Convidado pelo Colégio Brasileiro de Nutrição Animal e pelo IBAMA – GTCAD, Michael B. New participou em novembro último do Simpósio Internacional sobre Nutrição de Peixes e Crustáceos, realizado em Campos do Jordão, e do Encontro Nacional de Produtores de Camarões de Água Doce, realizado em Vitória. Nessas ocasiões, compartilhou seus conhecimentos com nutrição de camarões marinhos e de água doce e sua experiência bem sucedida na Tailândia, ao final da década de 70, onde plantou as sementes da carcinicultura de água doce que permitem a esse país ocupar a liderança na produção mundial de Macrobrachium rosenbergii.
Nos últimos 25 anos, New trabalhou em mais de 30 países tropicais, principalmente na Ásia. Com temperamento suave e bem humorado, Michael New afirmou entre risos que, por conta desta vivência em países tropicais, não adquiriu nenhuma experiência com espécies de clima temperado, “eu não sei nada a respeito de salmão e truta …”. A Panorama daAQÜICULTURA teve o privilégio de conversar com esse respeitado biólogo inglês, cidadão do mundo, conhecido mundi¬almente pelas inúmeras publicações na área aqüícola e em especial pelo seu consagrado “Manual de cultivo do Macrobrachium rosenbergii”, editado em 1984 pela FAD, uma leitura obrigatória de todos aqueles que se dedicam ao cultivo dessa espécie. A seguir, um bate-papo informal acontecido em Vitória, por ocasião do evento de produtores de camarão de água doce.
Panorama – Antes de mais nada é um enorme prazer em tê-lo
conosco. Quando aconteceu seu primeiro contato com o Macrobrachium
rosenbergii?
Michael New – Em 1969,na Inglaterra, eu trabalhava numa fábrica de
rações para animais e já tinha grande interesse na aqüicultura. Achava
que, além das rações que fabricávamos, deveríamos começar a fazer alimentos
também para peixes. Devido a esse interesse, um economista da
companhia me solicitou um estudo curioso, pois estava interessado em
cultivar o Macrobrachium rosenbergii na Inglaterra, em condições ambientais
controladas. Fizemos um estudo e o resultado mostrou que seria
técnicamente viável, mas economicamente inviável. Seria impossível
competir com países tropicais quando se tem que pagar pelo calor para
manter a água a 28ºC. Na Inglaterra isto seria ridículo. Mas eu diria que
o mergulho mais aprofundado no cultivo de Macrobrachium aconteceu
aproximadamente 10 anos após, em 1979, na Tailândia, quando fui enviado
como gerente de projetos da FAO, para um projeto chamado Expansão
do Cultivo de Camarão de Água Doce na Tailândia. Lá, durante
dois anos, trabalhei com colegas tailandeses, e estabelecemos sistemas
de larvicultura e de extensão. Naquela ocasião, o cultivo de camarão de
água doce na Tailândia era muito pouco desenvolvido. Quando lá cheguei,
se produzia cerca de 80 toneladas anuais. Dois anos depois, quando
deixei o pais, já se produzia 400 t/ano e posteriormente foi alcançado
o pico de 12.000 t/ano. Tornou-se uma indústria muito significativa para
a Tailândla, apesar de pequena se comparada a do camarão marinho.
Panorama – No começo do trabalho com o M. rosenbergii na
Tailândia era possível imaginar que o desenvolvimento tomaria
esse vulto?
Michael New – Não exatamente. Eu estava assustado porque na
ocasião achava que o aumento da produção iria rapidamente saturar
o mercado. Eu tinha razões para pensar assim porque, naquela
ocasião, não havia sido estabelecido, ainda, um mercado global
para o camarão de água dooe. Eu imaginava que no momento em
que o mercado local estivesse saturado, os preços iriam cair vertiginosamente
e tudo poderia terminar. E isso não aconteceu. Quando
retornei à Tailândia cinco anos depois, encontrei uma produção que
ultrapassava muito os níveis de consumo anteriores. O que aconteceu
lá é que eles aumentaram enormemente o consumo doméstico
e acredito que isso sim, deve ser de grande interesse para os brasileiros.
Panorama – Incrementar o consumo de uma espécie nativa é
bem mais fácil do que o de uma espécie exótica…
Michael New – Sim, é mais fácil estimular o consumo num país
onde tradicionalmente já se possui o hábito de comer camarão de
água doce. Ele não apenas aumentaram seu consumo próprio como
experimentaram, na mesma ocasião, um aumento na indústria do
turismo. Uma grande quantidade de camarões passou a ser vendida
nos hotéis de Bangkoc e das cidades litorâneas. Alguns dos pratos
típicos tailandeses à base de camarão de água doce tornaram-se
muito apreciados pelos estrangeiros, o que contribuiu bastante para
o aumento do consumo de camarão, nos restaurantes tailandeses da
Europa e EUA, que passaram a importar regularmente o produto.
Panorama – A partir da sua experiência bem sucedida na Tailândia
e das suas observações no Brasil, como o senhor vê o modelo de desenvolvimento brasileiro do cultivo de camarão
de água doce?
Michael New – Acho difícil fazer uma comparação direta entre a Tailândia
e o Brasil porque a indústria de camarão de água doce na Tailândia
cresceu a partir de fazendas muito pequenas que foram se multiplicando.
Houveram uma ou duas tentativas de se construir fazendas grandes
que não tiveram sucesso. Eu estou muito impressionado com o que vi
no Brasil. Não vi muita coisa, mas o que vi me impressionou. Acho
que vocês estão muito mais adiantados do que eu imaginava, tanto em
termos de pesquisas nas universidades, como nas estações do governo.
Vocês estão num estágio completamente diferente daquele que encontrei
na Tailândia em 1979. Estou otimista à respeito da prosperidade da
atividade no Brasil. Enquanto a Tailândia necessita exportar para outros
países da Ásia, vocês parecem ter um bom mercado interno, o que é algo
muito encorajador, pois poderão ficar durante muito tempo sem ter que
pensar no mercado global. Alguns dos problemas que vocês tem, entre
eles a pouca disponibilidade de pós-larvas, estão asso¬ciados a uma
falha de comunicação. A tecnologia, que está nas mãos de um número
relativamente pequeno de pessoas, não está chegando àqueles que estão
produzindo agora ou que pretendem vir a produzir. Parece muita pretensão
minha querer criticar, estando aqui há algumas semanas, mas me
parece que vocês não tem um sistema de extensão adequado e eficiente
de transferência de tecnologia para os produtores. Vocês têm a tecnologia,
não precisam importar, não precisam de nenhuma ajuda externa. Na
minha opinião, vocês não precisam de mim, por exemplo. Têm conhecimento
suficiente para fazer uma indústria de sucesso se prestarem mais
atenção na transferência dos conhecimentos para os produtores e não
mantê-los dentro da cabeça de um número pequeno de pessoas.
Panorama – Na sua opinião, o problema de disponibilidade de
pós-larvas pode ser solucionado através do estímulo à construção
de pequenas larviculturas de “fundo de quintal”?
Michael New -Certamente acho isso muito viável sob o ponto de
vista técnico, mas sob o ponto de vista econômico e cultural não
estou certo, pois não tenho a pretensão de entender a cultura do
país ou mesmo o seu sistema de comércio. Algo me diz que seria
melhor que vocês tivessem um suprimento de pós-larvas proveniente
de muitos pequenos produtores ao invés de depender de
poucos grandes produtores. Minhas observações em outras partes
do mundo é que com o passar do tempo, os grandes laboratórios
de larvicultura não se sucedem muito bem. Mas o Brasil é um país
livre e democrático, e as forças do mercado é que ajudarão a julgar
as circunstâncias. Eu acho que valeria a pena o governo brasileiro
estimular e treinar mão-de-obra para operar larviculturas de “fundo
de quintal” e deixá-las brigar comas grandes. Aí, veremos quem
poderá fornecer as melhores pós-larvas aos melhores preços. As
mais baratas não são necessariamente as melhores, e as mais caras
não são também, necessariamente, as melhores. Mas vocês podem
deixar as forças do mercado operarem.
Panorama – Estes laboratórios operariam diretamente ligados
às fazendas?
Michael New – Existe uma diferença significativa entre a Tailândia e
o Brasil. Lá, há um clima homogênio ao longo do ano, fazendo com
que haja demanda de pós-larvas o ano inteiro, ao contrário de algumas
áreas do Brasil em que há demanda somente em certos meses do ano, o
que pode tornar difícil para uma pequena larvicultura se operacionalizar.
Atenderá a uma demanda de alguns meses, e como ficará no resto do
ano? Não vejo razões para não ter laboratórios de larvicultura integrados
às fazendas. Neste caso, produzirá as pós-larvas necessárias para povoar
somente alguns hectares, e serão geradas através de um pequeno sistema
de recirculação, como o que vi no laboratório do Dr. Valenti (Centro de
Aqüicultura da Unesp). Não vejo motivo para que um laboratório não
possa ser usado 4 ou 6 meses e ser deixado de lado o resto do ano, porque
o capital investido em equipamentos é muito pequeno e, quando já
se é um produtor, já se tem espaço para montar as instalações. Em outras
partes do mundo, como por exemplo a China, também se opera larviculturas
sazonalmente. As pós larvas de Penaeus chinenses são produzidas somente
durante alguns meses, e no resto do ano eles fechamo laboratório.
Os trabalhadores seguem com os animais e operam a engorda, fazem rações, etc… Desta forma, não se tem pessoas desempregadas. Vocês têm no Brasil
algumas grandes larviculturas que se mostraram, até este momento, inaptas
para suprir essas necessidades. Devem então olhar para outras possibilidades e alternativas para suprir a demanda.E, na minha opinião, a alternativa não é incentivar
mais as grandes larviculturas, mas sim, pesquisar a possibilidade
de assentar pequenas larviculturas perto de onde as pós-larvas são necessárias.
Panorama – Mudando um pouco de assunto, os consumidores
brasileiros não gostam da textura amolecida que M. rosenbergii
algumas vezes apresenta…
Michael New – Eu acho que eles estão corretos e não devem aceitar esse
tipo de textura. Isso significa que adquiriram um produto de baixa qualidade,
em decorrência do manejo após a despesca. Não há a necessidade
de se ter um produto de baixa qualidade assim. Nos dois últimos dias,
neste seminário, ouvi pessoas que sabem como se previnir disso e fazer
um produto de boa qualidade para ser levado à mesa. O que deveria ser
feito é controlar a atividade dos produtores, de modo que eles produzam
produtos de boa qualidade, porque quando o consumidor tem uma imagem
ruim do produto é muito difícil convencê-lo do contrário. Não há
razão para que ele não tenha camarões de boa qualidade.
Panorama – Existem diferenças entre o Macrobrachillm sel¬vagem
e o criado em viveiro? O Macrobrachillm selvagem também tem
problema de textura?
Michael New – Claro, é um processo biológico natural associado a baixa
qualidade do processamento. Vai sempre depender de como ele será
pescado, abatido, transportado, estocado e comercializado. Independe se
ele foi pescado na natureza ou cultivado em viveiros. Na Ásia também
existe muito produto de baixa qualidade.
Panorama – O governo brasileiro é muito exigente no que diz
respeito a qualidade do produto à ser exportado e exige um processamento
que não está disponível à maioria dos produtores.
Como está a qualidade do Macrobrachium atualmente consumido
nos EUA e Europa?
Michael New – No passado, houve muito produto de baixa qualidade
no mercado europeu e norte-americano. Alguns países criaram uma péssima
imagem do camarão por causa desses produtos. Mas a qualidade
atual é muito boa.
Panorama – O mercado europeu está crescendo?
Michael New – Não sei, não sou um especialista em mercado.
Panorama – O senhor acredita que existe uma relação entre a queda
na produção mundial em 1991 e os problemas de mercado?
Michael New – Não acredito. Foram problemas puramente técnicos em
um ou dois países, principalmente Taiwan, que teve a sua produção reduzida
em um terço devido a problemas de super estocagem, super alimentação
e qualidade da água. Aí vieram as doenças. Não houve nenhuma
interferência de problemas de mercado. A produção mundial neste
moamento está crescendo bastante.
Panorama – Quais as suas previsões para esse crescimento?
Michael New – A produção atual está ao redor de 35.000 toneladas anuais
e deverá dobrar nos próximos cinco anos.
Panorama – A proporção da produção do Macrobrachillm em relação
ao camarão marinhos será mantida?
Michael New – Não. Acredito que proporcionalmente haverá um delicado
aumento na produção do camarão de água doce. Atualmente a proporção
é de 4% e acredito que poderá chegar nos próximos anos a 6-7%.
Panorama – O Sr. acredita que os problemas pelos quais passam
os produtores de camarões marinhos possam beneficiar os produtores
de Macrobrachillm?
Michael New – Sim, certamente. Assim como acredito também que
o aspecto ambiental do cultivo também favorecerá o mercado do
Macrobrachmm, que pode ser visto como mais “amigável” ao meio
ambiente. Existem muitas criticas, em todo o mundo, aos impactos
que a indústria do camarão marinho vem causando ao meio ambiente,
com a destruição de manguesais e a qualidade dos efluentes. Na minha
opinião pessoal o cultivo do camarão de água doce é mais sustentável,
ainda mais pelo fato de não se poder criá¬-lo em altas densidades.