João Felipe Nogueira Matias falou com exclusividade a Panorama da AQÜICULTURA, poucos dias após assumir, no final do ano, a Diretoria de Desenvolvimento da Aqüicultura, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP). Ainda que cauteloso, o Engenheiro de Pesca, que anteriormente ocupou o cargo de Extensão Pesqueira e Cooperativismo da própria SEAP, prometeu empreender todos os seus esforços para dar agilidade ao processo de licenciamento e ao desenvolvimento de ações que ajudem a superar alguns problemas crônicos do setor. Manifestando otimismo, o novo diretor, que falou sobre seus projetos e metas, espera ter um importante papel de articulação na SEAP, ampliando a cooperação e a troca de experiências que beneficie a todos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida em dezembro, a Jomar Carvalho Filho, editor dessa revista, que encaminhou a Felipe Matias, perguntas formuladas por representantes dos diversos setores da aqüicultura brasileira.
Pergunta Encaminhada por Francisco Oliveira Neto (Chico), responsável pelo Programa da Epagri/Cedap direcionado para o desenvolvimento de moluscos
Francisco Oliveira Neto – Um dos pontos vulneráveis da maricultura é, sem dúvida, a falta de controle sanitário das áreas de cultivo, ou seja, de um monitoramento permanente. A SEAP/PR tem alguma proposta neste sentido?
Felipe Matias: Estamos com uma proposta de trabalho juntamente como o MAPA/ Ministério de Agricultura sobre esse tema, onde vamos tratar de um evento agora no mês de abril, a Conferência Internacional sobre Rastreabilidade de Produtos Agropecuários, que acontecerá nos dias 10, 11 e 12 de abril de 2006, aqui em Brasília.. O Felipe Suplicy, que é o coordenador de maricultura, já há algum tempo vem trabalhando com o pessoal de Santa Catarina no intuito de tentar um programa, uma política de rastreabilidade de controle de moluscos. Mas a idéia da SEAP não é trabalhar só com moluscos, pretendemos trabalhar com todo produto oriundo da aqüicultura. Estamos iniciando por molusco, até pelo apoio técnico do Felipe Suplicy, mas a idéia é que se faça um controle total e, isso envolve não só a aqüicultura, mas o pescado em geral: lagosta, camarão, peixe marinho, peixe de água doce, moluscos, enfim, todo o pescado. Para a Conferência solicitaremos a vinda de alguns especialistas, envolvendo não só a aqüicultura mas também o setor pesqueiro.
Perguntas encaminhadas por Rubens Maset – Diretor da Tilápia do Brasil
Rubens Maset – Como está a situação das Licenças Ambientais, dos processos já protocolados, e como ficará o procedimento para novas licenças ambientais entre SEAP e SEMA/SP?
Felipe Matias: Com relação aos processos de licenciamento, há um pouco de confusão, ao se pensar que o Ibama descentralizou o processo de licenciamento para os órgãos estaduais de meio ambiente, e não é exatamente isso. Então, vamos esclarecer: o que aconteceu foi uma interpretação jurídica do Ibama, reconhecendo que a competência é dos órgãos estaduais. Alguns órgãos de alguns estados têm uma estrutura montada e, por isso já estão se antecipando e até emitindo licenças, como é o caso do Paraná, Pernambuco e de São Paulo. Existem, porém, alguns maus entendidos, pois alguns estados interpretam que, se são os responsáveis pelos processos de licenciamento, esses estados não precisam mais vir para a SEAP. Só que temos aqui muitas solicitações que não podem ser zeradas e os solicitantes simplesmente refazerem seus pedidos de licença diretamente nos órgãos estaduais. Em respeito às pessoas que fizeram essas solicitações, precisamos primeiro resolver esses casos, já que esses trâmites estão aqui e, a partir daí, poderá haver uma negociação para não mais passar pela SEAP, caso isso beneficie os aqüicultores. Recentemente a SEAP fez um curso de nivelamento sobre licenciamento ambiental aqui em Brasília. Na ocasião em que todos os estados estiveram presentes, vimos que alguns deles ainda temem assumir a responsabilidade pelos licenciamentos, uma vez que não têm estrutura, nem pessoal. Diante disso, eu disse que se nós aqui no Brasil formos esperar que tenhamos estrutura para fazer alguma coisa, não faremos nunca nada. Temos que enfrentar os desafios e conquistar essa estrutura. No caso de São Paulo, especificamente, o órgão ambiental do Estado se propõe a isso, mas nessa fase de intercessão, por enquanto tem que passar por aqui pela SEAP, mas se for o caso, depois de resolvidos os processos aqui pendentes, isso tudo pode ser revisto.
Jomar Carvalho Filho – Você se refere às novas licenças? Quem tiver entrando com um novo processo ainda tem que entrar através da SEAP?
Felipe Matias: É exatamente isso. O que interessa pra nós é o aqüicultor. Queremos fazer tudo o que for preciso para dar agilidade ao processo de licenciamento. Não interessa se é A, B ou C, o que interessa é o aqüicultor.
Rubens Maset: O que tem sido feito em termos de estatísticas para o setor de aqüicultura: produção, exportação, financiamentos concedidos, etc…. e como consultá-las?
Felipe Matias: Sabemos que, historicamente, um dos grandes gargalos da aqüicultura é exatamente essa questão da estatística. Os dados que temos aqui, e que estão recém publicados pelo Ibama, são os da Estatística da Pesca 2004. Temos aqui na SEAP uma coordenação de estatística que trabalha junto com o Ibama, que ainda é o órgão responsável por esses dados. A gente tem aplicado muitos recursos no intuito de fortalecer essas estatísticas, que para mim seriam um marco zero para o setor. Precisamos ter uma estatística abrangente que contemple realmente as regiões, principalmente a Região Norte que tem uma produção muito grande. Mas não é só da aqüicultura não. É preciso uma estatística também para a pesca. Precisamos fortalecer essa estatística abrangente para que ela sirva de base para a implementação de programas, porque se não sabemos quem somos, como vamos saber para onde queremos ir?
Pergunta Encaminhada por Ricardo Tsukamoto – Bioconsult
Ricardo Tsukamoto: Na semana passada, o Ministro Luiz Fernando Furlan sintetizou, após três anos de experiência na área estatal, que “O governo não faz sinalizações, não traça cenários, objetivos, nem estabelece meios para atingi-los”. Mas como a divisão de Desenvolvimento da Aqüicultura pressupõe justamente um núcleo da SEAP que trabalha prioritariamente com objetivos e cenários, estabelecendo metas, quais seriam os objetivos concretos na aqüicultura? Isso porque, para nós da sociedade civil, a um ano do encerramento deste governo, fica a impressão de que a SEAP ainda não tem objetivos definidos e que se norteia basicamente por ações aqui e acolá, sem uma gestão para guiar ou orientar o setor aqüícola.
Felipe Matias: Vamos por partes: a SEAP tem tido algumas ações pontuais. Dentro da Diretoria de Aqüicultura, temos financiado projetos de associações, de ONG’s, de entidades de pesquisa. Temos uma gama muito diversa de ações apoiadas, porém, mais que isso, as entidades sentiam falta de um órgão que pudesse fomentar diretamente, que a atividade não ficasse sempre em segundo plano, como quando era ligada à agricultura. Acho que nesse sentido esse governo avançou. Acho também que a aqüicultura tem dois grandes objetivos: um é resolver os processos de licenciamento, pois não tenho dúvidas de que esse é um grande gargalo. Não que a SEAP vá resolver, pois não é a SEAP que tem competência para isso. O papel da SEAP é ajudar fazendo articulação institucional, chamando o setor produtivo para exigir que esse licenciamento seja feito de uma forma mais ágil e mais barata. Até o final do governo vamos ter que solucionar esse problema que é histórico e que não tem um, dois ou três anos. Sabemos que a atividade, quase que em sua totalidade, está na clandestinidade por não ter um licenciamento, então esse é um grande objetivo. Um segundo grande objetivo na aqüicultura diz respeito aos programas de parques aqüícolas, pois precisamos democratizar o acesso às águas públicas da União. É óbvio que isso deve ser aberto para a iniciativa privada, mas é óbvio também que devemos garantir às populações o acesso a essas águas, e isso já está sendo traçado. Estamos elaborando uma proposta para os parques aqüícolas que estão sendo trabalhados atualmente (e que são seis ou sete parques aqüícolas que já estão mais avançados). Quanto à questão da elaboração de cenários, eu particularmente gosto muito de trabalhar dessa forma, pois sou Engenheiro de Pesca e fiz um MBA com gestão empresarial. Trabalho basicamente com elaboração de cenários e temos alguns cenários positivos e outros negativos. Temos sempre que analisar, fazer gerenciamento e estabelecer metas. Assim, vemos o que podemos atingir, e caso não atinjamos o desenvolvimento desejado, temos que estar preparados para, ou modificarmos alguma estratégia, ou vermos até qual a melhor forma de lidarmos com as dificuldades. Nós aqui buscamos trabalhar assim.
Pergunta encaminhada por Sergio Tamassia – Epagri – SC
Sergio Tamassia: Tenho questionado a política da SEAP de insistir em construir “frigoríficos”. Será que este é o caminho? Será que é isto o que falta para permitir que a piscicultura evolua?
Felipe Matias: Eu tenho muito o pé no chão, e não acho que esse seja o caminho ou a fórmula mágica para a piscicultura brasileira se desenvolver. Nem acho que exista um fator isolado que seja “a salvação da lavoura”. Só um conjunto de fatores vai beneficiar a aqüicultura, mas também não tenho nenhuma dúvida em afirmar que construir frigoríficos é uma ação importante para a piscicultura. Isso todos nós concordamos, e se estamos atuando no beneficiamento do peixe, também temos apoiado unidades de produção de alevinos e juvenis, laboratórios de produção de sementes, no cultivo propriamente dito. Enfim, temos atuado na produção em si e num grande programa de comercialização. Procuramos atuar na cadeia produtiva como um todo, pois sabemos que atuar num elo isolado não é a saída, não é por aí.
Pergunta encaminhada por Rogério Bellini – Netuno Pescados – Paulo Afonso – BA
Rogério Bellini: Recentemente tilapicultores do sub-médio São Francisco tiveram perda de 100% da sua produção, devido a abertura das comportas de uma das hidroelétricas da CHESF. A grande maioria desses produtores tem dívidas com bancos oficiais e não podem contrair novos empréstimos. O que a SEAP pode fazer para que eles voltem a produzir?
Felipe Matias: Essa é uma resposta bem objetiva e concreta, até porque estamos vivenciando um problema parecido com a carcinicultura em Santa Catarina, devido aos problemas decorrentes da presença do vírus da Mancha Branca. Os carcinicultores catarinenses ficaram impedidos de produzir e os financiamentos que eles haviam pedido estão chegando no prazo de vencimento. Estivemos lá propondo algumas ações da SEAP e, nesse caso, posso propor a mesma coisa: os produtores devem preparar um documento bem elaborado, com o apoio das instituições que estejam trabalhando, atestando e garantindo o que efetivamente ocorreu, mostrando o prejuízo financeiro que tiveram, o prejuízo social, o número de empregos perdidos, a geração de divisas que foi perdida… se cercar tecnicamente. Esse é o primeiro ponto. De posse desse documento tentarei intermediar uma conversa com os agentes financeiros, não sei se o Banco do Nordeste, muito provavelmente deve ser, ou se o Banco do Brasil. Então, me prontifico de por meio da SEAP, tentar intermediar um acordo que respalde esses produtores. No caso específico de Santa Catarina, os carcinicultores não solicitam novos financiamentos, mas simplesmente querem que seja adiado o vencimento da primeira parcela, se não me falhe a memória. Não querem um novo financiamento e não querem não pagar suas dívidas. Eles querem pagar, mas só que como tiveram um hiato de produção, querem que o vencimento seja postergado. Não sei se é isso exatamente o que os produtores de tilápia querem, mas estou aberto a conversar a qualquer momento que queiram. Podemos fazer uma visita ou se preferirem, podem vir aqui na SEAP para juntos tentarmos um acordo. Isso não é uma ação direta da SEAP, não é uma coisa que a gente possa resolver diretamente, mas podemos dar uma ajuda indiretamente.
Rogério Bellini: O que a SEAP pode fazer para criar um fundo ou seguro para produtores da aqüicultura?
Felipe Matias: Essa é uma idéia muito boa, eu já ouvi essa proposta antes e acho que devemos sentar com as pessoas que tenham alguma coisa mais ou menos formatada sobre esse tema. Temos que ter humildade e saber que muitas vezes nós não temos alguma coisa elaborada, e acho que isso não diminui em nada a ação de governo, a ação individual. As boas propostas têm que ser acolhidas e levadas para frente. Acho muito positiva essa idéia e estamos aptos a conversar e ver de que forma, seja com o Banco do Brasil, seja com qualquer outro agente financeiro ou instituição que possa nos ajudar. Eu considero esse tema, de grande valia para a aqüicultura.
Pergunta encaminhada por Antonio Ostrensky – Universidade Federal do Paraná
Antonio Ostrensky: Analisando os investimentos orçamentários do ano de 2005 – disponibilizados na própria página da SEAP – observei (a grosso modo) que os valores utilizados para custeio da Secretaria são até superiores aos investimentos em aqüicultura. Além disso, os investimentos na atividade têm sido pulverizados em dezenas de ações individuais que, em nenhum momento, denotam a existência de um programa nacional para a área de aqüicultura. Pergunto então: quais são, de fato, as ações integradas que estão sendo desenvolvidas pela SEAP, e que caracterizariam a existência desse programa de âmbito nacional?
Felipe Matias: Em relação ao orçamento de investimento, temos muita coisa, como o fortalecimento das entidades de ensino, como a UFSC, a UFCE, Ceraqua lá com a Codevasf, unidade de beneficiamento de Propriá-SE, etc. Tem muita coisa de investimento. Mas as solicitações realmente são de custeio, pois a atividade por si só, é uma atividade de custeio (de formas jovens, ração…), e com isso a questão do custeio é maior que a dos investimentos. Em relação ao programa de ações integradas, que podem se configurar em programa, eu acredito que quando um órgão que é voltado para o fomento, investe em toda a cadeia produtiva, no caso da aqüicultura, na produção de formas jovens que seria o primeiro elo, investe na engorda, na comercialização e dá apoio às entidades, fomentando com isso a cadeia produtiva como um todo, eu considero que essas são ações integradas e nós fazemos dessa forma. Além disso, tem programas específicos que são os PLDM’s na maricultura, que são os estudos de planejamento de desenvolvimento local da maricultura e, o programa de parques aqüícolas. Então acho que se a gente falar em programas específicos, temos esses dois.
Antonio Ostrensky: Muito se fala em “alavancar” a piscicultura brasileira através da inclusão do peixe na merenda escolar. Gostaria de saber qual é o valor “per capita” (por aluno) repassado pelo Poder Público aos municípios para que adquiram a merenda escolar. Qual seria a logística necessária e quem se encarregaria de viabilizá-la, para que o peixe cultivado possa, enfim, chegar às crianças de todos os rincões desse nosso admirável país?
Felipe Matias: Eu não tenho a informação de qual é o valor que o governo repassa para a merenda escolar. Provavelmente deve ser o Ministério da Educação que repassa algum recurso para merenda escolar. Quando fui secretário em Icapuí, um município do Ceará, tentamos implementar a utilização do pescado na merenda escolar, mas não conseguimos por existir um processo licitatório. Passei dois anos no cargo, mas não consegui implementar como gostaria, o que mostra a dificuldade de implementação desses projetos.
Jomar: É difícil colocar o peixe na merenda escolar?
Felipe Matias: É, mas por outro lado, já chegando aqui em Brasília e eu estou aqui há 7 meses, já temos informações de que mais de 30 municípios brasileiros, inclusive uma capital – Curitiba, já incluiu o peixe na merenda escolar. Agora, que infra-estrutura é preciso ter, que nível de produção é preciso ter, acho que isso deve ser caso a caso. Nós estamos falando de uma grande cidade, uma média ou uma pequena cidade? Nós estamos falando de que cidade e de que região do país? O Brasil é um país muito grande, muito diverso e acho que a resposta tem que ser bastante localizada.
Jomar: Qual seria a logística necessária?
Felipe Matias: Não temos uma reposta definitiva e concreta para todo o país. Na Região Norte, por exemplo, o hábito de se consumir pescado já está muito arraigado. Já no caso de uma localidade que não tenha tanto acesso direto ao pescado, precisamos de uma infra-estrutura de armazenamento, o que é mais complicado.
Pergunta encaminhada por Hiran Costa, UFC
Hiran Costa: Para a aqüicultura funcionar, a captação de água em um determinado recurso hídrico se faz necessário. Para determinados recursos hídricos como rios, lagos, lagoas e reservatórios artificiais como os açudes e hidroelétricas, a captação de água só é possível se instalarmos um sistema de captação de água em sua margem ou, se construirmos um canal de aproximação do recurso hídrico até o sistema de captação de água, e isso se dará, realizando algum tipo de edificação na margem do recurso hídrico. Porém, de acordo com o descrito no Artigo 2º da Lei 4.471 de 15/09/1965, quando for possuidora de formação florestal, essa área será considerada como Área de Preservação Permanente (APP). Acontece que a MP 2.166-065 de 28/06/2001 altera a definição de APP, no caso de estar localizada na margem do recurso hídrico, preservando a margem quer tenha ou não formação florestal. Desta forma, hoje, qualquer projeto aqüícola que tenha se instalado na margem de um recurso hídrico, ou que seu sistema de captação de água esteja na margem de um recurso hídrico, está em desacordo com a legislação ambiental. A resolução dessa problemática é fundamental para o desenvolvimento da aqüicultura, pois os órgãos ambientais (IBAMA e OEMAs), normalmente, não aceitam nenhum tipo de compensação (por exemplo, a troca de 1,0 ha de uma fazenda aquícola localizada em APP por um replantio de 10,0 ha ou um incremento de 10,0 ha na área de reserva legal). Pergunto, finalmente, que ação concreta a SEAP/PR está realizando para encontrar uma solução para esta problemática, no que diz respeito ao uso das APP’s para o sistema de captação de água e em relação às compensações?
Felipe Matias: É comum em nosso país, se temos um órgão do governo fomentador de uma atividade, querer que esse órgão resolva todos os problemas. Acho que isso é uma visão equivocada, e não é o que a SEAP se propõe a fazer. A pergunta deveria ser: o que cada um de nós pode fazer? O que o governo, via SEAP pode fazer? O que os produtores podem fazer? O que os órgãos ambientais dos estados podem fazer? E o Ibama, o que ele pode fazer? Enfim, se juntarmos todos, aí sim. O nosso papel aqui na SEAP, é tentar resolver, mas eu gostaria de socializar esse problema. Eu conclamo os produtores, as entidades de pesquisa e os órgãos ambientais, para que todo mundo faça um esforço conjunto, sabendo-se que alguns pontos são divergentes e que ninguém vai convencer ninguém. Sou adepto do diálogo, porque acho que através dele podemos abrir mão de algum ponto de vista e assim chegarmos a um denominador comum. O que interessa é que a população também tem que ser envolvida. É preciso haver um trabalho de marketing positivo e de esclarecimento da opinião publica do que é a aqüicultura, dos benefícios que a atividade traz, sejam eles sociais ou econômicos. Deve-se mostrar também que a aqüicultura, se feita de uma forma ambientalmente correta, é uma atividade muito promissora. Temos que fazer um esforço comum e, então, eu gostaria de socializar essa resposta. Quem sabe, num próximo número da Panorama da Aqüicultura, a gente veja o que cada um de nós pode fazer para tentar minimizar ou conseguir o avanço que a aqüicultura precisa?
Pergunta encaminhada por Sérgio Winckler, Chefe do Centro de Desenvolvimento em Aqüicultura e Pesca – Cedap, e responsável pelo Programa da Epagri voltado para o desenvolvimento da carcinicultura.
Sérgio Winckler – Tendo em vista que a carcinicultura se desenvolveu com fraco ou nenhum apoio governamental, até o momento, e que os seus resultados econômicos são utilizados nas estatísticas governamentais, qual a política da SEAP/PR para apoiar o setor em 2006 neste momento difícil?
Felipe Matias: A SEAP defende a aqüicultura em geral e defende a carcinicultura, desde que ela seja feita de uma forma sustentável. Acho que quem age de forma errada, quem age com desmatamento de mangue, quem não trabalha de forma correta, tem que ser punido para servir de exemplo. Da mesma forma que quem age corretamente e está dentro da legislação, quem está trazendo benefício social, tem que ser beneficiado. Essa é a posição da SEAP. Existe a legislação para punir, existem as multas, então que os órgãos responsáveis façam isso. A SEAP como órgão de fomento vai fazer ações para o setor que quer produzir corretamente, porque acreditamos nos benefícios sociais e econômicos da atividade, e que sendo feita de forma correta não causa impactos. Aliás, toda atividade, por si só, causa impactos e só existe uma forma de não causar impacto ambiental, que é não produzir nada. Mas, nós não podemos nos dar ao luxo de não produzir. Numa primeira conversa com o Itamar (Itamar de Paiva Rocha, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC), discutimos algumas estratégias de participação da SEAP junto ao setor. Se analisarmos a aqüicultura isoladamente da carcinicultura, veremos na Estatística da Pesca 2004, publicada recentemente pelo Ibama, um crescimento, mas a carcinicultura isoladamente caiu e, por sua vez, ocasionou a queda na produção aqüícola do país. Vamos então, tentar minimizar os impactos, e essa será a posição da SEAP para 2006, desde que acordado com todo o setor.
Pergunta Encaminhada por Itamar de Paiva Rocha – Presidente da ABCC
1) Itamar Rocha – Por que a SEAP vem permitindo o aumento das agressões do IBAMA/MMA contra a carcinicultura brasileira, prejudicando sobremaneira o pequeno produtor, que tem nessa atividade uma real oportunidade de inclusão social no meio rural do litoral brasileiro?
Felipe Matias: Não é que permitamos que o Ibama persiga, mas não temos ingerência sobre isso, pois foge totalmente da nossa alçada. Quem somos nós para dar permissão ou negar uma permissão para o Ibama fazer ou deixar de fazer alguma coisa? Não nos cabe isso. Estou tendo a oportunidade de freqüentar, como aluno especial, um doutorado em economia e, por conta disso, tenho lido alguns trabalhos que mostram os benefícios da carcinicultura. Mas acho que o carcinicultor que age errado, a própria ABCC deveria divulgar, para que nos diga: esse é errado e nós somos favoráveis à punição. Esses errados são 1% ou 2% ou quantos % representem sobre o total. Mas existe uma porcentagem, que eu acredito ser a maioria, que trabalha de uma forma correta. Acho que é por aí.
2) Itamar Rocha: 60% dos produtores, justamente os pequenos, não dispõem de Licenças de Operação e, por conseguinte, estão impedidos de ter acesso às linhas de financiamento. Como se explica o fato de, a despeito de inúmeras cobranças, a SEAP nunca ter promovido qualquer reunião com os Governos Estaduais ou mesmo com o próprio MMA/IBAMA, para mediar propostas de superação desse problema?
Felipe Matias: Nós promovemos em novembro passado, um grande encontro aqui em Brasília com todos os órgãos estaduais de meio ambiente. Não sei quantos produtores exatamente não possuem a licença, mas a licença infelizmente não somos nós aqui da SEAP que emitimos. Temos que fazer uma ação conjunta e, no caso da carcinicultura, unir os proprietários de laboratórios, fábricas de ração etc., e mostrar qual a importância desse setor, o número de empregos que gera que, se não me falha a memória, são 57 mil ou 67 mil empregos. Enfim, acho que é dessa forma. O grande enfrentamento de 2006 é sentarmos para resolver o problema do licenciamento. A gente gira, gira em torno da aqüicultura e cai no problema do licenciamento. Temos que atacar esse foco do licenciamento e depois eu acho que as coisas vão caminhar. Daí poderemos mostrar à população, os impactos e a importância da aqüicultura sustentável.
3) Itamar Rocha: Considerando a relevância da carcinicultura, no contexto do setor pesqueiro brasileiro, porque a SEAP e o Governo do Presidente Lula, nada fizeram para ajudar na superação dos problemas decorrentes da ação anti-dumping e da incidência da IMN (Vírus da Mionecrose Infecciosa) no Nordeste, os quais, aliados a desvalorização cambial, já contribuíram para uma redução de 30% na produção e exportação de camarão do Brasil?
Felipe Matias: Em relação ao antidumping e às doenças que apareceram, acho que faltou diálogo. Tenho convicção disso, pois eu não estava na SEAP e sabia do problema pelo qual passava o setor. Acredito que esse governo tem feito muito e tem tentado fazer muita coisa pela aqüicultura, mas nós não conseguimos resolver em três ou quatro anos uma demanda que foi reprimida nos últimos 20 anos. A carcinicultura realmente começou a despertar como um grande potencial nos últimos cinco ou dez anos. Mas, por ser uma coisa nova, já que vinha sendo desenvolvida à margem do governo, quando surgiram os problemas faltou diálogo por parte do governo e a atividade se implantou por si só. Agora o que interessa é que estamos abertos para ver de que forma nós vamos atuar. O problema não passou, passou o antidumping, mas as doenças estão aí. Nós estamos investindo em Santa Catarina na UFSC, para que façam um centro de qualidade, de rastreabilidade. Estamos investindo também no Labomar que tem um pessoal muito bom. O que acontece com a SEAP é que quando ela não faz alguma coisa, todo mundo fala e quando ela faz, ninguém fala. É muito mais fácil a gente colocar a culpa no outro. Aceito as críticas que forem relativas a SEAP, mas as ações estão aí, estão sendo feitas e estão sendo financiadas. Muita coisa está sendo feita, principalmente no caso das doenças da mancha branca.
4 – Itamar Rocha: Por que a SEAP não atendeu as inúmeras solicitações da ABCC, no sentido de atuar junto ao BNDES, Banco do Brasil e, em especial ao BNB, para disponibilizar recursos para o financiamento do custeio operacional e da formação de estoque regulador, imprescindíveis para a superação da generalizada descapitalização e da queda de preços em razão de nuances sazonais do mercado internacional?
Felipe Matias: Não estou negando, mas desconheço que a SEAP não tenha atendido aos pleitos, mas se houve isso, o que eu tenho a dizer é que nós agora estamos abertos pra conversar. Temos muito bom acesso ao Banco do Nordeste e estamos dispostos a conversar sobre qualquer demanda, não só da carcinicultura, mas da aqüicultura com um todo. Qualquer entidade de ensino superior, entidade de pesquisa, de extensão, de produção, ou seja, qualquer entidade que trabalhe com aqüicultura, que queira desenvolver a aqüicultura e que queira botar a aqüicultura para frente, pode ficar tranqüila, pois nós estamos aqui aptos a ajudar no que for necessário. Essa porta está aberta.
Jomar Carvalho Filho: Eu queria que você se sentisse à vontade agora, para colocar alguma coisa que não tenha sido possível dizer ao longo das respostas que deu… Enfim, o que você desejar.
Felipe Matias: Agradeço a oportunidade desse contato, deixo aqui a SEAP de portas abertas. Estamos aqui abertos para negociação, para abrir diálogos, para enfim, concretizar as ações que forem necessárias para o desenvolvimento da aqüicultura. Não cabe ficar daqui para frente dizendo: você fez isso ou você não fez aquilo. Cada um de nós sabe que poderia ter feito mais. Tenho certeza de que todos poderiam ter feito mais, setor produtivo, governo e entidades de classe. O que interessa é que podemos conversar sobre todas essas demandas e qualquer outro assunto que diga respeito ao desenvolvimento da aqüicultura. Estamos aqui para que consigamos avançar nessas negociações. O que interessa para a SEAP hoje é que a atividade se desenvolva, não importa de quem seja o mérito. O governo Lula está preocupado em dar agilidade aos processos. Vamos focar no ponto do licenciamento, mas se o setor achar que deve focar outro ponto nós estamos aptos aqui a conversar. Estamos aqui na SEAP sempre a disposição Jomar, e agradeço a oportunidade. Eu só peço que realmente a gente tente fazer um movimento de união pela aqüicultura, de agregar todo mundo e deixar de lado todas as mágoas que por acaso tenhamos. Vamos unir o setor produtivo, o governo, enfim, todo mundo, para que a gente consiga resolver ou, pelo menos minimizar, esses problemas.