Entrevista: Cristiano Maia

À frente da ABCC, novo presidente pede freio à importação e abertura à exportação

Em março, mais precisamente no dia 6, uma notícia movimentou o mercado da carcinicultura: a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC) mudava de diretoria e, no lugar de Itamar de Paiva Rocha, um dos fundadores da instituição, e que estava em seu 11º mandato, tomou posse o empresário Cristiano Maia, também presidente da Associação Cearense dos Criadores de Camarão (ACCC). Cristiano é o maior produtor de camarão do país, com fazendas de criação no Ceará e no Rio Grande do Norte. A vice-presidência passou a ser ocupada por Orígenes Monte, produtor do Rio Grande do Norte.

Em entrevista à Panorama da AQÜICULTURA – edição 166, Cristiano Maia disse que quer reaproximar a ABCC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), solicitar a abertura do mercado europeu para a exportação, já que a produção brasileira é crescente, e pedir o freio à importação, uma vez que o Brasil consegue atender a demanda atual dos compradores. O novo presidente da ABCC destaca também, que gostaria que fosse criada uma normativa exigindo que o camarão importado passe por uma análise de risco ao aportar em terras brasileiras, para evitar que mais doenças não cheguem ao país afetando o mercado.


Panorama da AQÜICULTURA – Como é suceder o Itamar na presidência da ABCC, um ícone, cuja imagem pessoal se confunde com a da própria entidade?

Cristiano Maia: Itamar estava na presidência por muitos anos, mas o tempo e os produtores foram mostrando que havia a necessidade de uma mudança de postura e de trabalho. Além disso, havia um desejo de que a associação ficasse na mão de um produtor. Reunimos os maiores produtores já que ia haver uma eleição e, antes mesmo da assembleia da eleição, a grande maioria decidiu que eu deveria ocupar o cargo, já que sou produtor, e também porque sou presidente da Associação Cearense de Criadores de Camarão. A carcinicultura no Ceará tem avançado, e não é de hoje que é o maior estado produtor do Brasil. Mas todos reconhecem o trabalho do Itamar à frente da ABCC e foi apenas uma mudança de rumo para que se tenha agora no cargo um produtor que sente na pele os problemas de quem está trabalhando. Acho que a gente vai trabalhar bem e espero que a minha experiência de muitos anos como presidente da ACCC lá no Ceará contribua.

Panorama da AQÜICULTURA – Por que havia a vontade do setor de colocar um presidente que fosse um produtor?

Cristiano Maia: A ABCC vive de recursos provenientes do percentual de 1% da compra da ração. Temos um grupo que é formado pelos 14 maiores produtores do país. Somos os que mais cultivam, os que mais compram e, portanto, os que mais contribuem para esse fundo. Esse grupo que sustenta a associação se reuniu e achou que deveria ter um produtor à frente, porque estava havendo uma dificuldade de relacionamento entre o Itamar e o MAPA. Então, achamos que talvez fosse indicado um produtor, porque é quem sente na pele as dificuldades, é quem gasta o dinheiro, é quem sofre com o prejuízo. Foi acertado então que o Itamar, pelo tempo dedicado à ABCC e pelo bom relacionamento entre os associados, vai continuar como consultor e também como organizador da FENACAM, em novembro.

Panorama da AQÜICULTURA – E a sua presença aqui hoje no Mapa já é um sinal dessa aproximação?

Cristiano Maia: Sim, estamos aqui para discutir a abertura do mercado europeu. Nós não estamos exportando, mas a partir do segundo semestre, temos que exportar. A produção é crescente, mas não acreditamos que o mercado nacional absorva, a não ser que exista um aumento de consumo, porque hoje, o que está sendo produzido, está sendo consumido com dificuldade. A gente tem que saber bem onde vai colocar o produto ou estimular o consumo, talvez fazendo alguma campanha. O consumo vem através de preço, o pessoal compra se o preço estiver acessível. Daí se discute se esse preço está remunerando a produção, precisamos ver o preço mínimo que podemos chegar. Não pode ser muito baixo porque o produtor quebra. Por isso, todo esse movimento de voltar a exportar porque, se não houver um consumo no Brasil, temos que mandar para fora. E lá fora, o preço não está bom como já foi em outras épocas. A gente até vende melhor, em dólar, do que eu mesmo vendi em 2008, mas o nosso custo de produção subiu muito. O nosso salário mínimo era em torno de 100 dólares e hoje é um pouco mais de 300 dólares. Além disso, como a energia e a ração subiram muito, o nosso custo hoje não é o mesmo de antes.

Panorama da AQÜICULTURA – E você tem ideia deste custo de produção hoje?

Cristiano Maia: O custo de produção hoje, no regime intensivo, é de R$ 15 o quilo. No regime extensivo, varia entre R$ 12 ou R$ 13 o quilo. Se hoje o mercado está comprando a R$ 15, está remunerando só para quem está criando em regime intensivo. No extensivo, se não houver doença, remunera o investimento.

Panorama da AQÜICULTURA – Já é possível antecipar a produção que tivemos no ano passado ou aguardamos o IBGE?

Cristiano Maia: Em 2017 foram produzidas aproximadamente 60 mil toneladas. Para 2018, acredito que será em torno de 70 mil toneladas, o mesmo volume de 2016. Para 2019, como a mancha branca vai desaparecer em 2018, vamos recuperar o que produzíamos, e com as novas áreas que estão sendo criadas principalmente no Ceará, vamos partir para umas 100 mil toneladas. Por isso que acredito que em 2019, a gente vá ter que exportar. Não vai ter vazão para tanta oferta.

Panorama da AQÜICULTURA – Por que você afirma que a mancha branca vai desaparecer?

Cristiano Maia: Na verdade, ela nunca vai desaparecer. Estamos investindo em genética para produzir um animal resistente ao vírus, e estamos na segunda geração. O maior investidor em genética sou eu e o maior laboratório do país é o meu, e eu trouxe consultores internacionais que tiveram sucesso aplicando esse método de genética na Austrália, México, Equador e Nicarágua. Nós selecionamos todo dia cerca de 300 animais isentos de doenças e fazemos o PCR. O DNA desses animais segue para o Equador e o objetivo é selecionar reprodutores resistentes que vão produzir larvas para as nossas fazendas. Então depois de dois anos de genética eu acredito que esta segunda geração, que virá em agosto, tenha 70% de sobrevivência. Até o final do ano, já teremos a terceira geração, que será ainda mais resistente, com 90% de sobrevivência. Isso explica o meu medo com a importação de animais que vêm de fora com doenças, e inclusive, foi esse o motivo da minha visita aqui no MAPA hoje, quando falei com o secretário do ministro. Se vier outra doença vamos perder mais dois ou três anos até selecionar de novo um animal resistente a essa nova doença. E aí muita gente quebra neste período. 

Panorama da AQÜICULTURA – Existe muita coisa a ser feita pela ABCC, os recursos das rações são suficientes?

Cristiano Maia: A indústria passa para as associações 1% do valor da ração paga pelo produtor. 50% do que arrecada vão para a ABCC e o restante é dividido entre as associações regionais. O problema é fazer o controle de quanto é vendido, porque são muitos produtores. Hoje estamos em torno de 20 mil e é difícil saber quanto está arrecadando. Eu acho uma injustiça a fábrica não repassar, já que em assembleia os produtores autorizaram aumentar a ração em 1% para que esse valor fosse repassado para as associações, mas é muito difícil fiscalizar isso. É este o trabalho que a gente faz, além de todo o trabalho de divulgação, de estímulo de consumo, de assessoria na justiça, de participar de feiras e eventos para levar alguns técnicos que dão assessoria, pagos pelas associações. Todo esse trabalho precisa de recursos. A maneira que a gente achou melhor para arrecadar foi via fábrica de rações, porque senão seria um pagamento mensal. Na ABCC esses recursos não têm sido suficientes porque esse ano tivemos a ação antidumping nos EUA, que nos custou R$ 300 mil, além de 1 milhão de dólares que já havia sido gasto lá atrás. Quando eu assumi, fiz um levantamento do custeio e de quanto a associação precisa, mensalmente, para manter a estrutura que existe hoje. Nós estamos vendo onde a gente pode cortar porque existe um déficit de uns 20% ou 30% do que se arrecada. Então, além de buscar nas fábricas de rações o que elas não estão repassando, precisamos tirar algumas despesas para equilibrar.

Panorama da AQÜICULTURA – Quais seriam os destaques do trabalho da ABCC a partir do início da sua gestão? Quais as suas principais pautas?

Cristiano Maia: A diretoria toda se reúne mensalmente e definimos as pautas. O que é importante a partir de agora para nós é estimular o consumo porque o grande gargalo hoje é o produto dentro do viveiro, sem ter a quem vender. O que fazer se não estão consumindo? Eu pedi a uma empresa de consultoria para fazer uma proposta de um trabalho nacional sobre o que estimula o consumo, e estou esperando. Este é o foco principal: estimular o consumo nacional. O outro foco é o mercado internacional. Queremos abrir o mercado europeu, que foi o nosso comprador de sempre. Também queremos fortalecer a ABCC dentro da Secretaria que foi criada, para que a gente possa barrar a importação de animais que possam trazer doenças para dentro do nosso país. Não temos medo de concorrência e sim de uma nova doença.

Panorama da AQÜICULTURA – Essas diretorias da ABCC, principalmente a técnica e a de laboratório, possuem planos específicos de suporte ao setor quanto a doenças?

Cristiano Maia: A gente espera que sim, e que levem ao produtor a experiência que eles têm. A finalidade da secretaria técnica é atender o maior número de produtores em campo, e explicar os melhores manejos e como devem criar o camarão. Isso será feito com profissionais contratados pela associação. No Ceará, por exemplo, isso já acontece em algumas regiões onde se concentram pequenos produtores. A associação paga um profissional para dar a assistência técnica que o Estado não dá. Isso já acontece com a associação cearense. Na ABCC, se sobrar dinheiro, nós vamos pensar também em outros estados.

Panorama da AQÜICULTURA – Com a chegada do camarão equatoriano, o setor perdeu a guerra ou ainda terá muita batalha pela frente?

Cristiano Maia: A gente está na batalha, nunca perdemos a guerra. Hoje, um dos freios que temos é o preço. O preço que eles vão botar aqui está parecido com o que a gente está vendendo hoje. Então já é um bloqueio. Outra coisa que a gente quer convencer a nova Secretaria é da necessidade de fazer uma análise do camarão que vai chegar pra saber se ele está trazendo doença. O nosso pedido é que ela implemente urgentemente, uma Instrução Normativa que diga que o camarão importado tem que fazer uma análise de risco de importação (ARI). No Brasil, há laboratórios de universidades que podem fazer isso. Então a Secretaria vai credenciar algum laboratório de universidade que vai analisar as amostras de quem pretende importar e, se houver algum problema de vírus, será barrado. Esse é o nosso pedido. Quem vai decidir quem fará isso e como fazer, é a Secretaria. Com o Equador, por exemplo, vai haver uma retração de quem vai querer importar e correr o risco. Além disso, nós temos camarão suficiente para atender o mercado nacional. Está sobrando produto, então por que buscar lá fora? Esse é o meu questionamento.

Panorama da AQÜICULTURA – Então não procede a alegação de que o camarão estrangeiro tem que entrar porque o nosso mercado está precisando?

Cristiano Maia: Eu já disse algumas vezes no MAPA que quem tiver precisando de camarão, eu tenho um estoque grande nas minhas câmaras. De todos os tamanhos e do jeito que o comprador quiser: pequeno, grande, filé, pré-cozido, inteiro.

Eu produzo camarão todos os dias, eu e meus amigos produzimos muito. Eu desafio o comprador de camarão que diz que não tem camarão para comprar, e desafio também quem achar aqui um preço superior ao do mercado mundial. Estamos no preço do mercado mundial, de R$ 17, cinco a oito dólares. Esse é o preço que estamos vendendo. Se acharem preço mais barato do que esse, eu vou vender lá fora. Não está caro e tem. Então, por que importar? E ainda vai ter muito mais camarão. Em 2019, eu repito, a produção será de 100 mil toneladas. Vai sobrar!

Panorama da AQÜICULTURA – Está sendo previsto o impacto econômico da entrada do camarão equatoriano? Ele vai mexer nessa estrutura?

Cristiano Maia: Ele já impactou. Houve a ameaça dos importadores de trazer camarão mais barato do Equador. O preço, que estava 25 dólares, para 1 kg do camarão de tamanho 80/100 e 110g, desceu para R$17. Aí, com esta ameaça de que ia entrar o camarão do Equador, o pessoal foi baixando o preço. E é complicado trazer o camarão. Tem que pedir autorização aqui, fazer avaliação das plantas lá, o camarão tem que vir eviscerado… Mas, isso era em segundo plano, o principal era o preço. Só com a logística, o transporte do porto para o armazém, despachante, câmbio, imposto, o produto vai chegar mais caro. Se você botar no seu armazém, sai mais caro. Então é mais negócio comprar aqui, além de gerar empregos!

Panorama da AQÜICULTURA – Hoje quais são os principais pontos a serem melhorados na carcinicultura brasileira?

Cristiano Maia: O pessoal precisa aprender a criar melhor o camarão, porque muitos ainda criam de qualquer jeito. O camarão precisa de um solo bom e de uma água boa. Alguns não fazem nem troca de água, e é preciso fazer drenagem, porque o camarão cresce mais rápido com água boa, como todo ser vivo. A grande maioria não faz o tratamento da água e do solo antes de povoar e é preciso fazer um estudo do solo, adubar o viveiro. Isso cabe à assistência técnica que nós não temos. Uma outra trava do setor é o crédito para financiar o investimento e o custeio. É preciso também orientar o pequeno produtor, e menos burocracia no licenciamento ambiental. No Ceará, já estamos fazendo campanha para que todos se licenciem e vamos fazer isso com outros estados. Essa campanha está sendo feita pela Secretaria de Pesca junto com a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará, que é, hoje, o que tem mais áreas licenciadas. Já disse ao governador que há necessidade de colocar mais profissionais para ajudar no licenciamento do micro e pequeno produtor, e não deixar demorar muito. A licença está sendo repassada em 60 dias para você se instalar, e a licença de operação vem de imediato. Essa é uma campanha nossa, do Ceará, que depois será em todo o Brasil. Essa é a nossa missão.