do Brasil para a aqüicultura e, no entanto, ainda não foram suficientes para que se formulasse, até hoje, uma política para o desenvolvimento do setor. Quais, a seu ver, serão as transformações que devemos esperar a curto, médio e longo prazos?

Alexandre – Temos um programa no PPA – Plano Plurianual. Entre 365 programas de diretrizes para o Brasil, a aqüicultura está incluída e isso é um sinal de que o governo está atento para a atividade. Temos também o Plano de Safra, que já está no terceiro ano. De toda a gama de produtos agropecuários brasileiros, onze foram tidos como estratégicos e a aqüicultura está incluída entre eles, com recursos liberados para todas as espécies aqüícolas. Num curto prazo é isso. Outro ponto importante é essa nova fase da aqüicultura em relação à consolidação das cadeias produtivas e temos diversos exemplos de que a aqüicultura está evoluindo para isso. Só teremos um agronegócio forte da aqüicultura no dia em que tivermos a cadeia produtiva consolidada. Essa organização é fundamental para termos um avanço maior a médio e longo prazos. Com força e representação a cadeia produtiva conseguirá fazer pressão sobre o governo para atender às suas demandas. A gente já começa ver essa nova fase de organização. Não é produzir e esperar que o pesque-pague venha comprar, é preciso se profissionalizar cada vez mais. Nossa função é mostrar o potencial do mercado sem criar uma imagem ilusória e falsa. Não podemos falar “olha gente, montem uma indústria de processamento que vocês vão ter mercado”. Mas sabemos que o setor de pescados, dentro da economia alimentícia, é o que mais cresce no mundo, com 11% de crescimento ao ano. Esses dados são os que precisamos apresentar aos formadores de opinião e da mesma forma mostrar que o governo está apto a trabalhar com a regulamentação mais voltada para a produção, não só para preservação; ou seja, que o governo está disposto a colaborar naquilo que for pertinente para que esse fluxo ao longo da cadeia produtiva aconteça da melhor forma possível. A partir daí a iniciativa privada entra e vai procurar uma melhor embalagem, vai procurar um marketing, ela vai fazer uma degustação…

Panorama – Quais são os gargalos identificados hoje pelo DPA e por você pessoalmente?

Alexandre – Organização, informação e comercialização. Eu acho que é principalmente isso. O primeiro é a falta de organização e, decorrente dessa falta de organização, temos informações incompletas. Nem todo mundo tem acesso à informação.

Panorama – Que tipo de informação especificamente?

Alexandre – Informação de mercado. No meu ponto de vista é depois da porteira que estão os principais gargalos. Eu não tenho conhecimento se há falta de informação tecnológica, daí não posso afirmar nada. Mas acho que o acesso à tecnologia não deve ser complicado, pode ser caro, mas o acesso não deve ser difícil.

Panorama – Existe hoje dentro da política do agronegócio algumas estratégias para eliminar esses gargalos que você acabou de citar?

Alexandre – Sim. Antes de mais nada, teremos que trabalhar a parte de informação interna do DPA. Nós temos um corpo técnico excelente, embora pequeno (cinco pessoas), mas altamente qualificado. Estamos recebendo agora uma pessoa específica na piscicultura e vamos ver se damos uma guinada. Também não podemos ficar fechados nessas 4 paredes, temos que mostrar a cara. Temos que mostrar a aqüicultura para o público, para os formadores de opinião seja ele do setor público ou privado. Temos que apresentar a aqüicultura como um excelente negócio e que as pessoas devem investir nela porque existe possibilidade de retorno garantido, seguro. Num primeiro momento a gente está pensando mais na promoção institucional, ou seja, nós temos que falar que o setor está pronto para receber investidor, está pronto para crescer. É o que está acontecendo com o camarão. Nós temos que colocar pra esse próximo ano que a aqüicultura é uma coisa interessante, que o pessoal pode investir pode acreditar, que é uma coisa que vai emplacar cada vez mais.

Panorama – Já existe alguma maneira de fazer isso?

Alexandre – Através de marketing, publicações e reuniões de articulação. É essa coisa simples, mas que é “o meio de campo” que às vezes não é feito. É mais essa questão mesmo de ser um propagandista. É falar por exemplo que o governo americano está estimulando o setor de pescado e frutas e reduzindo batata e o bacon por causa da obesidade do país. É contar que o Mc Donald’s pediu para o Ministro Pratini de Moraes que seja aumentada a produção de tilápia, porque eles querem matéria prima para o macfish, ou seja, é fazer essa promoção institucional da aqüicultura. Outro ponto interessante é que estamos pensando em promover um encontro nacional com a visão de mercado. Discutir, por exemplo, se a coisa vai caminhar para a integração. Discutir os aspectos de mercado.

Panorama – No que se refere à organização, como o DPA imagina que pode interferir para efetivamente ajudar a organizar a atividade?

Alexandre – A gente não pode apenas falar que quer um setor organizado. De repente meia dúzia de produtores pode se juntar e formar uma organização que não é representativa. Não podemos estimular esse tipo de coisa, porque isso é paliativo e não resolve. Acabam ficando esperando recursos do governo apenas pra se manter e aí quando acaba o recurso, acaba tudo. É a tal da chapa branca e não é por aí. A nossa vontade é que o setor aqüícola esteja cada vez mais organizado de fato e de direito, e não de sigla. Não temos como trabalhar com todos os aqüicultores, mas podemos trabalhar com a representação desses aqüicultores.

Panorama – Como é que o DPA está vendo hoje a discussão com relação a ABRAq (Associação Brasileira de Aqüicultura) que, em tese, é uma organização representativa?

Alexandre – Eu acho que ela saiu um pouco desgastada do último Simbraq, em Goiânia, e precisa de um tempo pra se reestruturar e se tornar uma associação forte e representativa. A partir desse momento eu acho que o canal está aberto.

Panorama – A ABRAq hoje seria estrategicamente importante para a política do DPA?

Alexandre – Ela é importante porque ela é uma representação. Agora, não devemos nos limitar apenas a ABRAq. Existe espaço pra outras associações mais específicas, com todo mundo tendo o mesmo objetivo. Isso é mais forte que uma entidade que não tenha a mesma linguagem com todos os seus envolvidos. A ABCC – Associação Brasileira dos Criadores de Camarão, por exemplo, está aí e é bem forte.

Panorama – A questão ambiental mal interpretada vem prejudicando o desenvolvimento da atividade. Como o DPA está vendo esse assunto?

Alexandre – A gente não pode falar numa aqüicultura forte sem ela ter uma regulamentação voltada para a produção. Estamos num momento de mudanças, final de ano e redução no orçamento, o que nos sobra poucos recursos para trabalhar o fomento. Mas para trabalhar a regulamentação da aqüicultura não precisamos de muito dinheiro e sim de articulação política. Estamos fazendo um re-ordenamento institucional voltado para a produção. Recentemente, atuamos junto ao CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente no processo de elaboração da resolução sobre a regulamentação da carcinicultura. Encaminhamos uma proposta de harmonização de interesses, onde incluímos sugestões da ABCC, pegamos algumas coisas do próprio Ministério do Meio Ambiente e da Universidade Federal de Santa Catarina, ou seja, tentamos englobar o máximo pessoas e instituições que têm algum interesse na carcinicultura. Eu acho que ela ficou bem de acordo com os interesses da produção com responsabilidade sustentável. Ninguém está sendo irresponsável ou indo contra a questão da sustentabilidade. Estamos atuando com responsabilidade e bom senso. Trabalhamos pelo interesse do país, então não podemos ser unilaterais no processo, mas também não podemos ser radicais, porque a carcinicultura é uma atividade que traz renda e emprego. Outro ponto importante é a cessão das águas públicas. O DPA entende que a aqüicultura só vai ser forte quando ela tiver uma regulamentação adequada. Estamos tendo um pouco de dificuldade na parte da licença ambiental e tivemos reuniões com o IBAMA, para que desobstruam o fluxo disso tudo, para que facilitem as coisas, como por exemplo, a isenção da taxa para pequenos produtores. Nem tudo depende da gente, temos que esperar, dar tempo ao tempo. O IBAMA pelo menos está com boa vontade de colaborar e isso é um ponto importante.

Panorama – O que você tem a dizer ao pequeno produtor?

Alexandre – Que eu acho fundamental que ele se organize, seja em cooperativa ou associação, para que tenha cada vez mais o seu espaço. E essa organização requer uma profissionalização. A partir do momento em que ele está estruturado e organizado, ele conseguirá novos canais de comercialização, como uma rede de supermercados…

Panorama – Daí estaremos falando em rastreabilidade, inspeção federal…Quer dizer, para encontrar esses canais o pequeno produtor vai necessitar de recursos, investimentos…

Alexandre – Daí a necessidade de uma associação. Quanto mais fortalecido ele estiver numa organização, mais força ele terá no mercado. A política que a gente está tentando implementar aqui no DPA é a política na perspectiva do agronegócio, e que esteja em sincronia com a demanda dos produtores e com a demanda do mercado mundial. Nós não podemos priorizar uma política apenas para o mercado e esquecer do produtor. Ou apenas para o produtor e esquecer do mercado. E, lógico, que seja geradora de emprego, renda.

Panorama – Finalizando, o que o produtor pode e deve esperar em termos de realizações do DPA, em cima dessa política que você acabou de falar?

Alexandre – Estrategicamente definimos quatro vetores de atuação. Esses vetores são a promoção institucional; o encontro do agronegócio aqüícola do Brasil; a regulamentação do setor e, a harmonização da agenda política. A promoção institucional, como foi dito, tem como objetivo a geração e difusão de informações para a consolidação das cadeias produtivas. Através da informação gerada, tem-se como objetivo a disseminação do potencial da aqüicultura, elevando a imagem do setor. O encontro do agronegócio aqüícola do Brasil tem como objetivo a consolidação das ações das cadeias produtivas desenvolvidas pelo DPA e a orientação de ações futuras, na perspectiva do mercado aqüícola. A regulamentação, como vimos, tem como objetivo a coordenação institucional para normatizar a atividade, facilitando os fluxos nas cadeias produtivas e garantindo segurança ao empreendedor quanto à legalidade de seus investimentos. Por fim, a harmonização da agenda política tem como objetivo introduzir uma moderna ferramenta de gestão da política pública, através de intermediação de interesses na cadeia produtiva. Será realizada por consenso, minimizando os conflitos e demonstrando à iniciativa privada que o setor público está aberto ao diálogo.