Idéias e opiniões são sempre bem-vindas pois divulgam, defendem e compartilham os conhecimentos e os diversos pontos de vista. É com esse espírito que a Panorama da Aqüicultura publica a seguir a íntegra da entrevista que Francisco Nabuco de Almeida Barreto, gerente da SEAP para a Região Nordeste, concedeu ao “O Jornal de Hoje” de Natal, RN, em 27 de novembro último. No papo com o repórter Jean Valério, Nabuco falou dos entraves e das possibilidades de desenvolvimento da aqüicultura e da pesca, e destacou a necessidade da SEAP assumir algumas das atribuições que hoje são de responsabilidade do Ibama, passando assim a ordenar, licenciar e fiscalizar essas atividades, a exemplo do que hoje é feito com as atividades sob a custódia do Ministério da Agricultura.
A pesca e a aqüicultura representam hoje uma das principais riquezas econômicas do Nordeste. São atividades com imensa capacidade de expansão tendo representado 308 milhões de dólares somente em exportações em 2003. No Rio Grande do Norte, juntamente com a fruticultura e o petróleo, são as principais atividades de exportação. Demorou para que o segmento passasse a contar com o apoio de um órgão institucional. No início do seu Governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR), órgão com status de Ministério. As primeiras ações em benefício do segmento foram adotadas, mas a sua continuidade tem esbarrado na burocracia dos órgãos ambientais. Como condição essencial para o sucesso destas ações, a fiscalização, o licenciamento e o ordenamento aqüícola e pesqueiro (hoje sob o mando dos organismos de meio ambiente) devem passar a ser prerrogativas da SEAP, a exemplo do que acontece com as atividades fomentadas pelo Ministério da Agricultura. O alerta é feito pelo gerente da SEAP para a região Nordeste (SEAP-NE), Francisco Nabuco de Almeida Barreto. Em entrevista a este vespertino, ele comentou os entraves e as possibilidades de desenvolvimento aqüícola e pesqueiro para o Nordeste.
JH – Em recente visita ao Rio Grande do Norte, o Ministro José Fritsch afirmou que a Seap poderia tomar as atribuições do Ibama e dos organismos estaduais, passando a fiscalizar e ordenar as atividades de aqüicultura e pesca. O senhor confirma isso?
Nabuco – A expressão correta não seria tomar. Não queremos polemizar. Mas para instituir o crescimento aqüícola e pesqueiro é necessário que se apliquem critérios de fiscalização, licenciamento e ordenamento a partir de uma postura de fomento e não de punição. Vamos construir um cenário de normalidade jurídica e institucional na qual tenhamos liberdade para produzir nas águas.
JH – O que mudaria caso a Seap passasse a ter todas estas atribuições hoje exercidas pelos órgãos ambientais estaduais e federais?
Nabuco – Muda tudo. Em primeiro lugar o processo de licenciamento aqüícola não mais será encarado como algo cartorial, marginalizante ou mesmo preponderantemente punitivo como ocorre hoje em dia. Muito pelo contrário, numa ótica de fomento o que haverá é o incentivo ao desenvolvimento da aqüicultura, obviamente respeitando regras de convívio com os corpos d’água (e suas necessidades de múltiplo uso) em que estarão inseridos. A exorbitante cobrança de taxas para se ter o direito a produzir (o que é uma verdadeira aberração) também acaba. Nas condições jurídicas e institucionais atuais existe aqüicultura no Brasil, senão por um milagre, apenas pela persistência de gente que, mediante a certeza da rentabilidade excepcional do setor (bem acima de qualquer atividade primária lícita) ousou produzir apesar do Estado.
JH – Isso não colocará o meio ambiente em segundo plano?
Nabuco – Muito pelo contrário. Um meio ambiente sadio é o nosso maior trunfo para o desenvolvimento aqüícola. Isso porque o principal meio de produção na criação de organismos aquáticos é a água e ela precisa ser de boa qualidade. Isso não pode se dar com processos danosos ao meio ambiente. No entanto, acabaremos com a hipocrisia reinante atualmente na qual, apenas para citar um exemplo, a criação de tilápia em Paulo Afonso-BA é tratada como uma atividade marginal pelo IBAMA, enquanto que todo o esgoto da cidade é jogado no mesmo rio (uma cidade com mais de 100 mil habitantes), sem tratamento e sem ter qualquer ação por parte do IBAMA. Isso é uma estupidez!
JH – De que modo o Ibama tem atrapalhado as ações da Seap? Não seria uma “autofagia” falar mal de um órgão pertencente ao mesmo Governo?
Nabuco – Como já disse anteriormente não quero polemizar. Mas para que possamos agir como fomentadores deste segmento, precisamos ter liberdade. Os poderes do Ibama e seus similares estaduais de caráter fundamentalmente punitivos, acrescidos a partir da criação em 1990 da Secretaria Nacional de Meio Ambiente da Presidência da República são o fruto de um país empurrado para a maior crise econômica de sua história no qual um misto de recessão, corrupção, inflação, planos econômicos milagrosos e fantasias neo-liberais retiraram do imaginário da nação a possibilidade do crescimento econômico e do Estado o papel indutor deste crescimento. No âmbito da aqüicultura e da pesca a resultante foi um atraso de 15 anos contraposto apenas pela capacidade de luta daqueles que jamais deixaram de pensar e sonhar com a liberdade de produzir pescado sem ser marginalizado como traficante.
JH – E o que deverá ser feito para que essa realidade possa ser modificada?
Nabuco – O presidente Lula delegou ao ministro José Fritsch a tarefa hercúlea de recriação do fomento aqüícola e pesqueiro nacional como política pública para que tenhamos nas águas imensa fonte de produção de alimentos e riqueza. Não conseguiremos eficientemente conduzir tais ações enquanto não houver a migração de todos os poderes dos organismos de meio ambiente recorrentes ao mundo aqüícola e pesqueiro para a Seap, inclusive a transferência de seu corpo técnico e orçamento para tal. Não estamos agindo de forma extremada. Apenas pretendemos contribuir para o estabelecimento da racionalidade no setor, assim como funciona no Ministério da Agricultura.
JH – Como são os critérios de fiscalização das atividades que estão sob a custódia do Ministério da Agricultura?
Nabuco – A ações de fiscalização e licenciamento agrícola e animal no Ministério da Agricultura, instituição com 134 anos de existência, não são feitas por um organismo externo, mas pela sua Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) através dos seu Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA) e Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal (DDIV).
JH – O Brasil poderá vir a ser o maior produtor mundial de pescado?
Nabuco – Sem dúvida. Porém, a aglutinação pelo Ministério do Meio Ambiente/Ibama de todo o escopo legal para o desenvolvimento das atividades de aqüicultura e pesca precisa ser desmistificada. Isso foi construído em governos anteriores no qual a letargia e o entreguismo estatal foi a moeda corrente (sobretudo na aqüicultura e pesca). O presidente Lula poderá entrar na história como aquele que reiniciou a condução do Brasil para o posicionamento de líder mundial da produção de pescado. Isso só poderá se dar através do salto institucional configurado para transformar a Seap em Mape (Ministério da Aqüicultura e Pesca), responsável por todos os assuntos pertinentes a aqüicultura e pesca, inclusive a fiscalização e o licenciamento. Feito isso, possuímos as melhores áreas do mundo para a aqüicultura bem como recursos pesqueiros (sobretudo os oceânicos) capazes de nos colocar na ponta do desenvolvimento mundial do setor.