Em 8 de dezembro foram abertos os envelopes do primeiro edital de licitação para a cessão de Espaço Físico em Corpos D’Água de Domínio da União para fins de Aqüicultura realizado no Brasil. O edital foi dedicado a ocupação dos Parques Aqüícolas do Lago de Itaipu. Na prática, são esses os primeiros cultivos em águas da União 100% legalizados. Foram cessões não onerosas, visto se tratarem de solicitações provenientes das populações tradicionais que ocupam o entorno do lago. Ao todo foram 155 áreas licitadas, cada uma com 2 mil m2, distribuídas nos três braços do reservatório: 12.772 ha no Parque Aqüícola do São Francisco Verdadeiro; 10.148 ha no Parque Aqüícola do São Francisco Falso e 8.196 ha no Parque Aqüícola do Ocoí. Das 81 propostas recebidas, oito não estavam habilitadas sendo as 73 restantes aceitas pela comissão de licitação. O fato curioso é que no Lago de Itaipu, acordos bilaterais assinados com o governo paraguaio, impedem que sejam cultivadas espécies exóticas, entre elas a tilápia, mesmo que a tilápia exista abundantemente nadando nas águas do reservatório. Sobre o assunto a Panorama da AQÜICULTURA entrevistou o Diretor de Desenvolvimento da Aqüicultura, Felipe Matias, também presidente da Comissão de Licitação.
Panorama – Recentemente foram publicadas na imprensa acusações de que a cessão das águas públicas é mais um ato de privatização do governo. Isso é verdade?
Felipe Matias: Não é verdade, o que acontece é que nós tínhamos duas opções para resolver o problema da cessão das águas públicas: uma era deixar como estava, todo mundo irregular, todo mundo clandestino. A outra era regularizar e, isso exige todo um aparato jurídico pois trata-se de um bem da União que precisa passar para um terceiro. Então, para isso precisávamos fazer o processo de licitação, porque é somente através da lei no 8666, a lei das licitações, que é possível passar um bem público para um terceiro. E dentro da lei 8.666 conseguimos garantir o acesso gratuito do pescador artesanal, do atingido por barragens e dos assentados ao redor dos reservatórios, por serem pessoas de vulnerabilidade social. Isso permite que se decrete as áreas de preferência e que essa licitação seja do tipo “de seleção” e não uma licitação do tipo “maior preço”. Dessa forma, a “cessão onerosa” fica para empresas ou produtores que não se enquadrem dentro desses critérios de vulnerabilidade social, e a “não onerosa” para os que se enquadram. A acusação publicada é uma interpretação equivocada de que é uma privatização. Falta informação. O que ocorre é que temos que passar um bem da União para um terceiro; uma cessão por 20 anos. Não estamos privatizando ou entregando para as empresas estrangeiras como foi publicado. À partir do momento em que os interessados tiverem o acesso gratuito, acho que essas críticas infundadas vão mudar. Mas, para isso, o setor aqüícola tem que estar presente, unido e mostrando isso a eles. Nós queríamos garantir para o pequeno produtor o uso gratuito das águas da União, e conseguimos. Mas não em detrimento de empresas e dos grandes produtores, que também têm o direito de produzir. O que queremos é dar o acesso a todos, e diferenciar dando acesso gratuito para os pescadores.
Panorama – O que o Sr. teria para dizer aos que não se encaixam no perfil de vulnerabilidade social, como é o caso da grande parte dos projetos que hoje estão na SEAP?
Felipe Matias: Temos basicamente dois tipos de projetos na SEAP/PR: os que estão dentro dos padrões do Decreto no 4895, de 2003, portanto estão tramitando entre os órgãos envolvidos no processo de cessão, e os que não atualizaram suas solicitações. Para os que não atualizaram, não vai haver avanço e devem ser arquivados. Já os que fizeram a solicitação e estão de acordo com a legislação, esses seguem o trâmite normal e aí também podemos dividi-los em dois: os processos solicitados em parques aqüícolas e os processos de áreas aqüícolas isoladas. Para ambos haverá a cessão onerosa ou não onerosa, dependendo dos critérios que acabei de citar. Algumas solicitações que estejam em áreas não indicadas serão negadas. Esse é o processo de ordenamento.
Panorama – A experiência da licitação de Itaipu foi bem sucedida? O edital serviu bem aos propósitos?
Felipe Matias: Considero de pleno êxito. O trabalho da SEAP do Paraná e da Itaipu Binacional propiciou uma agilização muito grande, a partir do contato que eles tiveram com os pescadores, e com as orientações que foram dadas. Não sei se em todos os outros reservatórios teremos uma entidade responsável pela gestão dos reservatórios, como o DNOCS e a CODEVASF, que poderão fazer esse tipo de trabalho. Foram 81 solicitações, das quais 73 foram aprovadas. E as oito solicitações que não foram aproveitadas se deram porque os solicitantes tinham pendência jurídica na União, no Estado ou na Prefeitura. Não fosse isso, todos teriam sido inseridos. A experiência servirá de base para as outras concessionárias de energia ou outros responsáveis pelos reservatórios. É um processo novo, não há resposta para tudo, e nós temos que construir um início. Agora, o setor que tem que estar junto exigindo e ajudando para que consigamos oficializar esse processo.
Panorama – O licenciamento ambiental pelo Brasil afora está indo como se deseja ou ainda há gargalos?
Felipe Matias: Não, não está indo como desejamos, pois tivemos a expectativa, no decorrer desse ano, de ter sido votada a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, que rege sobre a competência dos Estados e da União sobre o licenciamento ambiental.
Panorama – Mas já não é certo que o licenciamento ambiental é uma atribuição dos estados? Já não bateram um martelo sobre isso?
Felipe Matias: Infelizmente não. É preciso a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal, que define as competências da União e dos estados para dar a licença ambiental. É preciso uma pressão do setor produtivo para que isso seja votado no Congresso, para que aí, sim, seja prego batido, ponta virada. Ficaremos satisfeitos quando estiver regulamentado porque aí não se terá mais dúvidas, nem mais o que se questionar. O Ministério Público não poderá mais dizer é ou não é, porque vai estar regulamentado…
Panorama – Tem estado que está se recusando a licenciar?
Felipe Matias: Alguns estados como São Paulo, se recusam a emitir o licenciamento por acharem que a competência não é deles, e têm receio. Há também o estado que quer emitir o licenciamento, mas o Ministério Público vai lá e diz: “não, aqui a gente não permite”, como é o caso de Tocantins. O estado quer dar o licenciamento, mas o Ministério Público diz que a água é da União e, portanto, a União é que deve dar o licenciamento. E ísso só vai estar resolvido com a regulamentação do artigo 23. O que nós podemos fazer por isso? A SEAP/PR, a Frente Parlamentar da Pesca, o setor, todos precisamos trabalhar unidos para que os deputados, os senadores votem isso. Eu acho que essa é uma grande tacada, uma grande jogada institucional apartidária. É uma jogada do setor unido. Ou o setor se une, ou de nada adianta.