Entrevista: Geraldo Bernardino

O nosso convidado dessa edição 141 é Geraldo Bernardino, Secretário Executivo Adjunto de Pesca e Aquicultura, da Secretaria de Estado da Produção Rural do Amazonas (SEPROR/AM), que na entrevista concedida ao editor Jomar Carvalho Filho, apresenta um panorama da aquicultura na Região Amazônica. “Geraldão” como é carinhosamente conhecido por toda comunidade aquícola, é mestre em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar e graduado em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará.


Panorama da AQÜICULTURA – A produção da região amazônica saiu de 30 mil toneladas em 2003 e dez anos depois chegou as 140 mil toneladas, um aumento de aproximadamente 400% em uma década. Podemos dizer que esses números mostram que já existe um modelo consolidado de crescimento, ou ainda é cedo para falar sobre isso? Este crescimento tem a ver com políticas especialmente voltadas para a região? 

Geraldo Bernardino – Sem dúvida dentre os vários segmentos produtivos que compõem o agronegócio da Amazônia, a aquicultura vem ganhando projeção, tanto no mercado interno como no mercado externo, em virtude de novas demandas que vêm surgindo decorrentes, principalmente, de novos hábitos de consumo na busca de uma vida mais saudável. Além do mais, a região amazônica possui potencial para o desenvolvimento da atividade por ser a maior do país; apresentar condições climáticas favoráveis; possuir abundantes recursos hídricos para aquicultura; grande quantidade de áreas degradadas. Sob o ponto de vista da logística, tem localização privilegiada em relação aos países do oeste e norte da América do Sul (Bolívia, Equador, Peru, Chile, Colômbia e Venezuela) e América Central, com saídas pelos Andes (Pacífico), se visarmos o mercado da Ásia, e pelo rio Madeira/Amazonas, se visarmos o mercado da Europa e EUA. E tudo isso contando com a existência de instituições de ensino, pesquisa e extensão com conhecimento na área de aquicultura, e investimentos governamentais em curso (construção de hidrelétricas, ferrovias, hidrovias e portos, entre outros). Chegamos na aquicultura um pouco atrasados. Não percamos tempo. Precisamos dialogar mais entre os poderes públicos, os produtores, os empresários e a sociedade civil organizada para elaborar um plano que permita colocar a aquicultura na agenda do agronegócio na Amazônia e, consequentemente, implementar um modelo de crescimento consolidado e de sustentabilidade. Precisamos ser cautelosos e disciplinados. O caminho a percorrer é como subir um rio com grandes corredeiras – não podemos ter o direito de perder o rumo ou errar, sob pena de descer e não subir mais. Devemos buscar, antes de mais nada, a tarefa de planejar com mais responsabilidade. Alardear o potencial da aquicultura na Amazônia é o que tem sido feito pelo poder público, entretanto, buscar soluções práticas e definitivas, na maioria das vezes não tem passado do discurso. No plano Amazônia Aquicultura e Pesca do MPA (2009 a 2015), uma das metas é atingirmos uma produção aquícola de 505.000 toneladas até 2015. Pela previsão do MPA é possível observar o descompasso entre o politicamente planejado e o real obtido. Tal fragilidade traduz a falta de instrumentos e a capacidade de coordenação do Estado para tornar suas políticas públicas factíveis. Recentemente dados do Ministério da Pesca e Aquicultura, estimam uma produção da aquicultura de 224.000 toneladas para o Estado do Pará e 170.000 para o Estado do Maranhão. E aí vai um recado importante: é preciso evitar que os planos, programas e projetos do setor, por não atingirem seus objetivos e metas, sejam chamados de “estória pra boi dormir” ou “estória de pescador”.

Panorama da AQÜICULTURA – Quais os novos desafios que surgiram a partir desse crescimento?

Geraldo Bernardino – O desafio atual não é entre crescer e não crescer. A questão atual é: qual o crescimento que queremos para ter um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável? Como sabemos, a aquicultura na Amazônia está fundamentada em pequenas e médias propriedades e este aspecto é extremamente importante para região, onde se busca o crescimento do setor, o aumento de renda e a fixação do homem na terra. Especificamente quanto à produção, a aquicultura tem avançado a passos largos. Esse avanço se deve ao melhoramento tecnológico e gerencial das propriedades, aos ganhos de escala com aumento do tamanho dos empreendimentos, a adoção de práticas de manejo sanitário e alimentar, a consolidação de novas alianças comerciais, ao acesso a recursos de crédito rural, serviços de assistência técnica e à abertura de novos mercados. No entanto, o crescimento do setor produtivo não foi suficiente para manter a rentabilidade do produtor, que está em desvantagem tanto na venda dos seus produtos quanto na aquisição dos insumos. Um novo modelo deve ser estabelecido para que o mercado continue crescendo e toda a cadeia continue a prosperar no longo prazo. Entre estas medidas incluem-se a incorporação de novas tecnologias produtivas, redução de custos e o lançamento de novos produtos que venham de encontro aos desejos de um novo consumidor. Para atingir tal objetivo, a cadeia deve estar mais integrada, envolvendo parcerias entre o setor produtivo e comercial, com o intuito de atender demandas específicas do consumidor. O fato é que nunca esteve tão claro que a escala de produção é um elemento fundamental para o sucesso da atividade aquícola nas condições da Amazônia. Na realidade, sabemos muito pouco sobre essa definição de “módulos mínimos economicamente sustentáveis”, que ainda é um assunto em aberto, em face das diferentes espécies, sistemas de produção e realidades regionais. Portanto, é imprescindível que vinguem as Parcerias Público-Privadas, instrumento relevante para atrair investimentos, além de fortalecer as organizações cooperativas para acompanhar as novas tendências do mercado. A produção aquícola na Amazônia continuará próspera, sim, mas para que permaneça se desenvolvendo com qualidade e sustentabilidade, a cadeia ainda precisa superar muitos desafios para consolidar sua produtividade, qualidade, eficiência e competitividade, evitando que o futuro fique mais distante. Para tanto, é necessário ter capacidade empreendedora, investimento na geração e domínio de novas tecnologias, investimento na assistência técnica, na infra-estrutura, na montagem de um sistema eficiente de defesa sanitária, na certificação de qualidade de origem (rastreabilidade), nas boas práticas de produção e fabricação e, na regionalização da política aquícola. Torna-se fundamental um amplo debate sobre o impacto das políticas públicas, em especial dos impostos, juros e encargos sociais na rentabilidade e na competitividade da cadeia produtiva da aquicultura, e o efeito da redução das alíquotas nos insumos que mais pesam na estrutura de custos do processo produtivo. Sabe-se que a desoneração dos tributos apenas nos principais insumos (ração, mão de obra, óleo diesel e energia elétrica), considerados essenciais, já seria suficiente para melhorar os indicadores de eficiência dessa cadeia. Outra questão importante é que em todo mundo crescem os gastos com biosegurança na aquicultura e o Brasil tem que seguir este caminho investindo mais, inclusive com recursos privados, para implementar um programa de sanidade aquícola. A verdade é que o Amazonas tem ampla capacidade de produzir alimentos com a aquicultura. Porém, passou o tempo de “em se plantando tudo dá”, e os caminhos atuais são traçados pela inovação e a gestão competitiva.

Panorama da AQÜICULTURA – O mercado consumidor da cidade de Manaus tem um papel muito importante no suporte ao crescimento da aquicultura em estados vizinhos. Entretanto, os produtores do Estado do Amazonas se diziam prejudicados por não conseguirem competir com os produtores dos estados vizinhos no que se refere ao custo de produção. Esse problema ainda persiste? O que mudou? Quais os benefícios que os produtores dos estados vizinhos já desfrutam, e que ainda faltam aos produtores do Estado do Amazonas?

Geraldo Bernardino – Os recentes avanços da aquicultura na Amazônia se fazem com base em uma nova era de qualidade e preços para o pescado de alto valor comercial, como tambaqui, pintado, pirarucu e híbridos. E, em consequência, acirra a competição pelos mercados, tanto entre produtores, empresas e estados. Nesse ambiente de competição, além da qualidade, tamanho, sabor, cor, aparência, vida de prateleira e homogeneidade, outros fatores também ganham importância, como a estrutura de distribuição e constância de fornecimento. Diante desse quadro, intermediários, feirantes e redes de supermercados, mediante acordo com produtores e empresas, montam estruturas próprias de logísticas e distribuição, e cuidados de pós-captura, adequados para atender os seus compradores e consumidores. Por outro lado, inserido num mercado globalizado, os produtores do Amazonas sofreram um enorme impacto com a venda do tambaqui “ruelo” (2 a 4 kg), provenientes dos Estados de Rondônia e Roraima. Para aqueles que não acreditavam na concorrência e competitividade foi uma amarga surpresa. E isto exigiu que os produtores amazonenses tivessem uma percepção imediata do momento atual da atividade, a fim de que pudessem em tempo, reestruturar seus negócios e planos. O obstáculo chama-se “comercialização”, e esse sim, é o verdadeiro desafio dos próximos anos. Comparando a evolução dos preços do pescado produzido com o dos principais insumos, como a ração, observa-se quanto o produto ficou mais caro. De 2005 a 2013 o preço da ração cresceu 68,9%, de R$ 0,90 para R$ 1,52/kg, enquanto o aumento do preço do pescado ficou em torno de 10%, de R$ 5,00 a 5,50/kg. Sem considerarmos a escala de produção, o tamanho da propriedade e adoção de tecnologias, as quais merecem análise a parte, o custo de produção do tambaqui variou no período de R$ 2,76/kg para R$ 4,67/kg de peixe vivo. As informações existentes mostram que o gasto com ração representa de 60 a 70% do custo total de produção do pescado em cativeiro. Por sua vez o custo de ração no Estado de Rondônia é, em média, 40% mais baixo que o praticado no Amazonas, o que viabiliza a produção em escala e menor custo de produção. Logicamente, podemos afirmar que o preço da ração se apresenta como o principal responsável pela exportação de tambaquis cultivados do Estado de Rondônia para o mercado da cidade de Manaus, algo em torno de 15.000 toneladas/ano. A exemplo de outros estados deverão surgir empresas integradoras e formação de parcerias e alianças estratégicas, com a finalidade de reduzir os custos de produção e de transação. No mercado interno, as perspectivas de consumo do tambaqui in natura no curto e médio prazo são muito reduzidas. O foco será novos consumidores, especialmente aqueles pertencentes à classe média e alta, atendendo às suas exigências por produtos que se diferenciam por atributos de qualidade e praticidade. Por fim, cabe ressaltar que em razão de sucessivas queixas da indústria do pescado e de aquicultores, aludindo a concorrência desses estados vizinhos que contam com vantagens competitivas diferenciadas, ficou decidido que o Estado do Amazonas, com o objetivo de eliminar o mercado informal – a despeito das preocupações com a qualidade do pescado – tomará medidas para garantir o cumprimento das normas fixadas nas regulamentações sanitárias, ambientais e tributárias nas comercializações interestaduais do pescado. Mas é preciso ter em mente que qualquer estratégia de desenvolvimento da aquicultura que pretenda responder ao imperativo sócio-ambiental do Estado do Amazonas, somente poderá ter sucesso e crescimento se estiver apoiada numa política de incentivo para aquisição de insumos e no apoio a construção e ampliação dos empreendimentos familiares.

Panorama da AQÜICULTURA – Se tomarmos o tambaqui como modelo, qual é a variação que iremos encontrar no custo de produção nos diferentes estados? No que se refere a alimentação, o preço de uma ração de qualidade varia muito entre os estados da região?

Geraldo Bernardino – As diferenças regionais alteram de forma significativa o resultado obtido e podem ser explicadas pelas variações do nível de tecnologia empregada, dos custos dos insumos, dos custos administrativos e dos preços pagos ao produtor. Os resultados mostram que em um mesmo estado, são significativas as variações no custo de produção. Já as práticas de manejo e índices zootécnicos variam muito pouco, ficando a cargo dos preços pagos pelos insumos a responsabilidade por uma variação maior. Nesse item os custos tendem a favorecer os produtores dos Estados de Mato Grosso e Rondônia, pela disponibilidade de ingredientes, maior número de fábricas de rações, melhor infraestrura e logística e maior concorrência no comércio, além do menor custo de frete. Por outro lado, os custos administrativos tendem a ser maiores nesses estados, porque os salários são maiores, a fiscalização sobre encargos sociais mais efetivas e há relativa escassez de mão de obra. Na Amazônia o sistema convencional de produção do tambaqui “ruelo” atinge, entre 9 e 12 meses, uma produtividade de 6 a 10 toneladas/hectare com conversão alimentar aparente de 1,8 a 2,2:1,0. Entre os estados, a diferença de preços médios pagos pelos produtores por quilo de ração e o que é recebido por quilo de tambaqui, são respectivamente: Mato Grosso (R$ 1,12 e R$ 4,00); Rondônia (R$ 1,16 e R$ 3,80); Acre (R$ 1,24 e R$ 5,50); Amazonas (R$ 1,52 e R$ 5,50) e Roraima (R$ 1,56 e R$ 5,50). Considerando uma produtividade média de 8 toneladas por hectare e conversão alimentar de 2:1 podemos estimar um custo médio de produção e lucro por quilo para os estados de, respectivamente: Mato Grosso (R$ 3,45 e R$ 0,55); Rondônia (R$ 3,56 e R$ 0,24); Acre (R$ 3,82 e R$ 1,18); Amazonas (R$ 4,68 e R$ 0,82); Roraima (R$ 4,80 e R$ 0,70). A relação de troca de tambaqui por quilo de ração variou de: Mato Grosso (3,57 kg de ração/kg de tambaqui); Rondônia (3,27); Acre (4,43); Amazonas (3,67); e, Roraima (3,52). De modo geral o preço recebido é suficiente apenas para cobrir os custos operativos efetivos de piscicultor de produtividade média e os de pequena escala. A análise mostrou a necessidade premente de obter ganhos de escala nos sistemas produtivos desse peixe. O planejamento da produção passa por várias fases e os produtores dispõem de diversas fontes de informações que podem aumentar a produtividade e os ganhos de peso e de eficiência alimentar concorrendo para minimização dos riscos e maximização da rentabilidade. De maneira contínua e acentuada, devemos chamar e capacitar os produtores a se adaptarem ao novo contexto produtivo e organizacional que está se delineando.

Panorama da AQÜICULTURA – Ainda sobre o tambaqui, qual foi o legado do Projeto Aquabrasil para a aquicultura da Amazônia?

Geraldo Bernardino – Numa entrevista para a Aquabio afirmei que a inovação tecnológica permanente e continuada é condição definitiva na conquista e manutenção da aquicultura de espécies nativas. Mas, antes de pensar nas mudanças é necessário entender o que vai ser mudado. Neste sentido, o conhecimento das demandas tecnológicas e não tecnológicas é fundamental para o desenvolvimento da aquicultura na Amazônia. Acredito, inclusive, que muitas das prioridades dos produtores, das indústrias e dos consumidores, não estão necessariamente relacionadas à geração de novas tecnologias, mas sim ao esforço para a difusão do estoque de tecnologias já disponíveis e capazes de alavancar o desenvolvimento da aquicultura. Na prática, o que se tem observado é a falta de um elemento moderno e eficaz, capaz de minimizar esse distanciamento e que venha efetivamente beneficiar o usuário maior, que é o aquicultor/produtor rural. Podemos dizer que o importante é abrir a “caixa-preta” do conhecimento, fazendo com que os pesquisadores e técnicos interajam com produtores em todas as etapas do processo de geração, difusão e adoção de tecnologia. Cada vez mais, devemos entender que o processo de inovação tecnológica é holístico e atualmente encontra-se pulverizado em ações estanques desenvolvidas por diversos agentes institucionais. O caminho que temos a seguir é o da eficiência, da prioridade e da construção de um pacto institucional entre os diferentes agentes com interesse na aquicultura, de forma a possibilitar a elaboração e desenvolvimento de projetos de médio e longo prazo alocados em redes multi-institucionais e multidisciplinares. É preciso reconhecer que é possível trabalhar de maneira integrada sem descaracterizar e desconstruir suas competências institucionais, tendo como denominador comum a necessidade do aumento da capacidade instalada. Ou se faz uma mudança na maneira de se trabalhar projetos de aquicultura na Amazônia ou então não teremos avanços significativos. O projeto AquaBrasil tinha exatamente estes objetivos. Tratava-se de um projeto de pesquisa multi-institucional e interdisciplinar que tinha como objetivo contribuir para o desenvolvimento sustentável e competitivo da aquicultura no Brasil, com ênfase nas espécies tambaqui e surubim achara, tilápia e camarão branco. O modelo de gestão utilizado no projeto foi o participativo e trazia no seu bojo um grande apelo na área de melhoramento genético e a implementação da Parceria Público-Privada. É sabido que um dos problemas que afetam a capacitação tecnológica brasileira é o distanciamento entre as empresas privadas e as instituições de pesquisas. É uma questão sistemática e até cultural: “pesquisa é responsabilidade única do governo!”. Entretanto, países como os Estados Unidos e Japão já adotam com muito sucesso e há bastante tempo, uma metodologia de desenvolvimento de projetos compartilhada entre o governo e as empresas privadas. Isto é, a empresa divide com o governo todos os custos e os resultados da fase de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias associadas a um determinado projeto. Essa parceria permite várias vantagens, como, por exemplo, a redução de custos para o governo; maior constância de orçamentos para os projetos; maior frequência de atualização de pesquisadores com as demandas do setor; geração de produtos de uso imediato pela empresa parceira; facilidade de transferência tecnológica para a linha de produção; rapidez administrativa entre a fase de P&D e a produção, etc. Apesar de encontrarmos um rol significativo de considerações favoráveis acerca das parcerias do setor público com o setor privado, no caso do AquaBrasil não podemos deixar de fazer algumas ponderações: quem é o responsável pelo manejo, monitoramento e conservação destes bancos genéticos de tambaqui, cachara e tilápia? Como as estações públicas e privadas de produção de alevinos poderão usufruir destes bancos genéticos? Qual a possibilidade da formação de um grupo especializado de geneticistas para assegurar a continuidade deste banco genético? Enfim, tenho receio que a nossa história, marcada por uma compreensão deturpada do trato com a coisa pública, acabe por macular uma estrutura inovadora e vanguardista entre a Embrapa, universidades, parceiros públicos e o setor privado. Sabemos que a falta de uma política explícita para as relações entre o setor público e o privado pode favorecer os interesses privados – das empresas e de um grupo de técnicos e consultores envolvidos – em detrimento dos interesses da sociedade e da aquicultura brasileira. Acredito que as atividades de cooperação envolvendo o melhoramento genético, tenham sido previamente aprovadas pelas instituições e líderes dos projetos componentes, devendo existir um parecer circunstanciado e conclusivo quanto ao mérito e ao interesse institucional.

Panorama da AQÜICULTURA – Vamos falar de legislação ambiental. Ela pode estar prejudicando produtores de alguns estados e beneficiando outros, de outros estados?

Geraldo Bernardino – O acesso ao licenciamento ambiental tem sido um dos maiores gargalos da aquicultura. De fato, a maioria dos empreendimentos, via de regra, foram constituídos ignorando e desrespeitando a legislação ambiental. Urge, portanto, a necessidade de se colocar em pauta a discussão desta temática, a fim de que a dimensão estratégica das políticas públicas e dos instrumentos existentes venha a se aproximar da realidade de milhares de aquicultores familiares que vivem nesta região, sem qualquer reconhecimento oficial dos referidos empreendimentos, sujeitos às contradições decorrentes da produção informal e da ineficácia da legislação vigente. Acrescenta-se a isto o fato do licenciamento ser a precondição imprescindível para a obtenção de financiamentos e comercialização de produtos. Apesar dessa convivência conflitiva é preciso lembrar que para o desenvolvimento da aquicultura, particularmente da região amazônica e, mais ainda, nesse novo contexto de desenvolvimento, a aquicultura e a preservação do meio ambiente, não são mais objetivos percebidos como incompatíveis, mas, ao contrário, se interpenetram e se fortalecem reciprocamente. Não há nada mais irracional do que tentar definir normas e procedimentos para ordenamento ambiental da aquicultura, imaginadas numa lei nacional, na enorme diversificação dos espaços e ecossistemas, sem o necessário conhecimento das particularidades locais. Observa-se que, atualmente, os protagonistas do processo de desenvolvimento da aquicultura estão engajados neste diálogo que já deu em várias leis, resoluções e instruções, muitas destas aceitas por representantes do setor produtivo, com destaque para a Resolução CONAMA no 413. Mas o diálogo por si só não basta na ausência de instrumentos de intervenção pública para orientar, disciplinar e responsabilizar o conjunto dos atores da cadeia produtiva da aquicultura. Tal aspecto conduz a uma primeira diretriz a ser considerada, que será o da descentralização. Isso significa, em primeiro lugar, que as funções ambientais deverão ser estendidas para o interior do Estado. Em segundo, quer dizer que este aumento da capilaridade vai se dar através de agentes que lá se encontram, ou seja, através dos municípios. Nesse caso, a ação da parceria do Estado com o município viria para se somar e potencializar os instrumentos disponíveis, evitando a duplicação de esforços e, portanto o desperdício de recursos. Como tal, requer, antes de tudo que se removam as principais fontes limitantes para o licenciamento, tais como, a falta de titularidade da terra, de oferta de serviços públicos essenciais e a insegurança das legislações ambientais. Se faz imperioso o cadastramento legal e ambiental das propriedades rurais e implementação do zoneamento econômico ecológico.

Panorama da AQÜICULTURA – E em que pé está a discussão do uso de híbridos interespecíficos?

Geraldo Bernardino – Sou cético sobre os avanços decisivos num projeto de desenvolvimento da aquicultura na Amazônia, pelo menos enquanto não comprarmos a ideia de colocar na agenda o debate do ordenamento ambiental. Quero dizer com isso que antes de escolhermos a tecnologia dos sistemas de produção que vamos utilizar, precisamos primeiro decidir que aquicultura que devemos implantar e construir na visão de longo prazo – ou seja, a regra do jogo. Visão de longo prazo não é fazer hoje o que deve ser feito amanhã, mas o que deve ser feito hoje para que não nos arrependermos amanhã. Assim, ainda que se aceite a necessidade de crescimento da aquicultura na região, não há como pensar na sua competitividade sem os padrões de concorrência determinados pelos mercados globalizados, e sem que se tenha uma definição da ação normativa do estado, ou seja, sem que sejam estabelecidas as regras do jogo. Diante dessa realidade é inevitável uma definição sobre a criação de híbridos (tambacu, tambatinga, jundiára, cachapira) na Amazônia, que futuramente poderão ser advogadas pelos ecologistas através de uma moratória para expansão da aquicultura. Uma questão nova que vem surgindo no cenário internacional com o crescimento das preocupações ambientais são as chamadas condicionalidades “verdes”, que estão sendo impostas aos países produtores de alimentos. Vale apenas mencionar aqui a chamada “moratória da soja”, pacto de empresas e associações do agronegócio que se comprometeram a não negociar a soja de áreas desmatadas do Bioma Amazônico. O produtor rural, de acordo com a legislação atual, tem o direito de desmatar até 20% de sua propriedade no Bioma Amazônico, mas, se ele plantar soja em áreas que foram desmatadas após julho de 2006, o produto não terá demanda das empresas integrantes da moratória, que respondem por cerca de 90% do total originado no país. Por isso, acredito não ser absurdo para os xiitas verdes proporem uma moratória impedindo a criação de espécies nativas da Amazônia em outras bacias hidrográficas do Brasil e, consequentemente a criação de espécies exóticas na região. Assim, o papel dos órgãos ambientais passa a ser crucial, uma vez que o tambaqui é tão exótico para outras bacias brasileiras, como a tilápia, a carpa e o catfish são para a Amazônia. O que é certo é que estamos longe de resolver este assunto, e compreender que o domínio tecnológico e marcos regulatórios, se não garantem, por certo aumentam as possibilidades de competitividade e sustentabilidade da aquicultura. Nesse cenário, não há espaço para cisão entre as estratégias regulatórias do Estado e os interesses do mercado, na falta de um desenvolvimento pactuado entre seus principais atores e a inexistência de um planejamento flexível, dialógico e participativo será um perigo para a consolidação da aquicultura. Para gerar confiança nos investidores, é fundamental garantir objetividade e clareza na regulamentação. Sem regras claras e confiança, o investimento privado não se materializa.