O bijupirá, a piscicultura marinha e os envolvidos com esse setor da aquicultura brasileira foram temas da entrevista da edição 125, reproduzida a seguir, que o biólogo Jomar Carvalho Filho, editor da Panorama da AQÜICULTURA concedeu a Raul M. Madrid, editor da publicação digital “Beijupirá News”.
Madrid é o responsável pelos estudos econômicos e de mercado do projeto “Nutrição, sanidade e valor do cultivo do beijupirá no Nordeste brasileiro”, que conta com a participação do Labomar (UFC), UFERSA e USP. Este projeto, liderado pelo pesquisador Alberto Jorge Nunes, do Labomar UFC, faz parte dos três grandes projetos aprovados pelo MPA, através do CNPq, para desenvolver tecnologicamente o cultivo do bijupirá no litoral brasileiro. O “Beijupirá News” pode ser acessado no endereço http://www.labomar.ufc.br/index.php?option=com_content&task=view&id=124&Itemid=35
Beijupirá News – A seu ver quais são os principais motivos que fizeram com que a piscicultura marinha brasileira ainda não tenha se desenvolvido?
Jomar Carvalho Filho – Um dos principais motivos, certamente, é a falta de maturidade e pouca capacidade de organização de todos os envolvidos com esse tema, o que me parece estar sendo resolvido agora em torno do bijupirá. Na aquicultura brasileira ainda não temos tradição para desenvolver metodologicamente de A a Z, tudo que deve ser feito para estruturar a cadeia produtiva de um determinado organismo. E estamos pagando um preço caro por isso. Cada um acha que sabe como fazer e muitos saem tentando por conta própria. Na prática é isso que vemos por aí. Pesquisadores, centros de pesquisa, algumas empresas privadas e o governo, acabam se virando do jeito que acham que devem. Em geral isso acaba drenando um monte de dinheiro para o ralo. Se conversarmos com pessoas de diferentes partes do país, veremos que surgirão mais de uma dezena de espécies que, na opinião dessas pessoas, deveriam estar recebendo um tratamento prioritário para se transformar na espécie principal da piscicultura marinha brasileira. E o curioso é que, na medida em que essas opiniões, ou convicções, não são ouvidas ou atendidas, são criados torcedores apaixonados por uma determinada espécie, que irão rivalizar com torcedores do time de outra espécie, como em um Flamengo x Vasco. Foi o caso do bijupirá quando, tempos atrás, passou a receber apoio do Governo. Vi muita gente falar mal do peixe sem mesmo o conhecer, só porque a SEAP, agora MPA, decidiu apoiar o seu cultivo.
Beijupirá News – Você acredita no futuro sucesso desse setor de produção aquícola? Se positivo ou negativo, informe o por quê.
Jomar Carvalho Filho – Acredito, e muito. Acho que o setor está amadurecendo. O encerramento das atividades da Aqualider, empresa pernambucana que todos depositávamos uma grande esperança, já que desempenharia o papel de empresa âncora, trouxe uma inesperada insegurança. Mas, por outro lado, esse episódio ajudou a manter mais abertos os olhos de quem está comprometido com o fomento da piscicultura marinha, para que ela se profissionalize sem traumas. Tivemos também a trágica experiência do laboratório de Ilha Comprida, no litoral paulista, construído para a produção do bijupirá. Muito dinheiro público foi injetado naquele projeto e a piscicultura marinha brasileira não viu um retorno sequer. Mas, apesar desses pesares, eu acredito que estamos bem próximos de ver novos investimentos privados nessa área.
Beijupirá News – Quais seriam as ações que você recomendaria para o desenvolvimento da piscicultura marinha offshore brasileira?
Jomar Carvalho Filho – Para começar eu apostaria num diálogo de alto nível entre as principais instituições – pesquisa, extensão, fomento, iniciativa privada, setor de alimentos – destituído de paixão e repleto de bom senso e maturidade. Não é porque o meu experimento com o peixe “x” apontou um possível potencial zootécnico, que eu passarei a atacar qualquer outra proposta de suporte para o peixe “y” ou “z”. E isso vem acontecendo veladamente, e pode ser percebido nas conversas que ouço pelos cantos. Não é assim que se constroi uma política voltada para a utilização da costa brasileira para a produção de pescado via piscicultura. É claro que todas as espécies com um bom perfil zootécnico merecem toda a atenção. Mas há que ter sabedoria para atribuir prioridades para a coisa andar. Por outro lado, exigimos muito que o governo apoie ações de fomento, mas o que vimos é que quando o governo apoia declaradamente algo, logo é criado um grupo forte contrário. Foi assim com o bijupirá.
Beijupirá News – O beijupirá é uma boa escolha? Por quê?
Jomar Carvalho Filho – Acho que está entre as melhores escolhas possíveis. O peixe tem ótimos predicados. Uma ocasião, passei quase uma semana na costa cearense para escrever um artigo e, de farra, optei por comer bijupirá todos os dias e em todas as refeições, exceto no café da manhã. Comi bijupirá de todas as formas – frito, cozido, ensopado – só não comi o sashimi. É gostoso demais! E sob o ponto de vista zootécnico, não se discute a sua capacidade de converter e engordar. Problemas? Claro que existem e estão aí os nossos pesquisadores para trazerem as respostas que os futuros produtores necessitarão para criá-lo de forma sustentável.
Beijupirá News – O Brasil dispõe de outras espécies de peixes marinhos com potencial zootécnico e mercadológico semelhante ou superior ao beijupirá?
Jomar Carvalho Filho – Pesquisas com algumas outras espécies também apontam para bons resultados zootécnicos. Publicamos na Panorama da AQÜICULTURA, tempos atrás, um importante artigo do professor Ronaldo Cavalli, onde ele faz um ranking dessas espécies e lá estão, além do bijupirá, o robalo, cioba, garoupa, linguado, pargo, entre outros. Apesar de ter pouca abundância de peixes, a costa brasileira tem uma grande diversidade, e é natural que tenhamos várias boas espécies. Mas é justamente isso que não pode ser usado como desculpa para não se dar a devida atenção para espécies como o bijupirá, por exemplo, em que já se dispõem de informações capazes de dar suporte a um cultivo comercial. Um exemplo disso é na área dos alimentos. Ainda que existam críticas sobre qualidade das rações até então elaboradas para o bijupirá no Brasil, não se pode negar que a indústria já avançou muito acerca das necessidades nutricionais desse peixe.
Beijupirá News – A seu ver, quais são os principais entraves tecnológicos e burocráticos que existem no cultivo do beijupirá offshore?
Jomar Carvalho Filho – O cultivo da Aqualider foi atropelado por uma embarcação. Faltou o que? Carta náutica com sinalização? Sinalização do próprio empreendimento? Para se estar seguro com estruturas em mar aberto é preciso muita coisa, e é preciso antever. Sobre a burocracia, não me parece que tenha sido tão complicado se licenciar. Foi, sim, difícil explicar que o empreendimento não ia se apossar do litoral pernambucano como foi alardeado até pela imprensa culta local.
Beijupirá News – Tendo o Brasil, principalmente o Nordeste, um clima privilegiado, riqueza de espécies nativas nobres e localização estratégica, por que não tem havido interesse de empresários estrangeiros em investir na piscicultura marinha em nossa costa?
Jomar Carvalho Filho – Eu arriscaria dizer que se tivéssemos uma indústria, ainda que acanhada, com empresas brasileiras em plena ação, seria fácil ver empresários estrangeiros interessados. Mas o setor ainda está aparando as arestas para então dar seu salto inicial. Os investidores estrangeiros ou brasileiros certamente preferem encontrar um caminho razoavelmente pavimentado.
Beijupirá News – Se o senhor estivesse no Governo, quais seriam as suas atitudes para despertar os investidores estrangeiros e nacionais a implantarem projetos de cultivo de beijupirá offshore?
Jomar Carvalho Filho – Não acredito que o Governo tenha “cartas na manga” para atrair investimentos neste momento. Ele vem tornando claras as regras para o licenciamento ambiental e para os registros de produção, e participa ativamente apoiando financeiramente os programas de pesquisa, apostando que isso vá, como disse, pavimentar o caminho para os investidores e gerar os benefícios para a sociedade. Mas não creio que o Governo tenha, além disso, algo a mais em suas mãos capaz de despertar investidores.
Beijupirá News – Algumas pessoas dizem que não tem produção de peixes marinhos porque não tem ninguém que produza comercialmente alevinos, e outras, que não têm laboratórios porque não tem a quem vender. Qual é a solução?
Jomar Carvalho Filho – O buraco é mais embaixo. Quem fala isso tem uma visão muito simplificada de um setor que traz em si bastante complexidade. Não basta ter alevinos disponíveis para se produzir peixes no mar. Quem fala isso talvez não saiba que muitas outras questões importantes estão envolvidas, como as necessidades nutricionais das espécies com potencial, a fisiologia da reprodução dessas espécies, o comportamento de grandes estruturas flutuantes em águas rasas com uma certa dinâmica. Enfim, quem fala isso só pode estar querendo fazer uma provocação, mas como disse, o buraco é mais embaixo.