O Brasil contou nesses últimos nove meses com a presença de Leonard L. Lovshin, do Departamento de Pesca e Aqüicultura da Universidade de Auburn, no Alabama – USA. Sua vinda foi possível graças ao apoio financeiro da Comissão Fulbright no Brasil, da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – FAPESP e, ao apoio logístico do Departamento de Zootecnia da ESALQ – USP em Piracicaba – SP onde, além de dar aulas, Lovshin pode estudar a situação da piscicultura no interior do Brasil e suas necessidades atuais.
Em entrevista a Panorama da AQÜICULTURA antes de regressar aos EUA, em dezembro último, Lovshin, passa o seu experiente olhar pela atividade e revela algumas opiniões pessoais sobre as necessidades atuais e o futuro da piscicultura no País.
Panorama – Len, como você traçaria um panorama da aqüicultura brasileira?
Len Lovshin – A criação de peixes para consumo no Brasil começou muito recentemente e somente no últimos 10 anos foi que o interesse na piscicultura comercial começou crescer dentro do setor privado. No momento, não existe no Brasil a industrialização propriamente dita da piscicultura. Uma grande variedade de espécies é criada em um sem número de sistemas ainda não testados economicamente; nenhuma espécie ou sistema em particular é considerado o mais lucrativo e merece a preferência dos piscicultores. No momento, a piscicultura está concentrada nos estados da região Sul, de clima temperado, ou da região Sudeste, de clima sub-tropical, onde as baixas temperaturas do inverno fazem com que, durante 3 ou 4 meses do ano, as condições de criação de espécies tropicais se tornem impossíveis ou precárias. Entretanto, estas regiões apresentam o mais alto padrão de vida do país, concentram o maior mercado de pescado, têm a indústria da alimentação animal bem desenvolvida e uma malha viária que pode ser utilizada em qualquer estação. As vantagens econômico-financeiras e mercadológicas são bastante atrativas ao estabelecimento das atividades da piscicultura nas regiões Sul e Sudeste. Entretanto, tanto o poder público como o setor privado brasileiros deviam reconhecer que piscicultores e processadores localizados em regiões de clima tropical, criando espécies tropicais, levam uma grande vantagem, representada por uma estação de produção de doze meses, em relação aos piscicultores e processadores localizados em climas mais amenos. No momento, quase todo peixe produzido pela piscicultura é escoado através dos pesque-pagues, garantindo preços altos e elevadas margens de lucros aos piscicultores. Entretanto, com o aumento da produção e da venda dos peixes como pescado para consumo, ao invés de vivo para os pesque-pagues, os preços de mercado vão cair, seguindo as tendências econômicas das outras criações animais. Quando as margens de lucro diminuírem, apenas os piscicultores mais eficientes e competitivos vão sobreviver. Será que os tilapicultores do Paraná serão então capazes de competir economicamente com os tilapicultores de Goiás ou da Bahia pelos mercados doméstico e internacional?
Panorama – A escolha do peixe adequado para cada região poderia mudar esse cenário?
Len Lovshin – O Brasil possui a maior e mais diversificada fauna de peixes de água doce do mundo. Entretanto, poucas espécies foram testadas para aproveitamento em piscicultura; no momento, apenas duas ou três são utilizadas na piscicultura comercial. É necessário pesquisar e selecionar outras espécies apropriadas para piscicultura. A Bacia Amazônica representa a maior fonte de espécies potencialmente utilizáveis em piscicultura do mundo. Tristemente não existe em toda a Bacia Amazônica uma única estação de pesquisa em piscicultura bem estruturada e adequadamente financiada. As principais estações de pesquisa em piscicultura são localizadas na região Sudeste, onde as temperaturas de inverno causam altas mortandades de espécies amazônicas em tanques a céu aberto, ou na região Nordeste, fora da Bacia Amazônica.
Panorama – Existe uma tendência de mercado favorável aos produtos processados como os filés e os fishburguers. A piscicultura poderá atender essa indústria de processamento?
Len Lovshin – Os critérios para a seleção de espécies para produção de peixes para consumo devem incluir a ausência de ossos intramusculares – espinhos, em forma de “Y”. A presença deste tipo de espinhos na carne do pescado elimina a possibilidade de produzir filés que possam ser comercializados em supermercados ou exportados. Tambaqui, pacu e matrinxã são espécies muito boas para criação, mas sua comercialização como peixe de mesa com peso inferior a 2,0 kg é difícil por causa dos espinhos. Alguns pesquisadores e piscicultores preconizam que a separação mecânica destes espinhos da carne, para produzir “fishburguers” ou outros produtos reconstituídos, vai permitir o crescimento da indústria da piscicultura baseada nestes peixes. Entretanto, acho impossível que carne de pescado desossada e reconstituída em “fishburguers”, “nuggets”, etc., oriunda de peixe produzido em piscicultura, possa competir com os mesmos tipos de produtos manufaturados a partir de pescado marinho de baixo valor comercial ou até das carcaças de poedeiras ou perus.
Panorama – O que é preciso então, na sua opinião, para que se estabeleça, de fato, uma indústria de piscicultura no Brasil?
Len Lovshin – Indústrias da piscicultura são geralmente estabelecidas quando os produtores colhem peixes em quantidades maiores que aquelas que podem ser comercializadas localmente, justificando assim a construção de um frigorífico local que possa armazenar e preservar o pescado para transporte e venda em mercados distantes. O aumento da produção atrai para a região as fábricas especializadas em alimentos para peixes, o que diminui o preço do alimento. Eu acredito que fazendas de grandes dimensões, com viveiros de vários hectares, localizadas em regiões de clima tropical, com água abundante e com um suprimento de grãos a baixo custo, vão se tornar a fonte dominante de pescado cultivado no Brasil. Nestas condições o uso da água vai ser limitado à manutenção do nível dos viveiros, e a aeração vai ser o principal método de controle dos níveis de oxigênio dissolvido na água. Uma vez que o fluxo d’água vai ser restrito, a emissão de efluentes dos tanques vai ser minimizada, reduzindo o potencial de poluição ambiental do sistema.
Panorama- A criação de peixes em gaiolas poderá competir lucrativamente com a criação em viveiros de terra?
Len Lovshin– Gaiolas flutuantes alojadas em reservatórios de hidroelétricas podem também produzir grandes quantidades de pescado ao longo ao ano. Se a poluição ambiental puder ser controlada, o peixe criado em gaiolas vai competir positivamente com aquele criado em viveiros de terra. A menos que o custo de uso da água seja baixo e sua distribuição seja feita por gravidade, os sistemas intensivos de produção, que usam grandes quantidades de água para eliminar detritos das unidades de criação, não devem ser capazes de competir economicamente com os sistemas de viveiros estáticos ou gaiolas. Acredito também que sistemas fechados de criação, que usem aquecimento e recirculação da água visando produzir peixe o ano todo em regiões com inverno rigoroso não vão ser lucrativos no Brasil.
Panorama – Como você vê o futuro da piscicultura brasileira?
Len Lovshin – Certamente o futuro da indústria da piscicultura brasileira vai ser baseado na exploração de espécies nativas. Outra espécie que deve ser criada em larga escala é a tilápia, uma vez que a tecnologia de criação da espécie pode ser imediatamente aplicada no Brasil, o mercado doméstico para a espécie já existe na região Nordeste e o mercado internacional Europeu e Norte Americano consome tilápia processada. O Brasil tem potencial de se tornar um grande produtor e fornecedor mundial de peixe de água doce. O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda tem terra e água disponíveis para piscicultura, abundantes e a baixo custo. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de soja e milho, componentes básicos da maioria dos alimentos usados em piscicultura. A maior parte do território brasileiro tem clima tropical, que permite o crescimento contínuo dos peixes. Entretanto, o governo é moroso no fornecimento de assistência técnica, na alocação de recursos para investimentos e no estabelecimento da legislação que o setor privado necessita para desenvolver atividades de piscicultura de uma maneira sustentada. No momento, o acesso de produtores ou agentes financeiros à assistência técnica especializada, seja de especialistas do governo ou privados, é muito limitado. Muito dinheiro foi e continuará sendo investido erradamente em projetos de piscicultura com poucas chances de sucesso financeiro. Entretanto, destes erros deve surgir o entendimento necessário ao estabelecimento de uma indústria bem sucedida da piscicultura no país. Com o aumento da produção, melhoria da qualidade e queda no preço, a demanda do grande e crescente mercado consumidor do Brasil por produtos originados do pescado vai aumentar. A crescente demanda por pescado no Brasil e no mundo vai estimular o setor privado a investir na piscicultura. Os piscicultores brasileiros devem aprender com a experiência de piscicultores bem sucedidos em outros países. O conhecimento e a tecnologia dos outros lugares deve ser cuidadosamente avaliada e testada no Brasil, de modos que os modelos lucrativos de piscicultura possam evoluir baseados na própria experiência brasileira. Eu deixo o Brasil com boas recordações, e desejo boa sorte e sucesso financeiro à toda comunidade da piscicultura brasileira.