A Panorama da AQÜICULTURA entrevistou o Secretário Executivo da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), o médico-veterinário Francisco das Chagas de Medeiros, 56 anos, na edição 153. Medeiros é empresário, sócio da Manso Aquicultura, empresa com sede em Cuiabá, que atua em diversas áreas, principalmente na fabricação de tanque-rede de grande volume e na produção de peixe. O secretário executivo Peixe BR conversou com o editor Jomar Carvalho Filho sobre o desempenho do setor, dos investimentos envolvidos que estão dando suporte a atual produção, da atuação da Peixe BR no trato dos principais gargalos para o desenvolvimento da piscicultura e do seu otimismo, mesmo diante do atual cenário econômico. Para Medeiros o comportamento do mercado é de aquecimento, o que o faz acreditar que apesar da conjuntura de incertezas, sua estimativa para o setor é de expansão. Leia a seguir o que a Peixe BR tem feito para seguir no propósito de elevar o padrão de eficiência da piscicultura brasileira e também valorizar o seu trabalho perante a sociedade, os órgãos governamentais e os agentes internacionais
Panorama da AQÜICULTURA – Qual o perfil dos associados da Peixe BR?
Francisco Medeiros – A Associação Brasileira da Piscicultura, conhecida como Peixe BR, agrega no seu corpo os produtores de peixe, produtores de alevinos, indústria de ração, indústria de equipamentos, indústria de medicamentos, consultores, técnicos e profissionais da área de piscicultura e o objetivo é reunir todos os agentes da cadeia, para que possamos fazer um ordenamento da aquicultura e, principalmente, discutir políticas públicas.
Panorama da AQÜICULTURA – E como ela surgiu no cenário da piscicultura nacional?
Francisco Medeiros – A Peixe BR veio para substituir a Associação dos Processadores de Tilápia do Brasil (AB-Tilápia), que reunia, há algum tempo, empresas do setor. No início de 2015, após muitas reflexões, ficou decidido que era preciso uma associação que abrangesse todo segmento, com destaque para os peixes nativos e a tilápia. A Peixe BR foi concebida a partir da estrutura da AB-Tilápia e seus 13 associados deram o suporte inicial necessário, principalmente o financeiro. A boa representatividade da AB-Tilápia facilitou muito para que a Peixe BR também tivesse uma boa representatividade, como é o caso do setor de ração. Hoje 60% das indústrias de ração, que juntas produzem 540 mil toneladas anuais de ração, são associadas da Peixe BR, e estamos trabalhando no sentido de incorporar ainda mais empresas de alimentos.
Panorama da AQÜICULTURA – A exemplo da ração, a Peixe BR também avaliou o volume de peixe que é produzido por seus associados?
Francisco Medeiros – Apesar da Peixe BR contar somente com quase 50 associados, podemos afirmar que, em 2015, aproximadamente 50% da produção brasileira de peixes, ou 319 mil toneladas, foram produzidas por piscicultores associados. Isso é possível porque temos importantes associações de piscicultores que já se juntaram a nós. A maior parte da produção cearense de tilápia, por exemplo, é produzida pela ACEAQ (Associação Cearense de Aquicultura), que é nossa associada. A Aquamat (Associação dos Aquicultores do Estado do Mato Grosso), cujos sócios respondem por 80% da produção do estado também é associada da Peixe BR. A ACAq (Associação Catarinense de Aquicultura), que tem uma representatividade muito grande no Estado de Santa Catarina, também é nossa associada, assim como a Copacol (Cooperativa Agroindustrial Consolata), uma cooperativa importante com cerca de 400 piscicultores.
Panorama da AQÜICULTURA – Segundo informe da Peixe BR, em 2015 o país produziu 638 mil toneladas de peixes, onde se destacaram os redondos e a tilápia. Deu pra ter uma ideia de quanto isso representou em reais?
Francisco Medeiros – Sim, 638 mil toneladas foi o volume total que encontramos para o ano de 2015, e para estimar o quanto isso gerou em reais, usamos uma metodologia utilizada hoje pelo Ministério da Agricultura, que visa conhecer o que chamamos de valor da produção primária. Fica difícil avaliar o desdobramento da tilápia depois que saiu do produtor e foi para o frigorífico, e daí para o distribuidor, para o restaurante e no fim calcular o quanto que o peixe gerou. Trabalhamos então com o conceito da produção primária, porque são dados que estão mais à mão. Nesse estudo identificamos algo interessante: o preço da tilápia e o preço do peixe redondo, quando vão para o frigorífico, estão muito próximos. Na região de Santa Fé a tilápia é vendida a R$ 4,30 e na região do reservatório de São Simão a R$ 4,65. No caso do peixe redondo é igual. Em Mato Grosso está a R$ 4,50 e em Rondônia a R$ 4,00, mas na hora que você vai para o Amazonas, o peixe de produção está a R$ 5,00 – R$ 6,00. Então assumimos um valor médio de R$ 4,50 e avaliamos as 638 mil toneladas em R$ 2,87 bilhões. Seguindo o mesmo raciocínio, e considerando uma taxa de conversão alimentar de 1,8 e um preço médio de R$ 1,60 para o quilo da ração, concluímos que o setor de alimentos de peixes faturou, em 2015, algo em torno de R$ 1,83 bilhão. O valor primário da piscicultura brasileira em 2015 foi a soma desses valores, isto é, R$ 4,70 bilhões. Para aprimorar esses números, já estabelecemos uma parceria da Esalq que nos permitirá gerar indicadores para o setor.
Panorama da AQÜICULTURA – A Peixe BR avaliou os investimentos feitos na aquicultura brasileira, considerando a produção de peixes em 2015?
Francisco Medeiros – Sentimos que era muito importante atribuir um valor para os investimentos que fizemos até hoje, e assim conhecer quanto custa o nosso parque e quanto os produtores investiram. Fizemos um levantamento junto às indústrias de ração, junto a quem está construindo frigorífico, viveiros, etc. Conversamos com os associados que têm valores mais recentes, tanto de reformas como de construção, e pegamos o quanto estão investindo e quanto pretendem produzir por ano e geramos um valor médio para chegarmos aos investimentos feitos. No caso das fábricas de ração temos, no Brasil, investidos R$ 446 milhões, levando em consideração que neste setor é preciso investir R$ 700,00 para cada tonelada de peixe produzida. Para as instalações das unidades de produção, o investimento é de R$ 4.000,00 para cada tonelada produzida, o que nos sugere que existe no campo investimentos de R$ 2,32 bilhões. Para os frigoríficos o cálculo levou em conta que é preciso investir R$ 3.000,00 para cada tonelada de peixe produzido, apontando um investimento de R$ 1,91 bilhão Ou seja, podemos considerar que a cadeia produtiva já investiu cerca de R$ 4,68 bilhões. Apresentamos esses dados para o MAPA, porque eles não tinham ideia do montante que já se investiu na cadeia do pescado cultivado. Existe uma vontade de fazer políticas públicas, mas não tinham ideia de quanto custa o investimento na cadeia, já que o pensamento muitas vezes fica detido na produção. Mas não tem como alguém produzir se não houver investimentos em fábrica de ração, frigorífico, e investimento lá na base. Os recursos para financiar os investimentos têm que vir para todo mundo, e não apenas um setor ou um segmento.
Panorama da AQÜICULTURA – Os dados dos investimentos já feitos para frigoríficos são surpreendentes…
Francisco Medeiros – Temos esses dados por região. Um dado extremamente interessante é que temos muitos frigoríficos parados. Começaram a funcionar e pararam. Em Mato Grosso, por exemplo, a gente tem três frigoríficos parados; você vai em Rondônia e tem um funcionando e dois ou três parados; em São Paulo tem muitos frigoríficos parados, e a gente está tentando descobrir a razão para isso. Mesmo com tantas unidades paradas, temos uma demanda por mais unidades de processamento. Num primeiro diagnóstico, verificamos um problema relacionado à escala. Hoje, frigoríficos com determinados tamanhos não têm mais condições de funcionar. Não são competitivos, a não ser que produzam um produto para um nicho de mercado.
Panorama da AQÜICULTURA – A Peixe BR também realizou estudos sobre o custeio da produção?
Francisco Medeiros – Sim, identificamos que o produtor gastou em média R$ 3,90 para cada quilo de peixe que produziu em 2015. Esse valor, multiplicado pela quantidade de peixe produzida, nos dá o valor total do custeio, que totalizou R$ 2,4 milhões. E não podemos esquecer que praticamente todo esse montante foi com o dinheiro do próprio produtor. Quando fizemos esse estudo, os produtores nos declaravam que o custo de produção era de R$ 3,50 – 3,60. Mas, quando perguntávamos se eles estavam incluindo nos cálculos a depreciação, custo de oportunidade e outros itens importantes relacionados ao custo de produção, eles nos diziam que não. Foi quando demos conta de que os custos de produção eram maiores do que falavam, daí termos chegado ao custo médio de R$ 3,90. No nosso setor são pouquíssimas as empresas que estão com os custos de produção afinados e têm um sistema de administração refinado para coletar dados e gerar informações precisas sobre o custo de produção. Esses 2,4 milhões de custeio que mencionei foi um valor que também nos surpreendeu, porque a gente acreditava em números menores. Mas não são.
Panorama da AQÜICULTURA – Conhecer o custeio é muito útil para orientar uma política eficiente de crédito.
Francisco Medeiros – Sim, esses resultados nos permitiram fazer uma projeção do custeio necessário para viabilizar a produção nos próximos 10 anos. Se considerarmos um crescimento de 10% ao ano, estaremos produzindo 1,65 milhão de toneladas de peixes, em 2026. E o custeio da produção ao longo desses 10 anos, deverá ser nada menos que R$ 12,13 trilhões. Repare que projetamos um crescimento conservador de 10%. Nós já tivemos anos que crescemos 15%, 17%, 20%, ou seja, a gente tem crescido a uma taxa muito maior do que os 10% do cenário que acabei de mencionar. Consideramos o crescimento de 10% como um crescimento fisiológico, ou seja, a piscicultura cresce isso aí naturalmente. Aliás, isso já nos diz que nos próximos dez anos a piscicultura crescerá pelo menos 10% ao ano, a não ser que aconteça alguma coisa muito excepcional. Repare também que na economia atual, com um PIB negativo de 4,8%, estamos falando de um setor que está crescendo pelo menos 10%. E com um detalhe importante – sem a intervenção de dinheiro de banco – ou seja, o próprio produtor está se capitalizando e fazendo o seu reinvestimento, numa prática que tem se repetido nos últimos anos.
Panorama da AQÜICULTURA – Como foi para a Peixe BR a extinção do MPA?
Francisco Medeiros – Nós tínhamos acordos com o ministro Helder Barbalho com relação aos trâmites dos processos e fomos surpreendidos com a extinção do MPA. Isso inicialmente provocou uma paralisia. Na ocasião conversamos principalmente com o Felipe Matias e com o Cleberson “Binho” Zavaski, e eles deram continuidade no processo, dentro do que eles tinham de recursos, e assim foi possível uma análise dos processos que estavam lá amontoados. Mas, ao final do ano a equipe da aquicultura do MPA foi desarticulada. No início desse ano, no MAPA, tinha uma equipe de 10 pessoas. Nós acompanhamos os processos e cobramos da ministra Kátia Abreu uma solução. Obtivemos um compromisso do novo Secretário de Monitoramento da Pesca e da Aquicultura, Marlon Cambraia, que o MAPA irá dar celeridade, principalmente nos processos que já estão prontos. São 1.644 processos prontos, aguardando apenas o edital de licitação das áreas, que é uma ação que o MAPA tem que fazer. Tem que chamar a equipe jurídica e licitar.
Panorama da AQÜICULTURA – E todas essas áreas já estão sendo ocupadas informalmente pelos produtores?
Francisco Medeiros – Não. A maioria não está sendo ocupada, apesar de termos algumas regiões em que isso está acontecendo, como Ilha Solteira, São Simão, Furnas e Três Marias. Nos outros estados a ocupação de área solicitada é muito baixa. Mas Ilha Solteira, para você ter uma ideia, tem 120 mil toneladas de outorga liberada e uma produção em torno de 30 mil toneladas. Então não está sendo ocupada do jeito que poderia. Tem gente produzindo, mas estão bem aquém porque grande parte do setor precisa do dinheiro do banco para os seus investimentos e, sem essa legalidade, não conseguem. Esse é um dos entraves. Já levamos esse assunto para dentro do MAPA que, inicialmente teve uma outra leitura, achando que quem deveria fazer isso era SPU e não o próprio MAPA. Agora já estão em nova fase, achando que os estados podem fazer isso. Então nós estamos iniciando um terceiro momento que é o de ajudar na organização de modus operandi disso dentro do MAPA.
Panorama da AQÜICULTURA – Quer dizer que ainda não está clara a forma como o ministério vai atuar diante desses 1.644 processos?
Francisco Medeiros – Não, não está decidido. São 1.644 processos prontos para serem entregues. Mas nós ainda temos lá mais de mil solicitações aguardando o fim do trâmite. Existem várias linhas de pensamento dentro do ministério. Tivemos uma reunião com o secretário de políticas agrícolas, André Nassar, aqui na sede da Peixe BR. Ele não é do setor, mas é alguém da confiança da ministra, alguém que ela escuta. Depois de nos ouvir ele sugeriu que, a exemplo do que já foi feito com outros setores, poderia ser criada uma força tarefa, um grupo de trabalho com um prazo pré-definido para resolver o problema, e esse caminho nos pareceu ser interessante. Quando a gente fala de 1.644 áreas, nós estamos falando de parques aquícolas e áreas aquícolas e, até hoje, grande parte do que foi liberado são parques aquícolas. De áreas aquícolas liberadas, que é aquela que o próprio produtor escolhe a área e solicita, não chegam a 150 até hoje. É um número muito pequeno.
Panorama da AQÜICULTURA – E quantos parques aquícolas já estão liberados?
Francisco Medeiros – Parques são muitos, tem mais de mil áreas. Mas aconteceu que o parque tinha uma conotação política. Vou dar um exemplo: há uns 5 ou 6 anos foi feito um parque – Breu Branco I, II e III lá em Tucuruí. Um total de 600 e tantas áreas aquícolas para o pequeno pescador e pouquíssimas áreas para o setor da iniciativa privada, denominado processo oneroso. Após esses anos todos, das 600 áreas aquícolas não onerosas, não tem nenhuma produzindo até hoje e o único que está produzindo se encontra numa área onerosa, que é o Gilberto Vaz. O estado gastou muita energia nos parques aquícolas porque politicamente isso foi muito importante, principalmente na gestão do ministro Crivella. Isso deu sustentação para o ministério porque movimentava realmente e criava essa expectativa de renda que é extremamente importante para essa população. Só que não chegou ao final, que é o dinheiro, por meio do crédito, para a turma trabalhar.
Panorama da AQÜICULTURA – Você comentou a ideia do MAPA ser garoto propaganda no exterior, do peixe cultivado no Brasil. Como é que seria isso?
Francisco Medeiros – É um trabalho que tem sido feito com bastante êxito pela ministra Kátia Abreu, que é sair pelos países potenciais compradores da nossa proteína oferecendo produtos, fazendo comércio internacional. Isso tem dado resultado e tem efetivamente aberto os mercados para suínos, aves e principalmente bovinos. Ela chega com algodão, milho, soja, suínos, aves e bovinos e o que nós queremos é que ela chegue com os nossos peixes, principalmente com a tilápia que já é um produto conhecido lá fora e o mercado já está comprando. Por que isso? Porque para um produto de qualidade nós temos competitividade, principalmente se o dólar continuar como está, nessa faixa de R$ 3,80 a R$ 4,00.
Panorama da AQÜICULTURA – Você fala do filé fresco?
Francisco Medeiros – Filé fresco e até mesmo o filé congelado, com baixo glazing, sem injeção de água e de um bom tamanho. Nós já temos muitos produtores trabalhando com a tilápia de 800 g-1kg, dando um filé bonito, grande, enquanto a China e o Egito trabalham com uns filezinhos pequenininhos. Eu acredito que a gente tenha mercado para esse tipo de produto. Com relação aos nativos, ainda é uma incógnita e um mercado que nós vamos ter que construir. Então vamos trabalhar com o mercado que a gente tem hoje e que é o filé de tilápia.
Panorama da AQÜICULTURA – Para que o Brasil seja competitivo que tipo de ajuda é preciso receber?
Francisco Medeiros – Ajudaria a desoneração de PIS/COFINS da ração. As rações de aves e suínos não pagam PIS/COFINS, somente a do peixe. Queremos a isonomia e isso melhora a competitividade. Os números falam de 3% a 7%. Outro ponto é melhorar rapidamente a questão de genética dos nossos peixes. Ela não é ruim, mas ainda tem muito espaço para crescer. Outra aspecto é o da alimentação, principalmente da linha de rações premium. São rações com uma qualidade maior, com o preço de mercado também maior, mas que trazem resultados que podem ser mensurados pelo produtor, como baixa conversão alimentar e melhor rendimento de filé. Isto porque o que a gente quer é ter um melhor rendimento de filé para negociar com o frigorífico. Outro aspecto importante é a questão dos equipamentos, como bombas de despesca e classificadores que reduzem o custo de produção com redução de mão de obra e permite uma padronização do produto final.
Panorama da AQÜICULTURA – Ainda sobre competitividade, como você vê a ração brasileira frente a ração fabricada em outros países?
Francisco Medeiros – Somos competitivos. O valor do nosso quilo de ração é um dos melhores do mundo. Somos mais baratos do que os hondurenhos, os colombianos, os mexicanos e até dos próprios chineses.
Panorama da AQÜICULTURA – Você tem ideia de quanto somos mais barato?
Francisco Medeiros – Muito mais barato. Hoje na pior das hipóteses estamos uns 10-15% melhores que eles. Esse é um aspecto que não tem como fugir. Estamos bem nesse aspecto. O que nós precisamos melhorar é a qualidade da ração, tanto nos nutrientes que se coloca, como no processo de elaborar a ração. A maioria das nossas fábricas de ração tem equipamentos antigos, com 10 anos ou mais de uso. São equipamentos que eles fazem uma moagem grossa, que no momento da extrusão não faz uma boa gelificação, um bom pré cozimento, e isso vai interferir negativamente. Eu estou colocando uma matéria prima de qualidade e não estou conseguindo tirar dela tudo que ela tem de potencial. Nesse aspecto os chineses, os mexicanos, os hondurenhos, os colombianos estão melhores do que a gente. Eles estão com uma Ferrari lá na ponta. Nós precisamos melhorar o nosso parque industrial.
Panorama da AQÜICULTURA – Existe algum risco de entrada de peixe importado prejudicando o produtor brasileiro?
Francisco Medeiros – Hoje existe. Existem ofertas de empresas chinesas que colocam o filé congelado em Santos a R$ 16,20 + 10%, considerando o dólar atual ao redor de R$ 4,00. Chineses querem fazer a festa no mercado nacional. São várias propostas assinadas e encaminhadas. As empresas de venda chinesa são muito fortes. Identificaram as oportunidades de mercado e estão fazendo pressão. Já vendem muito peixe, como o panga e a polaca, que vai do Alasca para a China e da China vem para cá.
Panorama da AQÜICULTURA – Existe também o risco de peixe redondo importado entrar no Brasil?
Francisco Medeiros – Hoje eles conseguem entregar aqui na faixa de US$ 1.30 o quilo do peixe redondo eviscerado. Os chineses estão trabalhando com a pirapitinga, que é a caranha, e que lá chamam de Pomfret e a Red Pomfret ou Red Pacu. É um peixe pequeno, na faixa de 800g, e aumentou muito nos últimos dois anos a oferta desse peixe no mercado internacional.
Panorama da AQÜICULTURA – Nesse cenário, o que preocupa e merece a atenção dos piscicultores brasileiros?
Francisco Medeiros – Nos preocupa mais a tilápia. Temos no Brasil um mercado de filé fresco e filé congelado. Nos grandes centros você tem uma venda expressiva de filé fresco, mas pelo Brasil afora é o filé congelado. O preço que os chineses colocam aqui, com imposto de importação é o nosso custo de produção. É o preço que sai do frigorífico hoje, em torno de R$ 18,40 o quilo do filé. Então esse peixe importado tem uma competitividade muito grande. O risco é o seguinte: os próprios frigoríficos que têm distribuição vão diminuir o seu processamento, vão continuar vendendo o filé com sua marca, mas o peixe será importado. E isso vai desestabilizar toda a cadeia de produção que construímos nos últimos anos.
Panorama da AQÜICULTURA – De que forma a Peixe BR está se mobilizando para evitar que isso aconteça?
Francisco Medeiros – Nós procuramos os caminhos legais. Consultamos com relação a um possível dumping. Mas isso não é possível porque pelas leis da organização mundial do comércio o dumping só pode ser acionado depois que um produto já está aqui no mercado há no mínimo três anos, para que seja possível identificar o prejuízo que ele causou no segmento. Não existe dumping preventivo. Procuramos o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e MAPA. A diretoria de defesa econômica do MDIC informou que existe uma lista de exceção. Cada país tem 100 produtos que pode colocar a taxa de importação que quiser. Mas essa lista está cheia, e para colocar um produto tem que tirar outro do mesmo segmento. E o único do segmento é a sardinha, que teria que sair para entrar a tilápia. É possível? Sim é possível, mas não é coisa que se resolva em menos de um ou dois anos. Já no MAPA, nos garantiram que a tilápia não entra sem que seja feito um estudo de análise de risco sanitário. E existe outro detalhe importante: o frigorífico que quiser vender a tilápia no Brasil precisa antes se habilitar no MAPA. Não temos, até o momento, nenhuma solicitação de habilitação de frigorífico de tilápia. No fundo Jomar, já há um certo consenso de que nós temos que nos preparar para daqui dois anos termos a competitividade necessária.
Panorama da AQÜICULTURA – Podemos considerar a exportação um caminho inevitável?
Francisco Medeiros – Exatamente. Como o nosso peixe da aquicultura não está nos portfólios de vendas internacionais, a venda para fora do país tem sido muito pequena. Mas, com o aumento da produção, isso tende a mudar. Desses processos que estão tramitando lá no MAPA, de gente que protocolou e está aguardando o título de cessão, isso corresponde a 1.850.000 toneladas de peixe. Os processos estão lá aguardando o ministério bater o martelo e entregar o papel para a pessoa produzir. Mas, se aumentarmos a produção, não teremos como colocar esses peixes no mercado e vamos ter que exportar mesmo, e o momento é agora. Eu vejo esses próximos 24 meses como um momento de nos prepararmos em todos os sentidos para irmos para o mercado internacional e voltamos a falar de competitividade para começar a participar. E teremos inclusive o benefício do drawback. Precisamos ter o pescado nos programas internacionais de divulgação das nossas proteínas. Estamos solicitando que o MAPA comece a fazer um programa para o peixe e comece a oferecer. Então é uma mobilização em todos os sentidos e numa velocidade muito rápida, porque quando falamos que queremos estar exportando em 24 meses, para quem vai entrar de férias é muito longo, mas para esse setor, para essa ação, é um prazo muito curto.
Panorama da AQÜICULTURA – Você pode resumir, o drawback e os seus benefícios?
Francisco Medeiros – É uma política de desoneração de impostos dos insumos utilizados na cadeia de produção voltada para um produto que é exportado. Um exemplo: se você utilizou ração, a fábrica de ração lá atrás já fica desonerada de pagar PIS/COFINS; você comprou embalagem, etc., esses insumos não pagam PIS/COFINS e todos os impostos federais ficam desonerados. Você pode comprar insumos em outro país, importar insumos e esses insumos vêm desonerados, não tem imposto de importação, não tem IPI, não tem PIS/COFINS, e quando você compra insumos importados você não pega nem ICMS. Estaremos ganhando competitividade trazendo produtos que são utilizados nos outros países, que melhoram a competitividade dele, trazendo a um preço extremamente interessante. Esse é o drawback. Criamos um grupo de trabalho para quantificar e levantar item por item o que pode ser desonerado e fazer uma conta no final para saber quanto que efetivamente vai nos trazer de competitividade. A certeza é que o setor de aves e suínos faz isso muito bem e estão competitivos em função dessas ações do drawback. E isso é uma informação do MDIC. 40% das exportações do agronegócio hoje usa o drawback. É uma tendência na nossa economia e é uma política de governo.
Panorama da AQÜICULTURA – Então é urgente que gargalos como o licenciamento ambiental, prerrogativa dos estados, precisam ser solucionados. Como a Peixe BR está vendo o avanço do licenciamento nos estados?
Francisco Medeiros – Esse é o nosso maior gargalo. O problema maior é que depois que se estabeleceu a Lei Complementar 140, que passou para os estados a gerência dos licenciamentos ambientais, cada estado resolveu fazer política própria. Como o setor não era um setor importante na economia quando da criação das legislações, houve uma interferência muito grande dos órgãos ambientais e ficou muito engessada, e a questão do licenciamento em alguns estados acabou dificultando um pleno desenvolvimento. Na primeira reunião que nós tivemos com a ministra Kátia Abreu nós falamos desse problema e ela estabeleceu um critério para trabalharmos com cinco estados e ver se a gente consegue um protocolo de melhoria desses processos. Os estados que mais avançaram foram Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Paraná, e são esses os principais estados produtores. Nós temos bons exemplos também de estados com produção menor, mas os principais estados que efetivamente avançaram são esses. O Paraná, inclusive, está avançando para o sistema eletrônico, em que o próprio produtor entra e faz todo licenciamento. Os três grandes gargalos que nós temos hoje são Goiás, São Paulo e Minas Gerais.
Panorama da AQÜICULTURA – Vamos falar um pouco sobre esses três estados?
Francisco Medeiros – Dos três, Minas Gerais que é o estado que eu acredito que estamos mais próximos de resolver essa questão. São detalhes com relação a entendimento. A ANA quando libera a água da união dá uma outorga preventiva para, somente depois que o processo se instalar, dar a definitiva. E o Estado de Minas Gerais, com essa preventiva, diz que não dá a licença para operação. Então são pequenos detalhes. O segundo estado que estamos vivendo uma situação única no Brasil é o Estado de Goiás, onde as licenças de operação para a formação dos parques foram entregues. Os títulos foram entregues e foram liberadas as licenças de operação para a formação dos parques aquícolas de Canabrava e Serra da Mesa, no Rio Tocantins. Mas agora, no início do ano, o órgão ambiental do Estado de Goiás suspendeu todas as renovações de licença para tilápia, e estamos atuando diretamente com o setor de meio ambiente. E eles fazem uma leitura diferenciada da portaria do Ibama que fala que a tilápia está presente na bacia. Estamos com esse impasse em Goiás. O estado que começou nos últimos dois anos e deu um grande salto de produção, principalmente nessas áreas novas do rio Paranaíba e do rio Tocantins.
Panorama da AQÜICULTURA – E o Estado de São Paulo?
Francisco Medeiros – São Paulo é o maior problema que temos hoje. São pouquíssimas licenças de operação. Foi elaborado um decreto em 2014 e todos acreditavam que iria resolver o problema. Mas na elaboração do decreto ainda ficaram uns pontos em que dava liberdade ao órgão ambiental para criar parâmetros para análise e licenciamento e os parâmetros acabaram sendo bastante rigorosos. Nós temos o caso da MCassab, que conseguiu fazer o seu licenciamento após vários anos e após ter gasto aproximadamente R$ 200 mil. As taxas são altas e o trâmite é muito demorado. Isso está tendo consequências sobre os investimentos, que estão sendo dirigidos para outros estados que fazem fronteira com São Paulo. Existe um fato bastante curioso. A ANA liberou uma outorga de 850 mil toneladas para os lagos da União no Estado de São Paulo. Mas, pelo menos 734 mil toneladas outorgadas estão em lagos que fazem a divisa com Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. O que nós estamos observando agora é a migração dos empreendimentos dos produtores de São Paulo para esses estados. Tentamos sensibilizar o governo de São Paulo pela parte ambiental e não tivemos muito sucesso. Estamos agora tentando fazer uma sensibilização via bolso, com argumentos de que o estado vai perder esses investimentos, como de fato já está perdendo. Jupiá é um lago na divisa com Mato Grosso do Sul, tem uma outorga de 160 mil toneladas, e isso não significa que são 80 mil para cada estado. Quem ocupar primeiro ocupou. Mato Grosso do Sul está totalmente dentro da lei e o processo de licenciamento lá é simplificado, enquanto do lado de São Paulo não é. Mas temos um fato extremamente importante que foi a nomeação do Luiz Ayroza para presidência da APTA. Ele é um técnico que sempre esteve junto do setor produtivo e nesse momento o estado está com as ferramentas para efetivamente fazer um decreto e sensibilizar os técnicos, principalmente da Cetesp, de que nós precisamos ter isonomia de políticas ambientais.
Panorama da AQÜICULTURA – Hoje, mesmo diante dessa conjuntura política e econômica que a gente está vivendo, o que você identifica que está sendo mais prejudicial para a atividade?
Francisco Medeiros – É o licenciamento ambiental. Este é o principal item, principalmente porque os órgãos de financiamento não liberam recursos se não tiver licenciamento ambiental. Isto está matando a atividade no ninho.
Panorama da AQÜICULTURA – Quais os efeitos da crise econômica para a piscicultura?
Francisco Medeiros – O impacto do dólar nos afeta diretamente. Mais do que o resto da crise econômica. Por quê? Porque o alimento do nosso peixe é praticamente soja e milho, que são commodities, portanto estão atreladas ao dólar. Se temos um aumento de custo e eu tenho uma redução do poder de compra, estamos numa armadilha horrível. Hoje se a condição estivesse outra, a gente podia estar praticando preço de R$ 4,70 – R$ 4,80 o quilo do nosso peixe. Mas o consumidor lá na ponta não consegue pagar. O câmbio hoje está abrindo uma porta para exportação, e está fechando um monte de portas para o mercado interno. É por isso que temos que trabalhar para sermos competitivos no mercado interno em momentos de dólar baixo, de dólar alto, ou seja, temos que estar inseridos no mercado global. Hoje as principais redes têm o market share muito grande, principalmente no filé de tilápia. O mercado está vendendo aí em torno de R$ 26,00 em média o quilo e a gente tem encontrado nos supermercados peixe de R$ 40,00, R$ 45,00 e R$ 50,00 o quilo, e isso não tem nada a ver com crise, isso tem a ver com política de quem está comprando e vendendo.
Panorama da AQÜICULTURA – Existe peixe sendo estocado por que não tem para quem vender?
Francisco Medeiros – É até difícil falar isso porque nessa semana recebemos aqui um monte de gente querendo comprar peixe. Estamos na quaresma, um momento que existe um aumento no consumo de peixe. Mas estamos tendo um aumento na demanda de peixe por parte dos frigoríficos. As pessoas que estão com dificuldade para vender têm, principalmente, problemas de logística por estarem muito longe. Um frigorífico ligou e eu perguntei – e agora vocês estão comprando tilápia com que distância? Disseram que com 900 km eles estão indo buscar. Então esse é um indicador de que o mercado está fluindo, está seguindo. Não acredito em um desabastecimento, não acredito em desaquecimento nesse momento.