Entrevista: Felipe Matias

Rumores da saída de Felipe Matias da Secretaria de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura do Ministério da Pesca e Aquicultura motivaram inúmeras manifestações por e-mail na lista de Discussão Panorama-l, dando a dimensão da sua importância junto ao setor. Em entrevista concedida ao editor Jomar Carvalho Filho, Felipe fala a Panorama da AQÜICULTURA sobre os momentos marcantes da sua permanência no MPA, suas expectativas e sua decisão em buscar novos rumos profissionais.


Jomar Carvalho Filho: Procedem as informações de que você está mesmo deixando a Secretaria de Planejamento e Ordenamento da Aquicultura do MPA?
Felipe Matias:
 É verdade sim. A partir do momento da mudança de ministro deixamos o cargo à disposição e estamos fazendo o processo de transição, que é salutar para o setor. É uma questão de responsabilidade passar todas as informações do setor da aquicultura, toda a memória desses sete anos que estivemos no governo. Isso é mais do que um dever, é uma obrigação, então estamos tratando disso e eu devo oficialmente ser desligado no dia 14 de março, semana que vem.

Jomar Carvalho Filho: Desde quando você ocupou esse cargo?
Felipe Matias:
 Fiquei sete anos no governo. Entrei em maio de 2005, como coordenador de extensão da antiga SEAP (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca) e seis meses depois virei o Diretor de Aquicultura com a saída do João Scorvo, que iniciou todo esse processo. Depois, com a criação do Ministério, virei Secretário. Então já são sete anos no governo. É uma vida, não é?

Jomar Carvalho Filho: O que exatamente motivou a sua saída?
Felipe Matias:
 Jomar, depois de sete anos no governo, a gente sabe que conseguiu avançar algumas coisas estratégicas, básicas para o desenvolvimento na aquicultura, e que isso já está sendo colhido. Já temos resultados e que irão frutificar no futuro, mas em sete anos há também um processo de desgaste, um cansaço. Além do mais, tenho outros objetivos profissionais, outros desafios que me atraem muito.

Jomar Carvalho Filho: Você pode falar um pouco desses desafios?
Felipe Matias:
 Claro, obviamente que esse desafio é a aquicultura. Eu entrei na faculdade com 17 anos, vou fazer 42, já são aí quase 25 anos no setor, 18 de formado. Vou trabalhar com a aquicultura, sempre trabalhei e sempre irei trabalhar com a aquicultura, não terei um cargo político nem vou trabalhar em alguma outra área. Eu só sei fazer isso e vou continuar fazendo isso. Tenho um desejo acalentado, há muito tempo, de passar um período fora do país, e devo estar concretizando esse sonho nos próximos meses, mas sempre trabalhando pelo desenvolvimento da aquicultura, agora não mais só no Brasil. O desafio agora que eu devo enfrentar é América Latina, Caribe e África. Usar um pouco da experiência, do conhecimento adquirido nesses anos todos e tentar ajudar esses outros países amigos, que reconhecem que o Brasil deu um grande salto e que pedem que a gente ajude. Esse é o desafio que devo enfrentar nos próximos anos.

Jomar Carvalho Filho: Durante esse período em que você ficou no Ministério, quais foram os momentos que mais marcaram a sua passagem pelo governo? Você saberia enumerar alguns?
Felipe Matias:
 Sem dúvida, o primeiro deles foi ter sido convidado para esse desafio que foi a criação da Secretaria, quando passamos a ter o nosso próprio endereço. Isso marcou muito, me lembro muito bem, eu trabalhava numa associação de municípios lá no Ceará, com o desenvolvimento no litoral leste do Ceará, no momento em que fui convidado. Não esqueço o momento em que eu cheguei aqui e que a gente foi construindo junto com tantos outros abnegados, carregando computador nas costas, dividindo computador, levando cadeira e mesa para todo lado. Outro momento marcante, já dentro da área da aquicultura, sem nenhuma dúvida foi quando ficou resolvido o processo de cessão de águas de domínio da União. Isso marcou pra mim, para a Secretaria, para o Ministério e para todo o setor. Foram 17 anos de negociação, quatro presidentes, três decretos, inúmeras Instruções Normativas e não se resolvia, até que a gente conseguiu resolver em 2008, entregando as primeiras áreas de domínio da União para fins de aquicultura, lá no Lago de Itaipu. Esse foi um grande momento, a gente ter propiciado a democratização do acesso da água. O nosso grande diferencial são os reservatórios e o litoral que temos para a produção na aquicultura continental e na aquicultura marinha. Ter resolvido isso, apesar do processo ainda ser burocrático demais e precisar ser agilizado, nós já estamos colhendo o início dos resultados, pois o aumento da produção está vindo exatamente daí. Então eu não tenho nenhuma dúvida de que têm vários outros fatos marcantes, mas esse sem dúvida é uma questão que ninguém vai macular, ninguém vai poder questionar, porque há seis, sete anos atrás se dizia que isso nunca ia ser resolvido e nós resolvemos. Toda a equipe, o Ministério, pessoas que passaram noites se dedicando. Agora o desafio é exatamente agilizar, é ordenar, é fazer a gestão, o monitoramento ambiental, o monitoramento da gestão como está. Sem dúvida, esse foi o grande momento.

Jomar Carvalho Filho: Dentre as metas que foram alcançadas pelo MPA, a seu ver, qual é a de maior importância para o futuro da aquicultura no país? Você acha que seria essa?
Felipe Matias:
 Eu considero que nós tínhamos aí um tripé necessário, que servirá de base para o desenvolvimento futuro da aquicultura brasileira. O primeiro deles era a resolução do processo de cessão de águas da União, porque como eu disse, é o grande diferencial, é o que nenhum outro país tem. Nos outros países quem tem dinheiro compra uma área, vai lá e produz. Aqui a gente conseguiu fazer desta forma e fazer gratuidade para as populações em vulnerabilidade social. Esse grande diferencial repercute muito lá fora, e é isso que nos fez alçar a condição de ajudar os outros países, e é o que vamos fazer daqui pra frente. Então a cessão de água da União é uma ponta desse tripé. A segunda ponta é o processo de licenciamento ambiental, quando depois de seis anos, em 2009, conseguimos aprovar a resolução CONAMA de número 413. Essa resolução possibilitou o impedimento de que os estados pudessem emitir o licenciamento, mesmo que em áreas da União. Isso não era acordado, havia divergências, e alguns estados como Pernambuco e Ceará davam licença e outros não. Então o processo de licenciamento ambiental, tanto para águas da União quanto para a aquicultura em geral, é a segunda perna deste tripé. A terceira perna desse tripé é, uma vez resolvidas a licença e cessão, a construção de um monitoramento e a gestão das áreas aquícolas. Este é o ponto que nós estamos agora. Com este tripé, que precisa ser melhorado, eu repito que não tenho dúvidas de que são as grandes bases para o nosso desenvolvimento. Nosso lugar é estarmos entre os cinco maiores produtores do mundo, e nós vamos alcançar isso basicamente através desse tripé que a gente conseguiu iniciar.

Jomar Carvalho Filho: Analisando o outro lado dessa moeda, dentre as metas que não foram alcançadas, quais as que você julga imprescindíveis e que precisam ser implementadas?
Felipe Matias:
 Algumas coisas ainda não conseguimos efetivar, como por exemplo, o fato de que alguns estados estão agilizando o seu processo de licenciamento ambiental e outros não. Isso ainda não está totalmente equalizado e precisa ser melhorado. A segunda meta é que passado o contexto de resolver o processo de cessão, é necessária uma reformulação ou quem sabe, a criação de um novo decreto que possibilite agilizar esse processo de cessão. É preciso consolidar isto. A carcinicultura também, que eu não citei ainda, com o Código Florestal vai nos devolver o patamar e aumento da produção. A gente já retomou esse aumento, mas com novas áreas voltaremos a ser competitivos não só no mercado interno, mas também no mercado internacional. E uma terceira coisa é a questão do Censo Aquícola, que realmente me deixa insatisfeito. É óbvio que quando a gente deixa o governo sai com uma satisfação de ter feito muito, mas sempre há a frustração de não ter conseguido fazer algumas coisas. Nós tivemos uma boa ideia e uma boa intenção de efetivar um amplo censo da aquicultura brasileira, que é uma grande demanda do setor, mas por inúmeros problemas nós não conseguimos efetivá-lo com sucesso, tanto que ainda não foi publicado esse resultado. As informações que eu tenho é que agora que foi publicada a estatística 2010, até o meio do ano o censo será publicado. Acho que tem que ser publicado com todas as falhas que ocorreram, mas é preciso apresentar os resultados. Então eu carrego um pouco dessa frustração de não ter conseguido esta publicação.

Jomar Carvalho Filho: Mas, com relação ao Censo Aquícola, o aconteceu afinal?
Felipe Matias:
 Foram inúmeros os problemas na gestão do projeto do censo. Nós tivemos mais de 200 recenseadores trabalhando, e com uma estrutura pequena que o Ministério da Pesca e Aquicultura tem, é muito difícil gerenciar uma equipe desse tamanho Brasil afora. Também há a questão da credibilidade junto ao setor produtivo. Temos informações que alguns recenseadores iam fazer as perguntas e as respostas não condiziam com o tamanho da propriedade, daí os produtores muitas vezes desconfiavam de que isso era uma ação do governo, que futuramente poderia servir contra eles no tocante à parte de fiscalização ambiental ou tributária. Então é preciso que seja feito um outro de uma outra forma, mas há coisas positivas como informações importantes sobre a distribuição das espécies, perfil social do aquicultor. Tudo isso está registrado no censo. Coisas positivas e que não podem ser colocadas só como coisas negativas. Muito desta culpa é do próprio Ministério, que não publicou os resultados, mas quando os publicar, eles certamente não servirão para a parte estatística de quantidade produzida, mas sim pelos perfis, pelas espécies que são cultivadas, onde elas estão, a distribuição regional, etc. Tem muita coisa positiva que deve ser publicada com o censo.

Jomar Carvalho Filho: Existe estado onde esse trabalho foi realizado completamente? Há pendências em todos os estados?
Felipe Matias:
 Não, tiveram pendências em apenas alguns estados. A maior parte dos estados conseguiu completar. Eu dou o exemplo do Ceará que foi o piloto, pois se não me falha a memória, eram sete consultores recenseadores e eles conseguiram fechar o trabalho de forma satisfatória, mas a gente não conseguiu reaplicar isso em âmbito nacional. Em alguns estados tivemos uma cobertura melhor e em outros pior. Como isso não é um produto da Secretaria de Aquicultura, não ficou sob a minha gestão, eu simplesmente fui o executor financeiro, eu não tenho todas as informações sobre os resultados, por isso eu cobro tanto para que a Secretaria de Monitoramento e de Controle da Coordenação de Estatística publique. Ocorreu uma mudança importante na coordenação de estatística, na própria diretoria em que essa coordenação é ligada, e as pessoas que hoje estão à frente, estão fazendo um trabalho muito bom. Então eu deposito toda a minha confiança nessas pessoas, que são o Henrique César, o Bruno Morato, o secretário Américo Tunes. Eles se comprometeram e reconhecem que precisam publicar e dar uma resposta sobre o projeto do censo para o setor.

Jomar Carvalho Filho: Você sabe dizer se existem recursos alocados para um novo censo e quando seria?
Felipe Matias:
 Não há recursos alocados para um novo censo, há uma ideia de que é necessário fazer um processo mais completo, mais discutido, onde haja uma maior compreensão do setor, com o apoio da imprensa, enfim, é um desafio que a nova administração vai ter pela frente. Não acredito que neste momento isso seja uma prioridade, até pelo que ocorreu no primeiro censo, mas que é necessário sim, mais para frente. Com relação à parte da carcinicultura, há um projeto com a ABCC que vai poder cobrir a carcinicultura diretamente e nós precisamos ver se é necessário, até para o censo, ou se nós podemos com o apoio de algumas instituições, como é o caso da Epagri de Santa Catarina, que faz um brilhante trabalho. Veremos se essa experiência pode ser reaplicada ou não, ou mesmo com o próprio IBGE. Eu converso bastante com o Bruno Morato, coordenador de estatística e reforço a necessidade disso, é um jovem que acabou de entrar no governo e que está com uma grande disposição, tem uma enorme competência e eu tenho certeza e convicção de que ele vai encontrar um novo caminho.

Jomar Carvalho Filho: A gente estava falando de metas que não foram alcançadas e nos focamos no censo. Existem outras metas que não foram alcançadas?
Felipe Matias
: O Plano Mais Pesca e Aquicultura trabalhava basicamente com uma meta de produção que era a de sair de 280 mil toneladas em 2008 para 570 mil toneladas em 2011. Eu tenho informações ainda extra-oficiais baseadas nos dados de ração de 2011, que nós devemos ter ultrapassado as 600 mil toneladas. Obviamente que isso deve ser publicado durante todo o ano de 2012. Como eu falei, a coordenação de estatística tem essa precisão de que a meta de produção não só foi atingida como foi ultrapassada. Tínhamos também a previsão de termos parques aquícolas em 40 reservatórios e vamos atingir 32 reservatórios, então nós temos 80% da meta cumprida. Tínhamos a meta de 13 estados com os parques marinhos, e vamos terminar esse período com sete estados, o que dá mais do que 50% da meta cumprida. Obviamente que nos parques marinhos se tem uma maior dificuldade, a gestão do uso da água marinha é mais difícil, é onde tem o turismo, a especulação imobiliária, é onde tem a área de recreação, de navegação, e isso justifica ter sido uma meta menor atingida do que a de continentais.

Jomar Carvalho Filho: Você falou que a produção aquícola estimada para 2010 era de 400 mil toneladas e que existe uma expectativa de que em 2011 ela tenha ultrapassado as 600 mil toneladas. Já que nenhum produtor foi indagado sobre o quanto produziu, o que nos leva a confiar nesses números?
Felipe Matias
: Perfeito Jomar, a publicação da estatística de 2010 sai com a metodologia descrita, então qualquer profissional, seja da área da estatística, da aquicultura ou da pesca, pode verificar como isto foi estimado. A estatística é uma ciência um pouco complicada, porque qualquer metodologia pode ser questionada, não é? O que não se pode dizer, e aí eu desafio, é que está errada. Você pode questionar: olha, tem erro aqui. Quando nós fazemos a comparação, por exemplo, da estatística de Santa Catarina, vemos que na nossa metodologia há uma produção de 14 mil toneladas a mais do que a que a Epagri publicou. Por outro lado, a ABCC diz que em 2010 foram produzidas 80 mil toneladas e na nossa metodologia tem 69 mil toneladas, ou seja, 11 mil a menos. Então há um fator que pode ser questionado sim, mas não a metodologia. Obviamente que esta metodologia precisa ser aprimorada, especialmente quando se refere a dados estaduais. Alguns estados podem estar crescendo mais e outros menos, e esses dados podem ter um aperfeiçoamento a ser feito, mas eu acredito no setor. Em qualquer estado que você for, e você sabe, porque viaja muito por aí, que todos os estados estão tendo um aumento expressivo da produção. A base dessa metodologia estatística é o consumo de ração para a aquicultura, que cresceu em 2011, de acordo com os dados do Sindirações, 18,4% incluídos para peixe e camarão. Não se compra ração para jogar fora e se está aumentando o consumo de ração, obviamente está aumentando a produção aquícola. Essa é a co-relação à regressão linear que é a metodologia que está descrita. Óbvio que precisa sempre ser ajustada, nós vamos ter dados de produção a mais em alguns estados, especialmente ali em Santa Catarina, e alguma de produção a menos, como exemplo claro o do Piauí e do Maranhão, que a gente tem aí cerca de 2 mil toneladas e sabe que produziram mais do que 10 mil. É por isso que a metodologia precisa ser refinada, mas dizer que é errada aí eu desafio. A estatística é uma ciência que diz, que se nós temos duas maçãs, eu comi as duas e você nenhuma, pela média, cada um comeu uma. Estatisticamente está correto, você não pode dizer que está errado, mas precisa ser refinado.

Jomar Carvalho Filho: Não é uma comodidade ou talvez um erro de metodologia dar a um sindicato de ração a responsabilidade de colher um dado que vai definir a produção de pescado, se o governo não tem nenhum controle de como isso está feito dentro do próprio sindicato?
Felipe Matias
: Não Jomar, porque uma regressão linear é feita baseada em duas variáveis, no X e Y, e a ração é uma dessas variáveis. A outra variável é uma produção histórica oficial, com dados oficiais, e a corelação linear é uma metodologia estatística que tem o coeficiente de co-relação linear, que vai dizer se é válido ou não, se estatisticamente isso é válido ou não. Nós temos essa metodologia recente descrita que mostra que é totalmente válido. O que precisa é ser refinada, se é válida ou não, não há o que se questionar. O grande sonho, o grande desejo era que cada estado tivesse o seu órgão de extensão fazendo como a Epagri faz em Santa Catarina, mas eu posso assegurar que em nenhum lugar do mundo é feito dessa forma. O Chile tem a sua estatística baseada na exportação porque basicamente tudo é exportado. Eu estive na Noruega e lá também não se faz recenseamento, nem coleta em campo; a China não faz dessa forma, os principais países não fazem dessa forma. Então assim, por que no Brasil, com essa grande extensão continental, teria que fazer? Até temos que fazer, temos que buscar, mas no momento isso é impossível, isso ainda tem que ser construído. Algumas pessoas acham que o Ministério deveria ir a campo coletar, mas não temos condições para isso, é um Ministério pequeno. O MPA pode ajudar junto aos estados com os órgãos de extensão e eu acredito que o grande modelo é o modelo da Epagri, e que a gente deve estar adotando para outros estados.

Jomar Carvalho Filho: Não foram poucas as vezes em que ambientalistas dificultaram os avanços da aquicultura. Você saindo agora de uma Secretaria, de um Ministério, o que tem a dizer? O que são os ambientalistas?
Felipe Matias:
 Eu vi uma entrevista com a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, no jornal da Globo News que eu achei de uma sabedoria muito grande. Ela diz claramente que o debate é justo no ambiente de um país democrático e tem que ser feito, pois do mesmo jeito que há pressão ambientalista, tem pressão do setor produtivo. O que não se pode haver é radicalismo de ambas as partes, isto prejudica o desenvolvimento porque um radicaliza para um lado e o outro radicaliza para o outro. Isso muitas vezes foi a causa de não se conseguir avançar, especialmente na questão do camarão. O radicalismo de ambas as partes acabou repercutindo por muito tempo e a gente não conseguia aumentar as áreas de produção. Agora esse debate foi feito onde deveria ter sido feito, dentro do Congresso, tanto na Câmara como no Senado. Estamos prestes a ter o Código Florestal montado. Os deputados e os senadores foram eleitos pelo povo e são eles que fazem esse debate e vão concluir pelo Código Florestal. Então nós não podemos nos esquivar de debater. Muitas vezes esses debates são puxados por esses radicalismos e isso prejudica, mas sou sempre favorável ao debate. Dentro do Conama se tem uma pressão de movimentos ambientalistas muito forte. Conseguimos alguns avanços e não conseguimos outros, é assim que se avança. Dentro de um ambiente democrático não se impõe, acabou-se o tempo do “nós vamos fazer e pronto, quem manda aqui sou eu, eu que sou o dono”. Isso não existe mais e algumas pessoas não compreendem isso, acham que são uns tratores e que vão passar por cima dos outros, mas isso não funciona, está claro que isso não funciona, isso só prejudica.

Jomar Carvalho Filho: Temos a concorrência do panga, temos a ameaça constante de importação de camarões. Você acha que hoje o Ministério está preparado para lidar com assuntos de comércio internacional, que são contrários aos interesses dos produtores brasileiros?
Felipe Matias
: Eu acredito que sim, o que ocorreu especificamente é que antes da criação do Ministério foi autorizada a importação do panga, e aí o panga entrou e tem prejudicado uns setores, outros já se adaptaram, mas essa é uma questão que não é só do Ministério. Somos um país que é regido pelas regras da OMC em relação a comércio internacional, e essas regras têm que ser respeitadas. Não podemos ter barreiras comerciais, até porque certamente num futuro a médio prazo, voltaremos a exportar e poderá haver alguma reciprocidade em algum ponto. Eu fico tranquilo porque estamos construindo uma área de sanidade no Ministério que se preocupa com a importação, não de âmbito comercial, mas sobre os riscos de uma importação de um pescado de fora prejudicar o nosso setor. Então essas análises são feitas não para proteger comercialmente, mas proteger as nossas espécies, o nosso ambiente. É preponderante que as pessoas entendam que não podemos simplesmente proibir por proibir, porque se proíbe o pescado, mais na frente vão proibir a carne bovina ou a soja do Brasil. O que nós precisamos fazer é desburocratizar o nosso processo de licenciamento. Precisamos conseguir incentivos para aumentar a produção, ter uma produção numa escala muito maior. Assim vamos diminuir custos e dar condição de competitividade para o produtor. Não tenho medo de mercadoria importada, nós vamos ser mais competitivos do que eles, como éramos com o camarão cerca de 10 anos atrás e nós vamos voltar a ser. Sei que momentaneamente causa apreensão, mas tenho convicção de que isso vai ser superado num curto prazo.

Jomar Carvalho Filho: O MPA está vivendo um momento novo com a chegada do Marcelo Crivella e é natural que mudanças aconteçam. Você pode citar uma mudança que seja prioritária nesse momento?
Felipe Matias:
 Eu vou me reservar um pouco de responsabilidade. Acredito que nesses sete anos conseguimos fazer um bom trabalho e não é uma questão pessoal, foi toda uma equipe, um trabalho feito pelo João Scorvo, Felipe Suplicy, Marcelo Sampaio, Rodrigo Roubach e tantos outros que participaram, além dos atuais Luiz Osvaldo, Estevão, e várias outras pessoas. Antes do Scorvo, Raul Madrid, Geraldo Bernardino, André Brugger, todos ajudaram em um determinado momento, nós tivemos a nossa parte e os que virão terão a sua própria parte, então, agora na minha saída não fico a vontade para dizer o que devem ou não mudar. Meu papel agora é me despir de ser governo, mas vou torcer e ajudar de fora para que os de agora façam as mudanças que acharem para melhorar, para desenvolver. Eu estou muito esperançoso, pois sou um otimista inveterado. A aquicultura brasileira caminha bem, caminha no bom sentido, no bom caminho, com responsabilidade ambiental, com inserção social. A parte econômica caminha junto, as empresas estão todas aumentando os seus investimentos. Você pode procurar qualquer empresa do setor da aquicultura, das melhores, que você vai ver que estão ampliando os seus investimentos. As perspectivas são muito boas. Meu papel é ajudar, é não atrapalhar. Quando for solicitado para dar alguma opinião, vou opinar construtivamente. Jamais atrapalharei. Minha ideia é ajudar sempre, só que agora de uma outra forma.

Jomar Carvalho Filho: Para gente finalizar, eu particularmente acompanhei a sua trajetória profissional e sei que a sua ausência no MPA vai criar uma lacuna na comunicação entre o governo e o setor produtivo. Você gostaria de aproveitar as nossas páginas para se despedir do setor e dizer algumas palavras para os leitores da Panorama da AQÜICULTURA?
Felipe Matias:
 Eu agradeço essa oportunidade, eu cresci junto com o setor, na minha trajetória eu sempre procurei dar uma transparência, ter essa relação de interlocução, mas não acredito que ela vá se perder, porque uma vez construída isso será muito difícil. O setor vai cobrar que alguém do Ministério esteja fazendo esta interlocução e eu vejo uma boa intenção nesse sentido. O que eu tenho é que agradecer a generosidade com que a esmagadora maioria dos leitores da Panorama, os panoramanautas, me trataram. As manifestações que recebi depois que anunciei que iria sair me comoveram fortemente, porque eu sou uma pessoa, além de muito otimista, muito emotiva. Receber elogios na hora que se entra é muito fácil, e pode parecer puxasaquismo, mas receber elogios na hora de sair, depois de sete anos, reconhecendo que teve falhas, isso é muito bom. É muito importante ter a certeza de ter trilhado um caminho certo, da forma correta, tratando todo mundo muito bem, tratando todo mundo com acessibilidade, respondendo a todas as questões, pedindo desculpas quando estive errado. Para mim isso é um reconhecimento. Digo e repito que essas manifestações, apesar de terem sido ditas para mim, são para a equipe. Isso aqui é de vocês. Isso é um processo de construção coletiva que vai aumentar, que vai melhorar. Eu só queria agradecer essas manifestações de carinho. Tive a oportunidade na minha vida profissional de quase 25 anos, de estar em 26 países e em muitos deles as pessoas diziam, “mas que instrumento magnífico é essa lista da Panorama-L, onde o governo, o setor, o empresário, academia, produtor, técnico, estudante, se manifestam e têm a resposta”. Então ter esse reconhecimento para mim é tudo. Quando eu vim para o governo eu tive esse conselho de tratar todo mundo bem, porque um dia eu iria sair. Agora chegou a hora de sair e eu saio muito feliz com o que a gente fez e estou muito feliz com o setor. Estou muito feliz com as atribuições que vou assumir, e tenho certeza de que a pessoa que me aconselhou, está muito orgulhosa.

Jomar Carvalho Filho: Quem vai ficar no seu lugar?
Felipe Matias:
 Jomar, você sabe que eu não sou um político, isso é uma atribuição do novo ministro e eu não tenho nenhuma pré-disposição de colocar algum nome. Obviamente sempre que eu for consultado poderei contribuir a qualquer momento, mas quanto a nomes isso é uma atribuição exclusiva do ministro. Sempre foi e assim será, então eu acredito que quando sair esse número da Panorama da AQÜICULTURA, certamente já teremos esse novo nome e eu espero que vocês continuem dando o apoio à equipe que for tocar daqui para frente.